Gazeta do Povo | Sem zonas especiais para acabar com guetos


A demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) em vazios urbanos de Curitiba combate à expulsão dos mais pobres das regiões centrais da cidade, e contribui no enfrentamento da carência habitacional das pessoas de baixa renda. No entanto, Ippuc propõe a não demarcação dessas áreas na revisão do Plano Diretor do Município.

Confira mais detalhes na reportagem abaixo:

zonas_170814Fonte: Gazeta do Povo
Por: Bruna Komarchesqui

 Proposta do Ippuc integra a população de baixa renda aos bairros com infraestrutura, sem empurrá-la para periferias

Construir uma cidade menos desigual, com pobres e ricos dividindo o mesmo espaço. Esse é o objetivo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) ao propor a não demarcação de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) no novo Plano Diretor do município. Atualmente, mais de 80 mil famílias da Região Metropolitana – metade com renda de até R$ 1,6 mil mensais – estão na lista da Cohab, esperando uma casa própria. Empreendimentos recentes do Minha Casa Minha Vida têm diminuído esse déficit de moradia, “empurrando” a população de baixa renda para periferias menos urbanizadas e com pouca infraestrutura. (veja infográfico abaixo)

Na visão do Ippuc, a predeterminação de zonas para moradia popular cria guetos e contribui para a segregação dos mais pobres. A ideia do órgão para o novo desenho de Curitiba, explica o arquiteto Miguel Roguski, coordenador da revisão do Plano Diretor, é integrar e diminuir a necessidade de deslocamentos. “Queremos uma cidade mais sustentável, o espraiamento não é vantajoso. Pensamos no rico convivendo com o pobre, no sentido de prestação de serviço. Por que a empregada não pode morar no bairro dos patrões?”, exemplifica.

Embora a ideia de trazer a população de baixa renda para bairros centrais vá ao encontro das propostas de movimentos sociais, a abolição das Zeis não é unanimidade. “O Ippuc vê as Zeis como bolsões de pobreza, mas essa visão é equivocada. Se você não marca, não protege, a área fica sujeita à especulação imobiliária e as pessoas acabam expulsas pelo preço da terra”, defende a advogada da ONG Terra de Direitos e da Frente Mobiliza Curitiba, Luana Xavier Pinto Coelho.

Migração

Dados do último Censo do IBGE apontam que, em cinco anos (de 2005 a 2010), houve um movimento de mais de 100 mil pessoas dentro da Região Metropolitana, sendo que a maioria (60,5%) deixou Curitiba rumo aos outros municípios. Do restante, apenas 8,8% mudaram para a capital; os outros 30,7% da população se movimentaram entre os municípios periféricos. “Cem mil se movimentando dentro da metrópole, em cinco anos, é bastante coisa”, avalia a demógrafa Marisa Magalhães, do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). Segundo ela, essa mudança de comportamento em relação aos anos 1980 – quando havia uma tendência de concentração em Curitiba – se deve a vários fatores, sobretudo, ao preço da terra.

Os números, afirma Luana, reforçam a tese de que o mercado imobiliário pressiona uma “expulsão” dos mais pobres para cidades dormitório. “Se não pensar o zoneamento sob a ótica da população de baixa renda, ela não mora na cidade”, critica. De acordo com ela, as Zeis não precisam ser uma área estática, mas não podem ser substituídas por outros instrumentos legais.

Preço alto de terreno atrapalha projetos

O presidente da Companhia de Habitação (Cohab) de Curitiba, Ubiraci Rodrigues, conta que a proposta de implantar empreendimentos de interesse social menores em vazios urbanos já é pensada pelo órgão, mas ainda esbarra nos altos preços da terra nessas localidades. Segundo ele, 95% da verba aplicada em moradia social vêm do governo federal, que destina o mesmo valor unitário para capitais e cidades menores. “São R$ 64 mil por unidade, incluindo terreno, infraestrutura e construção. Supomos que R$ 52 mil sejam gastos em construção, R$ 6 mil em infraestrutura, sobra muito pouco para o terreno.”

De acordo com Rodrigues, uma das alternativas é que o terreno não entre nos custos fixos dos recursos federais do Minha Casa Minha Vida, mas seja analisado de forma diferenciada, de acordo com a realidade do município. “Hoje, em Curitiba, dificilmente você encontra um terreno com valor menor do que R$ 400 o metro quadrado. Em Londrina, você chega a encontrar por R$ 70.”

Balança

Outra alternativa é aplicar na aquisição de terrenos mais centrais o dinheiro que hoje é gasto em infraestrutura nos bairros mais distantes, que recebem empreendimentos de moradia social. “Não é uma conta simples. Temos mil unidades no Cachoeira em fase de entrega, feitas quase na totalidade com recurso federal. À prefeitura cabe a infraestrutura do acesso, alongar linhas de ônibus, construir escolas, creches, dobrar o tamanho do posto de saúde. Talvez, se o município investisse esse valor em terrenos em vazios urbanos, economizasse futuramente com professor e com equipamentos urbanos”, pondera Rodrigues.

Sobre a possibilidade de usar prédios abandonados em regiões centrais para moradia social – levantada por estudiosos da área –, o presidente da Cohab é cauteloso. Segundo ele, o aluguel social é admitido na capital em uma perspectiva de curto prazo. “Temos de criar condições de inserir essa família em um programa habitacional, em, no máximo, dois anos. Senão cria um programa perene e compromete os recursos do município.”

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INVESTIMENTO

Planejamento esbarra no valor da terra

Na Cohab Curitiba, a fila de espera por uma casa é de 84 mil pessoas em todas as faixas de renda – sendo 71,2 mil moradores da capital e os demais das cidades vizinhas. De acordo com o presidente do órgão, Ubiraci Rodrigues, a ausência de uma legislação regional torna a negociação de adensar a Região Metropolitana com empreendimentos sociais mais política do que operacional.

“Depende de acordo entre prefeitos. Se pudéssemos produzir na RMC, ganharíamos em escala. O [prefeito Gustavo] Fruet tem conversado com os prefeitos e já temos unidades em produção em Fazenda Rio Grande e Araucária. Mas aí a prioridade é para quem mora nesses municípios.”

Rodrigues reforça que a opção por reassentar comunidades de várias localidades em um megaempreendimento se deve, sobretudo, ao preço da terra. “Esse é o vilão da nossa conversa. Quando você adquire o terreno, não se pensa se produzirá 200 ou 5 mil unidades. Não tem como planejar muito. Boa parte do que fazemos hoje é condicionado por terra.”

ADENSAMENTO TRAZ PREJUÍZOS AMBIENTAIS


Enquanto o Ippuc defende que Curitiba ainda tem muito espaço para adensamento – o órgão fala em uma capacidade total de 6 milhões de pessoas –, há quem critique as grandes aglomerações urbanas por seus altos custos ambientais. Segundo o engenheiro civil e economista Rodolpho Ramina, as densidades populacionais são diretamente proporcionais à impermeabilização do solo, fator causador de cheias. “Desconcentrar é o caminho. Sustentabilidade é uma questão de escala. Adensar para baratear custo de infraestrutura é socialmente injusto, porque os custos afetam uma população diferente da que percebe os lucros.”

Para Ramina, a saída seria espalhar a população pelas cidades da Região Metropolitana, com a criação de infraestrutura e uma rede de transporte não baseada em ônibus. “Na Dinamarca, é comum trabalhar a 100 quilômetros de casa e usar trem para os deslocamentos. Não adianta adensar bairros. É difícil medir o ponto ótimo de densidade, mas Curitiba já ultrapassou faz tempo”, defende.

O arquiteto do setor de planejamento da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) Milton Luiz de Campos classifica essa proposta como “péssima”. “Aumentando a concentração populacional, eu otimizo a infraestrutura e permito a ecologia urbana em áreas verdes totalmente preservadas. É mais vantajoso do que ocupar toda a área com menos população”, calcula. Campos argumenta que a distribuição populacional pela RMC complicaria ainda mais a mobilidade, uma vez que não há recursos para espalhar o transporte público por toda a região.



Ações: Direito à Cidade
Eixos: Terra, território e justiça espacial