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Camponeses Marcham contra a Monsanto no Haiti

08/06/2010 Texto e fotos: Thalles Gomes

Marcha HaitiEnche /Haiti

Lanbi é o termo em kreyòl para designar uma espécie de concha marítima muito comum no litoral haitiano e que costuma servir de alimento para o povo dos litorais. Mas lanbi não é somente uma concha. É também um instrumento de guerra. Nos tempos da colônia, os escravos haitianos sopravam seus lanbis ao calar da noite e o som grave que saia deles era o sinal para convocar as reuniões que planejariam os passos da independência haitiana. Foi ao som dos lanbis que se levou a cabo a primeira revolução vitoriosa de escravos que se tem notícia na história da humanidade. O ruído grave e oco do lanbi foi o prenúncio da libertação das Américas.

Na última sexta-feira, 04 de Julho de 2010, o som do lambi voltou a ser ouvido na pequena ilha do Caribe. Na região de Papay, no departamento Central do Haiti, milhares de camponeses e camponesas marcharam ao ritmo dos lanbis. Eles vinham de todos os confins do país e gritavam em uníssono: “Abaixo a Monsanto. Abaixo as sementes transgênicas e híbridas. Viva as Sementes Nativas Crioulas!”

A Marcha foi uma resposta à doação de 475 toneladas de milho híbrido que a multinacional Monsanto ofereceu ao governo do Haiti no último mês de maio. Esta doação está sendo encarada pelas famílias e movimentos camponeses como um verdadeiro presente mortal e representa um “ataque muito forte à agricultura camponesa, aos camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente no Haiti”, de acordo com Chavannes Jean-Baptiste, coordenador do MPP (Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana, responsáveis pela convocação e coordenação da Marcha.

Percorrendo uma distância de dez quilômetros desde a região de Papay rumo ao centro da capital departamental Enche, a marcha contou com a presença estimada de 8.000 a 12.000 pessoas, de acordo com seus organizadores. Além da Via Campesina Haiti, participaram também diversas articulações e movimentos camponeses como o FONDAMA, RENAHSSA, PLANOPA, KABA GRANGOU, VETERINAIRES SANS FRONTIÈRES, FRÈRES DES HOMMES, DÉVELOPPEMENT ET PAIX, FONDASYON MEN KONTRE AYITI e ACTIONAID.

A solidariedade internacional mostrou-se presente com lideranças camponesas oriundas da República Dominicana, Estados Unidos, França, Itália e Brasil. Os camponeses e camponesas que compõem a Via Campesina Brasil externaram sua “indignação e preocupação” com a entrada da Monsanto no Haiti, afirmando em carta pública que “não podemos concordar que a catástrofe de 12 de Janeiro seja utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses e lucros de multinacionais delinqüentes como a Monsanto. Sob uma ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos pelas tropas da MINUSTAH – vergonhosamente liderada pelo exército brasileiro - e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.”

Durante a Marcha, sementes de milho crioulo foram distribuídas e plantadas pelos camponeses de Papay para demonstrar sua firme posição em defesa das sementes nativas. Imbuídos dessa mesma convicção, ao final do ato os camponeses queimaram simbolicamente uma pequena porção do milho transgênico da Monsanto que começou a ser distribuído pelo Ministério de Agricultura do Haiti. "Temos de lutar por nossas sementes locais", afirmou Chavannes enquanto o milho transgênico ardia no chão. "Devemos defender a nossa soberania alimentar", concluiu.

Os manifestantes não esconderam sua indignação com o Presidente Rene Preval. As atitudes do presidente haitiano após o terremoto de 12 de Janeiro de 2010 – que vitimou mais de 300 mil pessoas e desabrigou milhões de famílias – vêm sendo bastante contestadas. A anuência com a permanência das tropas de ocupação da MINUSTAH, a aprovação de uma Lei de Emergência que prorroga seu mandato por mais 18 meses e que cria uma Comissão Provisória para a Reconstrução do Haiti sob o comando geral de Bill Clinton, somadas a este acordo com a multinacional Monsanto, vêm transformando o nome de Rene Preval em sinônimo de subserviência e corrupção nos meios populares. "Estou aqui porque estou com raiva do Preval", afirmou o marchante Pierre Charité, camponês de 61 anos que cultiva milho, banana e cana-de-açúcar no departamento Central do Haiti. "Ele aceitou esse milho ruim da Monsanto que vai matar o milho do Haiti. Eu não vou usá-lo", asseverou Pierre.

O terremoto de 12 de Janeiro derrubou casas e destruiu estradas, mas não abalou a força dos camponeses haitianos. O som do lanbivoltou a ecoar pelas montanhas da ilha.



Leia mais sobre o contexto da Marcha



Camponeses haitianos convocam marcha contra Monsanto

A notícia de que a multinacional Monsanto iniciou uma doação de 475 toneladas de sementes de milho ao Haiti vem causando sérias divergências na sociedade haitiana, em especial nos movimentos camponeses. “Trata-se de um novo terremoto mais perigoso a longo prazo do que o que ocorreu em 12 de Janeiro. Não se trata de uma ameaça, mas de um ataque muito forte à agricultura camponesa, aos camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente no Haiti”, afirmou Chavannes Jean-Baptiste, coordenador  do MPP (Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana.

Para denunciar esse presente mortal da Monsanto, os movimentos camponeses estão organizando uma série de manifestações e atos públicos ao longo de todo o país. O primeiro deles ocorrerá no próximo dia 04 de Junho de 2010, na região de Papay, no departamento Central do Haiti.

A manifestação terá início com o plantio de sementes de milho e feijão crioulos na região, seguido de debates e discussões públicas sobre os perigos das sementes transgênicas e o histórico de crimes da empresa Monsanto pelo mundo.

A seguir, uma grande marcha popular, que contará com participação de camponeses de todos os departamentos do Haiti, além de delegados de outros países, partirá rumo à capital Enche sob o lema “Marcha popular contra a Monsanto e seus cúmplices”. A previsão da organização é que mais de 10.000 marchantes participem deste ato.

Em solidariedade à mobilização dos camponeses e lutadores populares haitianos, a Via Campesina Brasil, através de sua Brigada Internacionalista no Haiti, enviou-lhes carta afirmando que “não podemos concordar que a catástrofe de 12 de Janeiro seja utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses e lucros de multinacionais delinqüentes como a Monsanto. Sob uma ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos pelas tropas da MINUSTAH – vergonhosamente liderada pelo exército brasileiro - e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.”

HAITIConfira a seguir a íntegra da carta apresentada pela Via Campesina Brasil aos movimentos camponeses haitianos:

“É com profunda indignação e preocupação que os movimentos sociais que compõem a Via Campesina Brasil tomaram conhecimento do presente mortal que a Monsanto está oferecendo aos camponeses e camponesas haitianos.

Indignação por saber que as terríveis conseqüências do terremoto que abalou o Haiti em 12 de Janeiro de 2010 – deixando mais de 300 mil mortos e milhões de desabrigados – estão sendo utilizadas como pretexto para a entrada em solo haitiano desta multinacional estadunidense que é a líder mundial do mercado de sementes e que produz 90% de todos os transgênicos plantados no mundo.

A doação das 475 toneladas de semente de milho e hortaliças pode até ser propagandeada como uma ação de generosidade da Monsanto com o povo haitiano. Mas conhecendo o retrospecto desta multinacional como nós da Via Campesina Brasil conhecemos, temos clareza que se trata de mais uma infame tática empresarial para aumento inescrupuloso de lucros. Lucros que virão à custa da exploração das famílias camponesas e de golpes fatais à soberania alimentar do Haiti.

Preocupação por ver nesse presente mortal uma trágica repetição do que ocorreu em nosso país na última década. Há menos de 10 anos, a multinacional Monsanto iniciou um processo de contrabando de sementes transgênicas e sua introdução clandestina no Brasil. Quando as autoridades brasileiras acordaram para o fato, havia dezenas de milhares de agricultores utilizando as sementes geneticamente modificadas de forma ilegal.

Apesar dos protestos e das fortes mobilizações dos movimentos sociais, o governo brasileiro deu provas de sua subserviência e aprovou à época o cultivo dos 4,5 milhões de hectares cultivados ilegalmente com sementes transgênicas da Monsanto. Resultado: Hoje o Brasil é o segundo país que mais planta sementes transgênicas em todo o mundo - com uma área cultivada de mais de 21 milhões de hectares está atrás apenas dos EUA. 55% das sementes de soja plantadas no país são transgênicas. Por monopolizar este mercado - a transnacional controla 70% do mercado nacional – a Monsanto fica livre para impor seus preços aos camponeses.

Além do mais, todo camponês que planta as sementes transgênicas da Monsanto é obrigado a pagar royalties, ou seja, uma porcentagem da colheita aos donos da empresa produtora das sementes transgênicas. Outro fator é que os agricultores não podem replantar as sementes, sendo obrigados a comprar a cada época de plantio novas sementes das mãos da Monsanto. Isso viola gravemente a soberania alimentar e a autonomia dos camponeses.

Junto com as sementes transgênicas, a Monsanto trouxe também seu pacote de agrotóxicos. Sim, porque suas sementes são alteradas geneticamente para suportar os efeitos danosos dos seus herbicidas e pesticidas. O mais famoso deles é o Roundup, um perigoso veneno acusado de ser um agente provocador de câncer e proibido em diversos países. Não é o caso, infelizmente, do Brasil, onde o Roundup é comercializado livremente. Somos, inclusive, o maior consumidor mundial de venenos – na safra passada foi consumido 1 bilhão de litros de agrotóxicos, uma assustadora  média de cinco litros de veneno por habitante. Isso vem degradando nossos solos, afetando o lençol freático, contaminando até as chuvas, além é claro dos alimentos. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Instituto Nacional do Câncer têm alertado para o fato de que o aumento nos casos de câncer no país está diretamente ligado ao crescente uso destes agrotóxicos.

Nós, os movimentos que compõem a Via Campesina Brasil, defendemos e lutamos pela soberania alimentar do povo brasileiro e de todos os povos do mundo, inclusive o Haiti. Nosso compromisso solidário com os camponeses haitianos está concretizado na nossa Brigada Dessalines de Solidariedade ao Povo Haitiano, composta por mais de trinta camponeses e camponesas brasileiros que desde 2009 estão em solo haitiano trabalhando em conjunto com os movimentos camponeses na construção de um Haiti mais justo e soberano.

Não podemos concordar que a catástrofe de 12 de Janeiro seja utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses e lucros de multinacionais delinqüentes como a Monsanto. Sob uma ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos pelas tropas da MINUSTAH – vergonhosamente liderada pelo exército brasileiro - e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.

É por isso que apresentamos nosso irrestrito apóio às mobilizações populares que ocorrerão no próximo dia 04 de Junho de 2010, na região de Papay, no departamento Central do Haiti, com o objetivo de denunciar e combater a entrada da multinacional Monsanto e suas sementes transgênicas no país. Esperamos que essa seja a primeira de muitas outras manifestações que impedirão os planos de morte da Monsanto e do capitalismo neoliberal no Haiti.

Toda solidariedade ao povo lutador do Haiti, herdeiro da força e coragem de Capóis La Mort, Toussaint Louverture, Alexander Petion, Henri Kristophe e Jean Jacques Dessalines, primeiros libertadores de Nuestra América!

 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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