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Insegurança para consumidor e agricultor


Por Maria Rita Reis, advogada popular da Terra de Direitos

A liberação no Brasil ocorreu poucos meses depois que três países europeus (Áustria, Hungria e França), baseados em estudos independentes de análise de risco ao meio ambiente e à saúde, proibiram o consumo e o cultivo destas variedades.No Brasil, as duas agências de análise de risco mais importantes posicionaram-se contra a liberação comercial destas variedades. A Anvisa apontou, dentre outras questões, insuficiência e inexistência de estudos toxicológicos e a insuficiência dos estudos sobre alergenicidade. O Ibama apontou falhas em estudos apresentados pelas empresas, realizados em outros países, a ausência de estudos ambientais no Brasil e o risco de contaminação das variedades tradicionais por milho transgênico, acarretando perda da agrobiodiversidade.

O Conselho Nacional de Biossegurança, presidido pela ministra Dilma Roussef, deixou evidente a irresponsabilidade com que o governo federal tratou o assunto: se a Anvisa e o Ibama apontaram claramente, baseados em argumentos científicos, os riscos envolvidos na liberação comercial, uma postura preocupada com a saúde da população deveria respeitar a posição desses órgãos. Apesar de terem sido desenvolvidas há mais de 10 anos, todos os meses estudos independentes relatam resultados de pesquisas que apontam danos e incertezas decorrentes do cultivo de transgênicos.

Para citar apenas um, publicado em 2007: a PNAS, revista da Academia de Ciências dos Estados Unidos, publicou estudo da Universidade de Loyola (Chicago) em que se apontou que os resíduos do milho BT não se acumulavam apenas nas plantações, como se imaginava até então, mas podem alcançar cursos de água próximos, atingindo populações de insetos e larvas que os estudos anteriores não haviam considerado. É vergonhoso que dez anos após as solicitações de liberação comercial as empresas neguem-se a realizar estudos ambientais. A empresa Bayer realizou 27 estudos no Brasil, mas nenhum deles continha qualquer análise sobre impactos no meio ambiente, conforme pode ser verificado por qualquer um, no site da CTNBio. Ainda que se considerasse que o milho transgênico é seguro para o meio ambiente e para a saúde, o que não é o caso, segundo a Anvisa e o Ibama, outra questão de alta relevância se impõe: é possível garantir o direito dos agricultores e consumidores não consumirem transgênicos?

O milho é uma planta de "polinização cruzada" e o cruzamento das variedades pode ocorrer a longas distâncias, através do vento e de insetos. O governo federal também se fez de surdo diante desta questão, ignorando a manifestação de mais de 100 organizações da sociedade civil e também de cientistas independentes que por diversas vezes posicionaram-se contra a liberação comercial do milho transgênico da maneira como conduzida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Esta Comissão discutiu o assunto apenas depois de uma ordem judicial, expedida pela Vara Ambiental de Curitiba. Ainda assim, a norma editada é insuficiente. Para os cientistas da CTNBio, caso os agricultores que cultivem milho transgênico respeitem uma distância de 100m dos plantios convencionais, orgânicos ou ecológicos, estes não serão contaminados pelas variedades transgênicas.

Foi a primeira vez na história que a CTNBio discordou de empresas de biotecnologia. A empresa norte-americana de sementes Pionner, frente à expansão dos transgênicos, aumentou seu padrão de isolamento das áreas de produção de sementes não-transgênicas, passando de 200 para 3.200 metros. Além disso, a companhia exige isolamento temporal de 4 semanas de plantios que sejam potencial fonte de contaminação. As normas da CTNBio são insuficientes.

Caso o plantio de milho transgênico ocorra segundo as normas da CTNBio, a contaminação das variedades ecológicas, convecionais ou orgânicas por transgênicos será inevitável. Terão, além de tudo, os agricultores que pagar royalties à Monsanto e à Bayer? E os cidadãos comuns, pagarão com seus impostos, os custos de indenizações aos agricultores contaminados? Mais uma vez, o direito dos agricultores produzirem sob sistemas agroecológicos e o direito dos consumidores estão nas mãos do Poder Judiciário, que deverá, nos próximos meses, decidir o mérito da Ação Civil Pública ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, pela Terra de Direitos, pela ASPTA e pela Associação Nacional de Pequenos Agricultores. 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar