Artigo | 2014: agricultura familiar, Copa e eleições


PROJETO 51 FOTOSArtigo da assessora jurídica da Terra de Direitos, Katya Isaguirre Torres, publicado originalmente na Gazeta do Povo

A agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que compõem a cesta básica da população brasileira e seu conceito envolve diferentes práticas socioculturais desenvolvidas por camponeses, indígenas e pescadores artesanais. A realização da Copa do Mundo, cumulada com um período eleitoral tenso, não torna fácil deixar claro para a sociedade civil que dependemos muito mais dos agricultores e agricultoras familiares desse país do que se pensa. Durante a realização dos jogos, a presença de quiosques para a oferta de produtos orgânicos e sustentáveis é medida insuficiente dada a importância desses atores sociais no desenvolvimento do país. Essas iniciativas precisam ser compreendidas como algo que vai além da moda do politicamente correto, mas que evidencia a soberania e segurança alimentar.

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, sob o argumento de que ela representa “muito mais do que um modelo econômico; é o núcleo da gestão sustentável da terra e sua biodiversidade, a fonte de importantes dimensões culturais de cada pessoa e, considerando todas essas coisas, um pilar fundamental para o integral desenvolvimento de todas as nações”. A execução da campanha ficou a cargo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e, no Brasil, há o Comitê Brasileiro para o Ano Internacional da Agricultura Familiar (Aiaf). A iniciativa é interessantíssima, mas será que a atribulada agenda de 2014 no Brasil permitirá reconhecer a sua importância social, econômica e cultural?

O ano de 2014 é estratégico para que o debate em torno da produção agroalimentar seja feito não só em termos de quantidade, mas também pela qualidade dos alimentos que são colocados na mesa dos brasileiros. Os orgânicos são caros? Por quê? Necessitamos refazer essas perguntas e avaliar o modelo produtivo que inseriu o país pela sexta vez consecutiva como campeão mundial no uso de agrotóxicos, que favorece a concentração financeira das transnacionais e aplica tecnologia de risco à biodiversidade e à saúde humana. Seria esse o modelo capaz de incentivar uma produção de maior equilíbrio social e ambiental?

A recém-lançada Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) pode ser a sustentação para que, não apenas em megaeventos, o Brasil possa afirmar que tem condições de realizar uma produção agroalimentar de bases sustentáveis. O que precisa ficar claro é que a busca por práticas alimentares adequadas e saudáveis é uma questão de direitos humanos e envolve um conjunto complexo de escolhas que refletem na geração presente e nas futuras. A sua discussão não se distancia da necessidade de implantar políticas multissetoriais de fundo não assistencialista, da implementação de bens e serviços para o campo e do desenvolvimento de mecanismos capazes de garantir acesso à terra e à reprodução dos modos de vida dos agricultores familiares, de alternativas de financiamento e da construção social de mercados para os produtos das agroindústrias rurais, dentre outros. Que em meio aos debates e partidas de futebol de 2014 possamos refletir sobre quem de fato garante a alimentação no país.

Katya Isaguirre Torres, assessora jurídica da Terra de Direitos, é professora de Direito Agrário e Ambiental da Universidade Federal do Paraná.



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar