Declatra | Entrevista com Darci Frigo sobre mediação de conflitos fundiários rurais


Frigo_Foto Everson Bressan_AE NotíciasFonte: site Defesa da Classe Trabalhadora

Um estudo que provoca o uso a mediação para os conflitos coletivos de posse levou a ira setores conservadores. A reação não demorou a vir e uma das principais representantes da direita, a senadora Kátia Abreu, que também preside a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, atacou o estudo em artigo publicado na Folha de São Paulo.

O jornal O Estado de São Paulo não ficou para trás e publicou, no dia 3 de março, um editorial intitulado “Drible do Judiciário”, com o mesmo tom de uma nota da CNA. Em todos os casos o alvo são as propostas de mediação dos conflitos fundiários.

Como resultado, uma nota pública de repúdio aos veículos de comunicação foi produzida, divulgada e subscrita por cerca de 80 institutos de pesquisa, grupos de assessoria jurídica popular e organizações de direitos humanos entre os quais o Declatra (clique aqui para ver a nota).

Sobre o tema, o Declatra entrevistou o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, que falou sobre o estudo, o crescimento da onda conservadora no Brasil, a necessidade de ampliar a reforma agrária e sobre o cenário do Paraná neste contexto.

Confira a entrevista:

Por qual motivo o Sr. acredita que a pesquisa “Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação: análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais” tenha causado tanto desconforto nos setores conservadores da sociedade?

Primeiro porque a disposição destes setores em encontrar soluções que sejam compatíveis com o respeito e promoção dos direitos humanos está afastado do horizonte deles. O próprios artigo da senadora Kátia Abreu, as manifestações públicas da CNA e da bancada ruralista têm sido de intolerância e ódio com indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais sem terra.

Quando apresentamos esta proposta da pesquisa, que os juízes deveriam procurar instrumentos para mediar conflitos coletivos, conflitos possessórios no campo ou na cidade, conflitos que envolvam grandes coletividades que estão lutando por direitos territoriais, que sejam realizadas audiências com as partes e visitas in loco, a chamada inspeção judicial, tudo isso foi rechaçado pelos setores conservadores.

Historicamente estes setores sempre tiveram posicionamento mais conservador, mais voltado à defesa da propriedade em detrimento dos direitos humanos. Quando você vê outras forças colocando-se ao judiciário para cobrar esta situação, acontece o que vemos agora. Estes setores não aceitam isso.

De que forma o estudo foi desenvolvido e quanto tempo ele levou até ser consolidado?

O estudo foi encomendado por meio de um edital público, do qual nós enviamos um projeto. Isso ainda em 2012 e ele foi desenvolvido a partir de 2012 para 2013 e a previsão era que fosse lançado no final do ano passado ou no início deste ano.

Foi cerca de um ano em torno do início do processo de contratação de edital até sua conclusão. Haviam várias propostas e a nossa foi selecionada justamente porque tínhamos apresentado uma série de casos que deveríamos analisar com conflitos de indígenas, quilombolas e trabalhadores sem terra, assim como as experiências que acompanhamos no Paraná, Pernambuco e Pará.

Apresentamos uma série de instituições que se colocam neste quadro para mediar conflitos ou encontrar outras soluções, para fazer uma analise. Isto constitui em avaliar como os atores que estão em volta deste processo, ou envolvidos na solução ou no enfrentamento do problema e como eles se comportam.

Constatamos que há um alto índice de judicialização, mas isso não significa que estamos tendo um alto grau de acesso à justiça por setores que historicamente são marginalizados. Esta situação acontece exatamente porque os grandes proprietários buscam justiça para demandar ações contra trabalhadores sem terra, quilombolas, indígena, enfim, estas populações tradicionais, afinal os camponeses estão em um pólo ativo. Eles não vão a justiça demandar, eles são demandados.

Então nós, nesta pesquisa que foi feita, por intermédio da análise de documentos, de entrevistas, como por exemplo com integrantes destas instituições que realizam mediação, como a promotoria de assuntos agrários de Pernambuco, a Vara Agrária de Marabá, analisamos como estas tentativas de buscar outras decisões que não seja a decisão seca de um juiz têm contribuído para evitar que tenhamos ainda mais violência no campo. Afinal, estes trabalhadores já são marginalizados e quando buscam cobrar seus direitos territoriais sofrem a violência do despejo forçado.

Estas instituições de mediação são excepcionais, não são regra, mas ajudam a apontar possíveis soluções que o judiciário deveria adotar no trato do conflito. Os juízes devem entender melhor a natureza de conflitos, elas não são individuais, mas coletivas. O magistrado deve se corresponsabilizar na busca de soluções que garantam direitos para todos, não apenas o direito da propriedade.

Como o Sr. avalia esta revolta crescente com os movimentos sociais?

O fenômeno da criminalização dos movimentos sociais não é novo. Os grupos sociais insurgentes, que estão marginalizados ou excluídos do acesso aos direitos, ao se levantarem, sempre sofrem o processo de desmoralização e criminalizarão.

No período mais atual, após constituição de 1988, quando os movimentos sociais agrários buscam uma promessa histórica de direitos dos quilombolas, dos indígenas, a reforma agrária, passam a ser considerados invasores e movimentos violentos.

Há ainda uma parcela significativa da mídia comercial que reforça este estigma, como o editorial do “Estadão”, e conseguem envolver o sistema de justiça, desde a polícia, setores do MP e o próprio poder judiciário, que consideram estes grupos como ameaça aos interesses da elite.

O que estamos dizendo é que ainda que as políticas que temos em nosso País tenham um processo de inclusão, não temos avanços na reforma agrária. A reação da CNA e da Kátia Abreu é neste sentido, de impedir qualquer destes deserdados tenham acesso aos seus direitos.

Mas há outra questão que precisamos colocar neste momento, quase 30 anos depois da redemocratização. Podemos, de fato verificar que setores da direita, mais fascista, uma direita truculenta e violenta, estão cada vez mais sentido vontade de defender publicamente seus ponto de vista. Desde advogar pela pena de morte e atacar as coletividades mais pobres, até o direito das mulheres e LGBT, pregando a violência, o ódio e ainda mais. A Marcha da Família, por exemplo, vai trazendo de volta para o espaço público a defesa de bandeiras muito conservador. Isso está se tornando ainda mais, a Marcha da Família, vai trazendo de volta para o espaço público a defesa de bandeiras muito conservadores.

Para os setores que lutaram pela democratização e lutam para que ela não seja formal, mas que realize direitos e inclua as pessoas, temos que avaliar que a democracia não é um processo linear e só avança se melhorar as condições de participação da sociedade.

Há uma questão histórica. Veja o Governo Bush, nos Estados Unidos com a volta da tortura, na Rússia leis homofóbicas e em nosso país a volta do conservadorismo, um fundamentalismo, que tem sua face ligada a grupos religiosos, mas não só eles, há uma onda conservadora que não é tão grande do ponto de vista de massa, mas coloca as mangas de fora e deveríamos nos preocupar como nós não vamos permitir retrocessos.

Nesta semana tivemos uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara onde a sociedade civil pode apresentar e dizer quais deveriam ser as agendas a serem contempladas na pauta da comissão em 2014.

Por fim, qual é a sua análise da situação fundiária no Paraná?

Ela não foge à regra da situação fundiária do Brasil, ainda que aqui tenhamos um contingente de agricultores familiares bastante elevado. Mas os índices de concentração de terra, que é em torno de 2% dos proprietários com posse de 45% da terra também se aplica ao Paraná.

Nós tivemos um longo período de lutas acirradas até o ano 2000, depois tivemos uma diminuição das ações. Mas no Governo Dilma isso coincide com a diminuição das reformas agrárias.

Tivemos recentemente uma ocupação no norte, em um área de plantação de cana que a própria mídia disse ser improdutiva.

No Paraná podemos avançar, pois amplia ainda mais a agricultura familiar, amplia a produção de alimentos, já que o próprio Paraná e o agronegócio priorizam a monocultura para exportação e não a produção de alimentos para nosso País, quem faz isso são os agricultores familiares.

O agronegócio quer lucro, não quer saber se tem comida para o povo brasileiro, eles querem lucro e querem saber quem vai pagar mais, já a agricultar familiar não.

O Paraná poderia avançar ainda mais na reforma agraria e reconhecimento dos quilombolas, mas são ações que dependem também do Governo Federal.
 

 



Ações: Conflitos Fundiários
Eixos: Terra, território e justiça espacial