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Em cinco anos, Estatuto da Cidade cumpre metas formais


Aprovado pelo Congresso Nacional há cinco anos, o Estatuto da Cidade reúne instrumentos de política pública para racionalizar a estrutura fundiária e urbana dos municípios brasileiros. Mecanismos como a desapropriação de propriedades públicas e privadas, a regularização fundiária, a aplicação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo e o tombamento de imóveis foram reunidos para garantir a função social da cidade, tese que deveria nortear o Estatuto, nas palavras de uma das maiores especialistas em desenvolvimento urbano brasileiro, a professora Ermínia Maricato, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP)."O espírito do Estatuto da Cidade, uma lei avançada, é retirar as propriedades urbanas da dinâmica de valorização desenfreada", explica Ermínia, que atuou como secretaria-executiva do Ministério das Cidades do início do governo Lula, em 2003, até o ano passado. Ela refere-se à necessidade de incluir as populações das favelas, cortiços e outras submoradias nos imóveis urbanos hoje inutilizados em todo o País. Só no município de São Paulo, por exemplo, há quase 400 mil imóveis vazios e ociosos. É mais do que o suficiente para sanar o déficit habitacional da cidade, estimado em 380 mil imóveis, de acordo com um estudo da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab). "As nossas cidades são uma expressão das forças do atraso, se olharmos a área de habitação especialmente", reflete a professora. A capacitação de ordem técnica, a organização gerencial e o esforço operacional para executar os Planos Diretores são os próximos grandes desafios, segundo a secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik. Para ela, levará anos até que os instrumentos de racionalização e de reforma urbana dêem resultados. E para que isso ocorra, o controle social tem um papel crucial. "Romper com uma estrutura urbanística atrasada é um trabalho de gerações. Não se faz de um dia para o outro", coloca. Nesse sentido, a decisão política de aumentar os investimentos públicos da União, estado, municípios se conforma como um ponto fundamental para fortalecer o processo, que ganhou o incentivo da aprovação do marco regulatório do saneamento. O tema dos consórcios municipais também deve ser tratado com mais afinco, antecipa a secretária. Na mesma linha, a coordenadora do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), Regina Pereira, pensa que os primeiros cinco anos do Estatuto da Cidade "fecharam um ciclo", desde a criação da lei até a implantação dos Planos Diretores. "Mas ainda é um Estatuto de papel, com pouco valor prático". Para Regina, ainda há falta de vontade política nos municípios para adotar as ferramentas de desapropriação de terrenos ociosos, de concessão do direito de posse para famílias que ocupam prédios por mais de cinco anos, e de aplicação do IPTU progressivo em imóveis vazios há mais de dois anos. "Não há estudos feitos para saber se as diretrizes do Estatuto estão sendo cumpridas pelas cidades", adiciona. Raquel é mais otimista. Para ela, o tema da reforma urbana foi nacionalizado e atingiu lugares onde sequer se cogitavam mudanças fundiárias ou urbanas. "Há algo que foi colocado em movimento, uma mudança social que será feita nos próximos anos. Entretanto, é uma incerteza se vamos de fato alterar as estruturas urbanísticas do Brasil". Ela avalia que, no que diz respeito à participação popular, o setor habitacional foi bem-sucedido nos últimos cinco anos. Trata-se de um dos eixos do Estatuto: o de fazer a sociedade civil participar da gestão dos gastos públicos habitacionais. Cerca de 17 mil pessoas de 1630 municípios participaram de capacitação para a elaboração de Planos Diretores e mais de R$ 65 milhões foram destinados aos núcleos estaduais incumbidos da mesma tarefa. Os militantes por moradia também têm participado das Conferências das Cidades, nos conselhos estaduais, municipais, no Conselho Nacional das Cidades, de orçamentos participativos. "Em nenhum outro setor público se ouve tanto os movimentos sociais e as organizações não-governamentais", diz Raquel. A secretária do Ministério das Cidades lamenta por não ter sido possível, ainda, resolver os problemas fundiários do país. "Não rompemos com a estrutura arcaica que ainda domina o Brasil. O abismo que separa os bairros ricos e os pobres não foi superado", afirma ela. Aproximadamente 12 milhões de famílias (25% da soma total dos núcleos familiares) no Brasil (sobre)vivem com problemas de água e esgoto. Segundo Raquel, que apresentou um balanço na abertura da VII Conferência das Cidades que está sendo realizada na Câmara dos Deputados e tem como tema central justamente os cinco anos do Estatuto da Cidade, o crescimento do "milagre brasileiro" dos anos 60 e 70 foi baseado na exploração em núcleos urbanos da mão-de-obra dos trabalhadores que foram obrigados a construir, de modo totalmente desordenado, os seus próprios tetos. Essas condições deram espaço para uma conjunção perversa: a construção de moradias precárias em áreas proibidas, muitas vezes de preservação ambiental. "Esse foi o santo do milagre brasileiro. Não distribuiu renda e não se preocupou com o futuro das cidades". A secretária explica que o governo federal, antes da gestão Lula, fez regularizações pontuais e nunca encarou como nacional o problema das propriedades rurais e urbanas ociosas. "Passada a primeira gestão petista, temos 1300 processos de regularização fundiária em andamento, em 800 municípios do país, e mais de 300 casos de regularização já foram resolvidos". Este é um dos pontos críticos da aplicação do Estatuto da Cidade, na opinião de Ermínia Maricato. "Há imóveis vazios e terras ociosas em abundância pelo País". Ela diz que houve recrudescimento da especulação imobiliária de cinco anos para cá e que o alcance popular no mercado residencial brasileiro é baixo. "O mercado trabalha com apenas 30% da população. O resto das pessoas está fora da habitação formal". Para agilizar esse processo, o Ministério das Cidades trabalha para a aprovação da Lei de Responsabilidade Teritorial, que tramita no Congresso. O caso mais paradigmático, para Ermínia, é a cidade de Palmas (TO). Com 200 mil habitantes, o município tem uma área residencial externa a seu plano piloto, onde vivem 80 mil pessoas. "É uma espécie de senzala urbana", relata a professora. "Há 50 mil lotes vazios servidos de infra-estrutura fora do Plano Piloto. É um crime com a economia e o interesse público, já que só nesta área caberia o dobro da população da cidade". Ermínia admite que a atual gestão na prefeitura de Palmas tenta "modificar essa aberração", com a aplicação do Plano Diretor e do Estatuto da Cidade. "Dá para contar nos dedos os municípios que estão avançando de fato na aplicação da função social das propriedades", diz. De acordo com a professora da USP, que também foi Secretária de Habitação de São Paulo entre 1989 e 1992, se for verificado o patrimônio edificado e a estrutura fundiária, em qualquer grande cidade brasileira, "notaremos que é possível acomodar todas as pessoas que estão morando em favelas e ainda vai sobrar espaço", projeta. "Os instrumentos do Estatuto da Cidade nada mais são do que a regulação do direito de propriedade privada e pública no país. É claro que, em tempos neoliberais, falar em regulação é complicado", alfineta Ermínia Maricato. "Não é uma lei simples de fazer valer". *colaborou Maurício Hashizume, de Brasília. Fonte: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id Autor/Fonte: Agência Carta Maior



Ações: Direito à Cidade

Eixos: Terra, território e justiça espacial