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Carta de Belém | "Financeirização da natureza e as cidades" é tema de debate do grupo Carta de Belém


Concluído em dezembro de 2015, pelos 197 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o chamado “Acordo de Paris” foi ratificado pelo governo brasileiro em cerimônia no Planalto, no dia 12 de setembro, e apresentado à ONU no dia 21. O Acordo estabelece medidas a serem tomadas pelos países signatários com o compromisso de manter o aumento da temperatura média global a não mais que 2°C acima dos níveis pré-industriais, fazendo esforços necessários para limitar este aumento a 1,5°C.

Justificadas pela “preocupação com o clima”, as medidas ate agora debatidas para limitar as emissões na agricultura, adequar o uso da terra e o manejo de florestas, e levar a indústria e as atividades do espaço urbano para a transição a uma “economia de baixo carbono” pelas nações signatárias reorganizam a sociedade em torno de alternativas verdes altamente rentáveis.

As saídas via mercado, propagandeadas e determinadas pelas Convenções e Acordos que tratam do clima, impactam as populações e os povos de países como o Brasil, seja no campo ou na cidade. A proposta de uma agricultura climaticamente inteligente, por exemplo, que é reforçada por corporações produtoras de grãos e sementes, alem de agrotóxicos e alimentos processados, serve para integração e subjugação dos camponeses e pequenos agricultores de países em desenvolvimento às cadeias globais de produção, processamento e distribuição.

O pacote de intensificação tecnológica faz parte do conjunto de medidas que animam o direcionamento do financiamento climático, e justifica-se internacionalmente pela necessidade de aumentar a capacidade de resiliência em áreas urbanas e rurais. A resiliência e conceito chave do acordo e de seus mecanismos de implementação, tal como visto no Artigo 9, sobre adaptação.

A lógica do Acordo, que envolve adaptação, mitigação e mecanismos conjuntos de implementação, trazem tanto a resiliência, como principio, e a compensação, como pratica, como marcos dos instrumentos que serão estimulados em nível internacional. Entretanto, é no nível domestico que as metas do Acordo, apoiadas e traduzidas na Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), provavelmente irão impactar as relações sociedade-natureza. Isso ocorrera seja nas atividades produtivas, nas práticas de conservação e preservação, nos serviços de proteção e fiscalização ambiental.

Com o objetivo de elastecer o debate sobre a financeirização da natureza, o Grupo Carta de Belém promoveu na última sexta-feira, dia 23, em Curitiba-PR, uma roda de conversa sobre “Mudanças Climáticas no Campo e na Cidade”. Foramconvidados parceiros que pudessem contribuir com as leituras feitas por movimentos e organizações sociais que atuam a partir das cidades, alertando sobre como todas as medidas do Acordo poderiam chegar aos territórios urbanos,em conexão com os mecanismos e praticas que já vem sendo aplicadas no espaço rural.

Marcela Vecchione, membro do Grupo Carta de Belém, e professora e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA/UFPA, iniciou o debate colocando algumas posições que o Grupo tem sobre o debate das Mudanças Climáticas, bem como sobre as políticas públicas que se constituíram em torno do clima em nível nacional.“Temos trajetória de intervenção sobre o rural e consideramos que as coisas do dito rural não se separam das dinâmicas do dito urbano. A ideia é não separar uma coisa da outra” afirmou Marcela. Como pontuou a pesquisadora, para o Grupo Carta de Belém, “os pontos do acordo não garantem e não pretendem promover justiça ambiental. Os mecanismos propostos pelo Acordo, pelo contrario,geram mais dívidas ecológicas e sociais, a medida que as reproduzem, não eliminando as causas primeiras de suas existência, tal qual a expansão da industria extrativa, das cadeias de produção e distribuição”.

Para Marcela, o próprio mecanismo de compensação ambiental surge no contexto de possibilitar a continuidade do modelo de urbanização, industrialização e desenvolvimento que a priori e na atualidade causou as alterações climáticas extremas pelas quais vimos passando. No final das contas, não se resolve injustiças ambientais e, com o tempo, os mecanismos de compensação vão sendo sofisticados a fim de responder as demandas do próprio mercado e da economia que dele resulta. Comentou Marcela que “O novo Código Florestal se torna base para políticas domésticas que intensificam a financeirização da natureza, reforçando e operacionalizando aqueles princípios de transição para uma economia verde – definida no Acordo como Economia de Baixo Carbono.”

Para Fernando Costa, da Amigos da Terra – Brasil, o ambientalismo de mercado aplicado ao contexto urbano pode reforçar processos de exclusão. Segundo Fernando “A economia verde que é a proposta do capitalismo à mudança climática só endossa a exclusão do espaço urbano”. Para ele, as injustiças próprias do meio urbano se conectam com o espaço como um todo. A partir do caso de Porto Alegre onde já se tem um histórico de ocupação das áreas alagadas, se vem cada vez mais ocupando as áreas de APP, e há remoções forçadas realizadas sob a justificativa de proteção ao meio ambiente. “A especulação imobiliária e as políticas, incluindo grandes eventos, injetam a higienização nas cidades com roupagem verde, na copa, por exemplo, tinha Gol Verde, Copa Orgânica, Estádio Verde, Propaganda da FIFA sobre a redução das emissões de gases do efeito estufa” explicou Fernando.

Convidado para o debate, o Doutorando em Geografia pela UFPR, Francisco Castelhano, apresentou questões sobre mitigação e adaptação que são analisados a partir do caso da cidade de Curitiba. Para Francisco, como o ambiental não está dissociado do social acerca de um problema ambiental deve-se questionar “Quem são os afetados? E Onde estão?” E explica que os problemas ambientais geralmente diagnosticados nas cidades são: ilha de calor, conforto térmico, enchentes e inundações, e poluição atmosférica. Dentre os conceitos de riso, vulnerabilidade, adaptação e mitigação, explicou Francisco, “o conceito de resiliência está na moda como sustentabilidade”. No entanto, um lugar vulnerável a partir das medidas resilientes pode voltar a ser vulnerável, porque não necessariamente vai ser adequado as necessidades dos vulneráveis, pois o processo de urbanização corporativa impede que haja justiça ambiental, ou seja, se sobrepõe a lógica de mercado a do interesse comum.

Para o membro da FASE, Aércio Oliveira, que acompanha o Forum Estadual de Justiça Climática do Rio de Janeiro, “Da regularização fundiária à habitação, tudo está passando pelo clima”. Aércio comentou que o Rio de Janeiro tem sido grande laboratório para uma cidade verde, principalmente com relação aos grandes eventos. A cidade verde, no entanto, parece ainda mais excludente. “Na cidade inteligente, voltada para reduzir as ilhas de calor e as emissões de CO2, apareceu a proposta de VLT com custo de 1,1 bilhão de reais” afirmou Aércio. “A Alstom, empresa francesa, produz em Taubaté os vagões para o VLT, o que mostra a forte relação entre ambiente e o interesse econômico de grandes corporações. Enquanto que alternativas viáveis econômica e ambientalmente para o transporte de massa são ignoradas ”, complementou. Segundo o representante da FASE-Rio, o PAC urbanização colocou a construção de habitações relacionados a medidas de mitigação (energia solar, aproveitamento da água da chuva), mas muito dessas medidas não foram efetivadas.

Também esteve presente na Roda de Conversa a Assessora Jurídica da Terra de Direitos, Luana Coelho, em seus apontamentos diz que a tinta verde já aparece na segunda onda de formulação dos Planos Diretores. “Por exemplo, em Curitiba foram formulados indicadores de sustentabilidade como critério de julgamento das propostas da sociedade para a cidade. A supremacia do saber técnico volta pela discussão do Plano Diretor em detrimento a democracia e efetiva participação social, excluindo a periferia da construção da cidade. Contudo com a construção do discurso do “Estado ineficiência”, a eficiência ambiental das cidades vai ser buscada via mercado, o que favorece o estabelecimento de PPPs (Parcerias Público Privadas)”. Luana colocou que nessa lógica “A cidade é uma mercadoria, e as cidades competem por investimento. Curitiba se vende como cidade sustentável”. Nesse sentido, a medida de metros quadrados verdes entra no cálculo para dizer que é uma cidade sustentável, essa matemática acaba incluindo os vazios urbanos, ou seja, acaba sustentando e reforçando a especulação imobiliária, numa cidade que pode, mas não dá conta da demanda por habitação. Assim como no campo cria-se possibilidade de títulos de bolsas de valores, ensejando a financeirização do espaço urbano. Luana comentou “Curitiba estimulou RPPN com a concessão de título do potencial construtivo para o proprietário, títulos estes negociáveis em bolsas de valores”. Daí que o financiamento para essas “soluções ambientais” só reforçam a exclusão urbana.

Todos os debatedores lembraram que as preparatórias da Habitat III, em Quito, Equador (III Conferencia do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos) evidencia que a prioridade dos debates se dá em torno dos discursos de sustentabilidade e resiliência e no desafio para financiar essas cidades. É um novo arranjo da economia financeiriza da que associa soluções climáticas a investimentos corporativos.



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