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Artigo | 30 anos do MST: mais democracia e justiça no campo


MSTArtigo de Fernando Prioste, coordenador da Terra de Direitos, publicado na Gazeta do Povo, no dia 12/02

Fundado em Cascavel, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) completou 30 anos como uma das mais significativas organizações populares do Brasil e do mundo. Presente em quase todo o país e com milhares de integrantes, obteve avanços em suas pautas, mas ainda luta pela radical transformação democrática do campo no Brasil.

A luta do MST, somada à de inúmeros movimentos populares, foi fator determinante para que o Incra, segundo seus dados, desde 1984 criasse 8.865 assentamentos, somando 87 milhões de hectares que beneficiam mais de 900 mil famílias de agricultores. Apesar das graves deficiências da política pública de reforma agrária, os assentados produzem boa parte do que consumimos. No Rio Grande do Sul, 300 mil sacas de arroz orgânico são produzidas ao mês por 1,6 mil famílias de nove assentamentos. Em Santa Catarina, integrantes do MST produzem e beneficiam 9 milhões de litros de leite por mês. No Paraná, três cooperativas industrializam 2 milhões de litros de leite e 600 mil sacas de arroz por mês.

Mesmo que parciais, essas vitórias econômicas, sociais e políticas são importantes, pois mudaram para melhor a vida de milhões de pessoas. Mas ainda há muito por fazer, já que os movimentos sociais lutam pela efetiva democratização do acesso à terra, assim como para a consolidação de um sistema que priorize a produção de alimentos sem agrotóxicos e livres de transgênicos, gerando dignidade e renda às famílias que vivem no campo e alimentos saudáveis a baixo custo nas cidades.

A pauta política da agricultura familiar evidencia uma intensa disputa social por modelos de agricultura no Brasil, colocando em lados opostos o agronegócio exportador e a agricultura familiar. Os agricultores familiares, apesar de serem maioria no campo, estão sub-representados no sistema político partidário se comparados com os ruralistas. Assim, as conquistas dos movimentos sociais só são obtidas através da organização e da ação popular de massas. Nesse sistema político com representações distorcidas, a viabilidade da existência de organizações sociais populares e o grau de intransigência do Estado e da classe social com poder econômico e político às demandas e aos próprios movimentos são termômetros da qualidade da democracia brasileira.

O MST não é unanimidade e os assassinatos de centenas de seus integrantes ao longo destes 30 anos são provas disso. Mas a truculência do agronegócio na luta política não está totalmente impune; as recentes condenações de pistoleiros, fazendeiros e policiais militares do Paraná envolvidos em milícias armadas e assassinatos de sem terras são respostas, ainda que tímidas, à situação de violência a que estão submetidos os que lutam pela hegemonia de outro modelo de produção no campo brasileiro.

Se as profundas transformações que o MST e os demais movimentos sociais populares do campo buscam estão longe de ocorrer, é possível dizer que essas organizações populares continuarão a existir e a atuar. Mas a derrota dos grupos políticos que vivem à custa da miséria gerada pelo modelo agroexportador só virá quando a sociedade compreender que movimentos sociais, a exemplo do MST, não são o que a grande imprensa diz, pois são aqueles que ousam lutar por um sistema político e econômico que possibilite vida digna e participação política democrática a quem realmente vive e trabalha no campo.

Fernando Prioste, advogado popular, é coordenador da Terra de Direitos.



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Terra, território e justiça espacial