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Quilombolas cobram agilidade no processo de titulação de terras no Incra


 

Representantes da comunidade quilombola Paiol de Telha, núcleo Fundão, estiveram na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nesta quarta-feira (25) para cobrar retorno sobre o processo de titulação de suas terras tradicionais, que tramita no órgão há mais de 12 anos.

O grupo chegou à sede do Instituto, localizado no centro de Curitiba, às 11h30 após uma viagem de mais de 4 horas e só foi atendido às 14h15. Pela quarta vez esse ano a comunidade se desloca para reivindicar agilidade no processo de titulação, cobrando retorno do Estado sobre as demandas apresentadas.

A morosidade e as incertezas sobre a finalização da titulação do território do Paiol de Telha prejudicam diretamente os moradores do Fundão. Sem acesso a serviços de água, energia elétrica e saneamento básico, a comunidade não tem espaço para trabalhar na terra, o que lhes tira a possibilidade de geração de renda e dificulta muito o desenvolvimento digno da comunidade. Além disso, uma denúncia apresentada pela Terra de Direitos em setembro aponta indícios de que os moradores da localidade estão sendo contaminados pelo descarte incorreto de embalagens de agrotóxicos nas áreas que estão na região da comunidade.

Após ter sido derrotada pelos quilombolas em ação judicial julgada em 2013, a Cooperativa Agrária ofereceu ao Incra a venda de parte das áreas a serem tituladas para evitar a desapropriação. Porém, a compra das áreas tem enfrentado diversos entraves burocráticos.

Atualmente, o principal deles é a hipoteca de uma das duas propriedades da Cooperativa Agrária, em Reserva do Iguaçu (PR). Apesar do valor de R$ 10 milhões ter sido depositado em conta judicial para pagamento de indenização à Agrária, o Incra só consegue efetuar a compra da área e destinar aos quilombolas após a retirada da hipoteca.

Recebidos pela servidores Juliane Sandri e Sandro Márcio Fecchio, mais uma vez os quilombolas não tiveram acesso ao superintendente Walter Nerival Pozzobom, efetivado no cargo na tarde do mesmo dia. Na última reunião da comunidade no órgão, em junho desse ano, o superintendente era Edson Wagner de Sousa Barroso e as dificuldade de diálogo era a mesma.

Porém, Sandro Márcio Fecchio se comprometeu a levar as demandas sobre acesso à água e energia à Sanepar e Copel, em conversas que devem acontecer entre essa e a próxima semana. Ainda, o servidor assegurou que fará uma conversa pessoalmente nos cartórios responsáveis pela documentação necessária para retirada da hipoteca bancária que impede a compra das propriedades da Agrária, para que agilizem o processo burocrático a fim de efetivar a desapropriação.

Representantes do Incra também se comprometeram a tentar repassar cestas básicas para parte da comunidade que está acampada, dada a situação de precariedade que moradores do Fundão se encontram, e conseguir um espaço maior para que a comunidade possa plantar enquanto a desapropriação se efetiva.

Ainda, Sandro Fecchio  afirmou que não poderia assumir compromissos com prazos para finalizar a titulação do território da comunidade, pois essa ação depende de orçamento para a desapropriação e a obtenção desses recursos estariam fora da alçada de competência do Incra.

Contudo, Fernando Prioste, advogado popular da Terra de Direitos que assessora a comunidade, argumentou durante a reunião que “a responsabilidade pela obtenção do orçamento necessário também é do Incra”. Para o advogado, a superintendência do Paraná e a presidência do Instituto têm responsabilidade política de trabalhar para obter todos os recursos necessários para desenvolver suas atividades de forma satisfatória.

“O Incra, e principalmente os servidores que ocupam cargos de nomeação política, têm como tarefa central trabalhar para que tenham orçamento e é legítimo e justo que a comunidade quilombola do Paiol de Telha exija do órgão o compromisso com essa tarefa”, ressaltou Prioste.

“Estamos num vai e vem constante”

A expressão utilizada pela presidenta da associação de quilombolas do Paiol de Telha, Mariluz Marques, define bem o cenário de instabilidade vivido pela comunidade há anos. O processo de titulação do território está na etapa final, tendo sido concluída a fase de estudos e assinada a portaria de reconhecimento do território em 2014.

Mas foi apenas no ano seguinte, após ocupação de parte do território pela comunidade, que o decreto de desapropriação assinado pela então presidenta Dilma Rousseff garantiu 7 das 17 propriedades que compreendem o território total da comunidade.

Em setembro deste ano, a 11ª Vara Federal de Curitiba determinou ao Incra que apresente um cronograma de trabalho para conclusão do processo de titulação, incluindo detalhes sobre disponibilização orçamentária e de quadro funcional dentro de um mês. A determinação, que não foi cumprida pelo órgão, foi cobrada por quilombolas durante a reunião.

Para a comunidade, a responsabilidade de diálogo no processo de desapropriação das terras é do Incra. Para os(as) quilombolas, é tarefa do Instituto mediar os processos a fim de efetivar o direito quilombola à terra. “Existem meios de fazer esse processo andar mais rápido”, declarou a presidenta da associação afirmando ainda que a comunidade está “já está cansada de esperar”.

Debate nacional: decreto quilombola em pauta no STF

Tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2004, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, movida pelo Partido Democratas, questiona a constitucionalidade do Decreto Federal n° 4887/03, que regulamenta o procedimento de titulação dos territórios quilombolas no Brasil.

Iniciado em 2012 após voto do ministro César Peluso pela inconstitucionalidade do decreto e do pedido de vistas da ministra Rosa Weber, o julgamento esteve em pauta novamente em 2015, quando a ministra devolveu a ação votando pela constitucionalidade e o ministro Dias Toffoli apresentou novo pedido de vistas.

Este ano o julgamento da Ação voltou a pauta do STF em agosto e no último dia 18, sendo adiado nas duas ocasiões devido ao não comparecimento, por motivo de saúde, do ministro Dias Toffoli que deveria apresentado seu voto na ocasião.

A decisão do STF é considerada fundamental para as comunidades quilombolas de todo Brasil e afeta diretamente a titulação do território da comunidade Paiol de Telha. A comunidade corre contra o tempo para tentar ver suas terras tituladas antes que o STF julgue a constitucionalidade do decreto.

Debate internacional: Estado brasileiro é questionado na CIDH

A morosidade extrema na tramitação do processo de titulação do território do Paiol de Telha não é exclusividade. A demora geral na execução da política em âmbito nacional foi debatida recentemente junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na última segunda-feira (23).

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e organizações da sociedade civil brasileira - entre elas, a Terra de Direitos - questionaram, em audiência temática do 165º Período de Sessões da CIDH, em Montevidéu, a morosidade excessiva do Estado brasileiro em dar cumprimento ao direito constitucional quilombola de acesso à terra.

A representação do Estado brasileiro não compareceu às audiências, fato que foi lamentado pelos comissionários da CIDH que presidiam as audiências. O relator do organismo para o Brasil, James Cavallaro, avaliou as informações apresentadas pelas representações indígenas e quilombolas como “chocantes”, e afirmou que é preciso “efetivar a promessa constitucional e fazer valer os direitos” dessas populações.

No documento enviado em agosto com o pedido de audiência, as entidades apresentam fundamentos políticos, econômicos, ambientais jurídicos, sociais, geográficos e históricos sobre as comunidades quilombolas no país, que autorizam afirmar que a política pública de titulação dos territórios ainda está muito aquém da expectativa de execução do direito constitucional a elas assegurado, afrontando o direito constitucional e convencional da duração razoável do processo, uma vez que se estima serem necessários 600 anos para a titulação de todos os territórios quilombolas.

Paiol de Telha: histórico de luta e resistência quilombola

Em 1860, Balbina Francisca de Siqueira Cortes, proprietária da fazenda Capão Grande, deixa em testamento a seus onze escravizados libertos a área correspondente à fazenda, na região de Guarapuava.

A partir daí esse território foi alvo de inúmeras contestações e apropriações indevidas por familiares de Balbina. Entre 1960 e 1975, centenas de famílias foram expulsas do território por imigrantes alemães que fundaram no local a Cooperativa Agrária, uma grande produtora de commodities na região.

Desde então, a comunidade que hoje está dividida em quatro núcleos – Pinhão, Guarapuava, Assentamento e Fundão, luta para garantir a regularização fundiária do espaço.

No final de 2013 a comunidades obteve uma importante conquista judicial, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) votou pela continuidade da atual política para titulação de territórios quilombolas. O julgamento terminou com 12 votos a 3, vitória expressiva diante de um quadro de pressão pela derrubada do decreto.

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Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Terra, território e justiça espacial