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“A natureza está sendo transformada em propriedade privada”, afirma representante do MST em audiência pública sobre o Código Florestal


Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos

À sombra da votação do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a audiência pública convocada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, a fim de discutir as inconstitucionalidades da Lei Federal 12.651/12, conhecida como novo Código Florestal, foi realizada nesta segunda-feira (18).

 

Alvo de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que questionam, entre outros pontos, os artigos referentes às anistias, a desnaturação da função social da propriedade, a redução da proteção ambiental e seus impactos para o meio ambiente e para a economia, a lei foi amplamente apoiada pela bancada ruralista do Congresso durante o período de tramitação na Câmara.

 

A participação e escuta dos povos mais atingidos pelos mecanismos previstos no Código foram desrespeitadas durante o processo de aprovação, que se deu à revelia de agricultores, povos e comunidades indígenas e tradicionais, principais atingidos pelos mecanismos de financeirização da natureza trazidos pela lei.

 

A situação praticamente se repetiu no STF pela baixa participação popular e pelo cenário de ameaça à própria estrutura democrática com o processo de impeachment que ainda paira no cenário nacional e contribui negativamente para que outras pautas, como a do Novo Código Florestal, tenha espaço.

 

Mesmo diante desse cenário o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST), selecionado para fazer uma breve exposição durante a Audiência Pública, fez-se presente na pessoa do representante Luiz Zarref e, relembrando os 20 anos do massacre de Eldorado dos Carajás e a morte de dois integrantes do MST emboscados por conta do conflito fundiário no Paraná, afirmou que “terra, nesse país, é poder e especulação”, e que “numa estrutura fundiária arcaica, não existe legislação ambiental moderna”.

 

Confira a exposição Luiz Zarref, representante do MST:

 

Zarref explicou que a aparente disputa entre agricultores e ambientalistas está sendo utilizada para favorecer o agronegócio, já que os agricultores e camponeses tentaram participar das discussões no processo legislativo, mas não foram ouvidos. Para ele a questão que merece atenção e que não está sendo evidenciada é a privatização da natureza.

 

“O que está em discussão é a natureza, um bem comum do povo brasileiro, que está sendo transformada em propriedade privada. Esse novo Código está jogando a natureza no cassino do sistema financeiro e é por esse sistema que pedimos a inconstitucionalidade”, referindo-se às Cotas de Reserva Ambiental (CRA). O CRA são títulos representativo de vegetação que podem ser utilizados para compensação de área de reserva legal por mecanismos de mercado.

 

Sobre esse mecanismo Zarref apresentou um exemplo: um latifundiário possui dez mil hectares, dos quais dois mil seriam a reserva legal. “Se ele não tem, ele liga numa bolsa de valores e pede Cotas de Reserva Ambiental, que provavelmente estarão nas áreas dos pequenos produtores, “porque são terras mais baratas”.

 

Outras consequências também foram apresentadas, como a “uniformização” de ecossistemas com biomas distintos, a especulação financeira e a grilagem de terra, em prejuízo da agricultura familiar. Finalizou defendendo a agroecologia afirmando que “É possível produzir alimento de outro jeito, e não no modelo do agronegócio”.

 

Além de Zarref, as exposições de Nurit Bensusan, do Instituto Socioambiental (ISA), e de Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), defenderam as inconstitucionalidades apontadas na legislação trazendo exemplos reais e constatações científicas relacionadas aos impactos da flexibilização da legislação ambiental para o que Nobre definiu da seguinte maneira: “E o desmatamento já acumulado está encontrando no clima um juiz que sabe contar árvores e não perdoa”, quando se referia à crise hídrica e sua relação com o desmatamento.

 

Na defesa do novo Código encontram-se os setores interessados na exploração econômica dos bens ambientais, como o CNA, Companhias de Energia Elétrica e o próprio relator da lei, o atual ministro da Defesa Aldo Rebello, negacionista das mudanças climáticas.

 

A audiência reuniu universitários, pesquisadores e especialistas e representantes da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), de organizações não governamentais – entre elas, a Terra de Direitos e o Instituto Socioambiental – ISA. Também estiveram presentes o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a Agência Nacional de Águas (ANA), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), porém o único representante dos camponeses aceito na lista de expositores foi o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).

 

>> Assista a audiência completa

 



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