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Ex-integrantes do governo Lugo avaliam papel de transnacionais dos transgênicos no golpe de estado


Oscar Rivas  (Foto: Joka Madruga)ENTREVISTA 
Oscar Rivas e Miguel Lovera participaram do seminário internacional “10 anos de Transgênicos no Brasil”, realizado de 21 a 24 de outubro, em Curitiba/PR.

Por Ednubia Ghisi, Naiara Bittencourt, Tchenna Maso
Foto: Joka Madruga / Transcrição: Rafaela Pontes de Lima

Assim como a maioria dos países latino-americanos, o Paraguai vive sobre forte pressão das transnacionais donas das patentes de sementes transgênicas e de agrotóxicos. Desde a liberação dos Organismos Geneticamente Modificados – OMGs no país, o uso da transgenia aumenta a cada ano e se tornou a base da economia: atualmente a soja transgênica ocupa cerca de 3,4 milhões de hectares do território paraguaio.

Os paraguaios Oscar Rivas e Miguel Lovera participaram do seminário internacional “10 anos de Transgênicos no Brasil” e trouxeram relatos sobre os impactos dos transgênicos no país. Ambos atuaram diretamente no governo Fernando Lugo: Rivas foi Ministro da Agricultura e atualmente integrante da organização Sobrevivência, e Lovera presidiu o Servicio Nacional de Calidad Vegetal y de Semillas, hoje é professor do Centro de Estudios e Investigaciones de Derecho Rural y Reforma Agraria (CEIDRA) da Universidad Católica “Nuestra Señora de la Asunción”.

Confira a entrevista:

Qual foi o contexto da entrada dos transgênicos no Paraguai e como está esse panorama hoje?

Miguel Lovera - A entrada foi, assim como no Brasil, com a soja Maradona [da Argentina], mas nós temos informações de que a Monsanto esteve envolvida nesse processo. Temos depoimentos de pessoas que participaram do processo na Argentina, que falaram “é, eu falava com o cara da Monsanto e ele sabia o que estava fazendo’’. Então, para nós, trata-se de uma estratégia de sabotagem agroindustrial para ocupar um território, engolir esse território. Isso que aconteceu aqui aconteceu no Paraguai também. Só no ano de 1997 ou 1998, houve duas safras.

Miguel Lovera (Foto: Joka Madruga)Qual a relação do golpe do Paraguai, que ocorreu no ano passado, com os setores do agronegócio? Como isso se deu?

Miguel Lovera - Esses fatos não são públicos. O máximo que podemos fazer é verificar quem foram os beneficiários do golpe. A Monsanto e outras transnacionais do agronegócio, da agrotecnologia, não podiam ter seus eventos transgênicos aprovados no Paraguai, e depois, na semana seguinte ao Golpe, eles já haviam aprovado os quatro eventos novos. Então, basta somar 1+1 para chegar à resposta. Nós acreditamos que eles contribuíram para esse golpe. Por exemplo, o agronegócio tem uma fundação chamada Fundação INBIO que recebe pelo menos dez milhões de dólares anuais para a promoção do agronegócio, entre cinco e dez milhões de dólares anuais. Então, se você precisa financiar alguma coisa sem que esteja diretamente envolvido, tem essa fundação que faz isso por você. O dinheiro dessa fundação vem de um imposto que a Monsanto cobra no país. O Estado paraguaio não cobra imposto sobre a exportação de soja, mas a Monsanto cobra. São US$ 4,40 por tonelada. A justificativa é o uso da tecnologia da Monsanto. No Brasil fala-se em royalties, é o mesmo lá no Paraguai, a empresa cobra, mas na forma de imposto. O governo não pode, porque os produtores fazem greve, fazem sabotagem, tudo, mas a Monsanto cobra. Esses fundos aí é que são destinados ao financiamento dessas entidades para todo tipo de questão obscura.

No Brasil isso também acontece...

Oscar Rivas - Quando nós falamos do agronegócio, ou das empresas do agronegócio, creio que temos que falar de um leque de atores. Não se trata, simplesmente, de produtores de soja ou de grãos para exportação. Temos o setor da carne, que é um dos setores mais conservadores do país. Do país não, do continente. As famosas Associações Rurais do Paraguai, que detém a maior quantidade de terras desde muitos, centenas de anos vem alastrando esse processo no país. E podemos falar dos mega-produtores, mega-empresários, que são absolutamente irresponsáveis desde sempre, e lhes interessa continuar sendo irresponsáveis, permanecendo impunes diante do descumprimento das normas ambientais e sociais, entre as quais se incluem a indígena e trabalhista. Estes dois grupos foram muito afetados pela gestão de um governo que estava revertendo, em 180 graus, a situação política e os benefícios concedidos por meio de decisões que davam suporte a seus padrões produtivos, a suas ganâncias e sua concentração de riqueza.  Eles estavam se acostumando, depois da saída de Stroessner do poder, nos vinte anos seguintes, a seguir exatamente o mesmo. A democracia não havia se instalado no Paraguai, simplesmente havia saído um ditador. Com o governo de Lugo, houve, realmente, uma eclosão popular, que se empoderou e tomou o executivo. Não o legislativo e não o judiciário. E exatamente o legislativo, sob o qual não tínhamos controle, realizou o golpe parlamentar, com todo o respaldo dessa sociedade que era beneficiária de uma política e de um governo de direita, conservador, neoliberal e que apostava, claramente, nesses setores. Usaram os meios mais vergonhosos, mais criminosos para chegar ao golpe parlamentar: o assassinato tanto de campesinos como de policiais, o que gerou uma condição que foi aproveitada midiaticamente por todos os setores conservadores, que, como disse ele, imediatamente recuperaram todas as situações de privilégios perdidos durante nosso governo progressista. Então, seguramente, não podemos falar de uma perspectiva muito simplista, dizer “fulano de tal financiou o golpe e foi o apoiador’’, todos os setores conservadores apoiaram. E quando falamos dos setores conservadores, também estamos nos referindo aos setores conservadores internacionais, que tinham o interesse de evitar que a América do Sul seguisse avançando em uma política mais social, uma política mais reivindicativa de soberania dos povos. E somente o Paraguai, entre todos os países, porque se tentou no Equador, na Venezuela, no Brasil, no Uruguai, na Argentina, na Bolívia, e, bom... Honduras primeiro, Paraguai depois. Foram os dois países onde não estava suficientemente consolidada politicamente esta estrutura de governo progressista e fomos vítimas dessa conspiração internacional, vinculada à conspiração do empresariado nacional. Creio que isso foi o que motivou o golpe de estado parlamentar e rapidamente as coisas, como disse bem ele... podemos analisar o que aconteceu imediatamente após o golpe e vamos ver quem são os atores beneficiados e, portanto, quem seriam os atores interessados em que esse golpe ocorresse.

Qual a importância de os setores progressistas ocuparem o executivo, principalmente no que se refere ao Ministério Agrário?

Oscar Rivas - O Ministério da Agricultura estava tomado pelo setor conservador do governo Lugo, que era o setor liberal. Eles não precisavam tomar o Ministério da Agricultura. Todavia, depois, quando o presidente decide por Miguel a frente do SENAVE [Servicio Nacional de Calidad Vegetal y de Semillas], se vê como é baleada a estrutura conservadora do Ministério da Agricultura. Porque o SENAVE é uma autarquia, mas está dentro da política agrária. Eu também creio que se deve tomar tudo aquilo que tem relação com o social e com o ambiental, porque são os freios para se seguir avançando com essa posse do território. Quando chegamos ao governo, havíamos chegado ao top da ocupação do território. Acharam que as coisas permaneceriam como sempre foram. Se encontraram, todavia, com as regras do povo, que se estavam cumprindo conforme as leis. Não é que tenhamos mudado todas as leis vigentes, é que a impunidade era muito grande e eles queriam voltar àquilo. E o que precisavam era, precisamente, o executivo, que gestiona o território e as questões de política pública, e era o que os estava perturbando para que essa situação de vantagem que o elegeu ocorresse. Estão, logicamente, o golpe era absolutamente necessário para sacar o único poder que estava a favor do povo.

Miguel Lovera - Creio que foi muito útil, muito proveitoso, porque nos deu a oportunidade de desmascarar o adversário, definir quem na realidade no país está disposto a uma convivência democrática e quem não. Foi o que fizemos. Para isso, usamos o marco da lei, nós não inventamos nenhuma lei nova, nos baseamos somente no marco existente, aplicando essas leis, e não agüentaram isso. Ficaram loucos, porque tiveram que cumprir leis que não estavam dispostos a cumprir. No status quo que existia antes de 2008, ninguém respeitava a lei. Quando nós chegamos, constatamos isso, e fomos, então, aos poucos, implementando a lei vigente. Não inventamos nada revolucionário, o que fizemos foi constatar que não estavam dispostos nem a respeitar as leis que eles propiciaram, que eles fizeram com seu status quo, e não estavam dispostos nem a isso. Isso está claro agora, aprendemos por mal, porque se retrocederam cinqüenta anos por frear o desenvolvimento político nacional, político, sócio-econômico, tudo. Houve um grande retrocesso. E obviamente, os setores dominantes, hegemônicos do Paraguai e hemisféricos, não são democráticos, não estão dispostos a conviver em um Estado de Direito se isso não lhes for lucrativo, se eles não mandam, se eles não decidem. Nos demos conta disso e aprendemos para o futuro, e no futuro não vamos tratá-los da mesma forma, para nada. Vamos ser muito mais precavidos, e vamos tomar as medidas necessárias para forçá-los a respeitar o estado de direito, o que deveríamos ter feito desde o início.

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Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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