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CASO SYNGENTA: Ação Penal criminaliza trabalhadores rurais e não responsabiliza mandantes


Acontece nesta quinta 20/12, na 1º Vara Criminal em Cascavel, o interrogatório dos 19 denunciados pelo Ministério Público do Paraná (MP), na Ação Penal que apura o ataque de milícia armada contra os trabalhadores rurais da Via Campesina, no dia 21 de outubro, no campo de experimentos da transnacional Syngenta Seeds. O ataque culminou com a execução do integrante do MST - Valmir Mota de Oliveira, o Keno e na morte do segurança Fábio Ferreira.

A área da Syngenta foi ocupada na parte da manhã do dia 21/10 por cerca de 150 pessoas da Via Campesina, seguindo na luta para que a área de experimentos ilegais de transgênicos da Syngenta seja transformada em Centro de Agroecologia e de produção de sementes crioulas para a agricultura familiar camponesa e a Reforma Agrária. A transnacional já havia sido multada pelo IBAMA, em março de 2006, em 01 milhão de reais pelo desenvolvimento de experimentos ilegais com transgênicos. A Justiça Federal também reconheceu a ilegalidade dos experimentos.

Ilegalidades nas denúncias

O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra 19 pessoas; 08 seguranças, Nerci Freitas, dono da empresa de segurança NF e o presidente da Sociedade Rural do Oeste Alessandro Meneghel. Nerci Freitas e Alessandro Meneghel são acusados de formar uma organização criminosa com objetivo de reprimir a atuação dos movimentos sociais na região e ainda realizar despejos ilegais.

Também foram denunciados 08 militantes da Via Campesina, dentre eles Izabel Maria do Nascimento de Souza (que sofreu tentativa de execução no dia do ataque), Célia Aparecida Lourenço e Celso Ribeiro Barbosa (que estavam sob forte ameaça há mais de seis meses). O Juiz autorizou proteção especial para a Izabel, durante o interrogatório. O Ministério Público não acusa diretamente os militantes pelos crimes, mas os denuncia sob o argumento de que, com a ocupação da área, teriam admitido o risco das lesões corporais e homicídios causados pelos seguranças da NF. Os militantes também são acusados de formação de quadrilha para cometer crimes de esbulho possessório na região. O Superior Tribunal de Justiça, tem entendimento de que a ocupação de terras para fins de reforma agrária não constitui crime de esbulho possessório. Veja aqui mais sobre a decisão do STJ

O Centro de Operações Policiais Especiais COPE apontou, no relatório do inquérito, duas possibilidades para a morte de Fábio Ferreira: a) ele teria sido atingido por fogo amigo; ou seja, pelos próprios seguranças, que atiraram de forma desordenada; b) ele teria sido atingido por tiro vindo de dentro do campo experimental. O COPE deixa claro que não foi possível precisar a autoria, fato que foi prejudicado pela postura dos próprios seguranças, que não prestaram qualquer informação para a elaboração das provas periciais, que só poderiam ter sido realizadas na fase de inquérito.

Para a Terra de Direitos, a denúncia oferecida contra os militantes do MST constitui clara ilegalidade, uma vez que é baseada no entendimento do Ministério Público de que ao ocupar propriedade, os militantes teriam assumido o risco de ocasionar os assassinatos. Na verdade, é claro que toda a violência ocorrida resultou da formação de um grupo paramilitar na região, com objetivo de agredir os movimentos sociais e violações de direitos humanos das mais diversas ordens contra trabalhadores rurais. Com isso, o Ministério Público tenta transformar as vítimas, em culpados.

A Terra de Direitos já vinha denunciando a atuação do MPR e a utilização da empresa de segurança NF pela Syngenta há vários meses, inclusive ao próprio Ministério Público em Cascavel.

Criminalização dos Movimentos Sociais e Defensores de Direitos Humanos

Darci Frigo, coordenador da Terra de Direitos e membro da Coordenação Nacional do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos afirma que "os desdobramentos deste caso despertam grandes preocupações do ponto de vista da proteção que o Estado Brasileiro deve dar aos defensores de Direitos Humanos.Também demonstra que muitos representantes do Poder Público ainda têm uma postura incoerente com o Estado Democrático de Direito, criminalizando a atuação dos movimentos sociais.".

Para o advogado, mais grave ainda foi o fato do Ministério Público ter solicitado a prisão de Celso Ribeiro Barbosa e Célia Aparecida Lourenço, pedido que foi acatado pela 1º Vara Criminal de Cascavel. Celso e Célia acompanharam todo o inquérito policial, prestaram depoimento, contribuíram com as investigações. Celso estava sob proteção policial por estar sofrendo ameaças e o caso dos dois estava sendo analisado pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. A decretação das prisões preventivas não somente é incoerente, mas também representa um risco à sua segurança..

Outra preocupação da organização é a situação dos mandantes. Apesar do Inquérito Policial ter demonstrado vários elementos que permitiriam o indiciamento de Alessandro Meneghel, presidente da Sociedade Rural do Oeste do Paraná, este não foi denunciado pelos fatos do dia 21 de outubro. O inquérito também aponta elementos para investigar a conduta da Syngenta. De acordo com a Polícia, era fato notório que a empresa utilizava seguranças armados na propriedade e os seguranças; no dia 21 de outubro, teriam fugido em um carro de propriedade da Syngenta, fato descrito na denúncia. Apesar disso, não há garantias de que as investigações contra a transnacional prosseguirão.

Hoje (20/12) a Terra de Direitos comunicou a situação à Representante da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, Hina Jilani

Decisão do STJ sobre esbulho possessório:

Segundo o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em voto proferido no Habbeas Corpus - Supremo Tribunal de Justiça - HC - STJ, decisão nº 4.399/96, São Paulo , deferiu que : "A conduta do agente do esbulho possessório é substancialmente distinta da conduta da pessoa com interesse na reforma agrária.(...)No esbulho possessório, o agente, dolosamente, investe contra a propriedade alheia, a fim de usufruir um de seus atributos(uso).Ou alterar limites do domínio para enriquecimento sem justa causa."

Quanto à finalidade da ação dos ocupantes vê o Ministro Cernicchiaro que "pode haver do ponto de vista formal, diante do direito posto, insubordinação:materialmente entretanto a ideologia da conduta não se dirige a perturbar, por perturbar, propriedade. Há sentido, finalidade diferente.Revela sentido amplo, socialmente de maior grandeza, qual seja, a implantação da reforma agrária." Decisão disponível no site: www.stj.gov.br
E, repita-se, sempre que o dolo não for o de esbulhar, não haverá adequação típica da conduta. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "se o Movimento Popular (no caso, "Movimento dos Sem-Terra") visa pressionar o governo para acelerar a implementação da reforma agrária, programa constante da CR, não se está diante de movimento para tomar a propriedade alheia, não havendo que se falar, portanto, no crime contra o patrimônio deste artigo 162, § 1º, II (STJ, mv - RT 747/608 ; TJSP, RT 787/594)" - referência: Delmanto, Celso, et al. Código Penal Comentado. São Paulo: Renovar, 2002, p. 371.

Assessoria de Imprensa Terra de Direitos - (41)32324660 , com Ana Carolina Caldas



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