Por que é preciso rebater a tese do marco temporal?


(foto: Fernanda Castro)O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá retomar, na próxima quinta-feira (8), o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que trata do direito a terra e território das comunidades quilombolas. O julgamento foi interrompido em novembro do ano passado, quando o ministro Edson Fachin pediu vistas após o voto do ministro Dias Toffoli. 

Se o julgamento não for reiniciado amanhã – uma vez que outras duas relevantes e complexas ações estão à frente na ordem de julgamento das matérias pautadas para a data -, é muito provável que a ministra Cármen Lúcia não demore para recolocar a ação em pauta. Essa foi sua postura no ano de 2017, quando pautou por quatro vezes consecutivas a ação. O mesmo deve ocorrer caso algum ministro peça vistas.

Ainda faltam, incluindo Fachin, outros sete ministros a votar. A seguir o atual ritmo de julgamento do caso, em que a leitura de cada voto tardou cerca de duas horas, a votação não deve se encerrar no mesmo dia.

Ainda que todos os ministros e ministras do STF apresentem seus votos, o julgamento certamente não terminará rapidamente –já que ainda é cabível a interposição de recursos.

O cenário de incertezas quanto à retomada e finalização do julgamento coloca as comunidades quilombolas em alerta: seja porque que devem estar sempre prontas para vir a Brasília acompanhar as sessões de julgamento, seja em função do seu resultado – que deverá influenciar significativamente as políticas públicas de titulação.

Avalia-se que o STF não declarará a inconstitucionalidade do Decreto Federal 4887/03, principalmente tendo em vista as manifestações dos ministros e ministras em outras votações que se relacionam com o direito quilombola à terra. Assim, os debates deverão girar em torno da aplicação do marco temporal – tese político-jurídica que defende que só teriam direito às terras as comunidades quilombolas que tinham sua posse em 5 de outubro de 1988.

A proposta de marco temporal apresentada por Toffoli não é robusta sob o ponto de vista jurídico, mas pode ser endossada por outras ministras e ministros, já que as chamadas bancadas ruralista e da bala têm atuado junto ao STF para que o órgão julgue em favor dos interesses políticos do agronegócio.

A retomada do julgamento também deve influir na política do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de titulação das terras quilombolas, independente do resultado do julgamento final no STF. Se a tese do marco temporal for respaldada por outros ministros e ministras, o Incra poderá, sob a supervisão da bancada ruralista que acompanha Michel Temer, diminuir ainda mais seus resultados – que já são pífios.

A letargia nas titulações e as incertezas causadas pelo julgamento da ADI também se refletem no aumento da violência contra comunidades quilombolas.

Só em 2017 ocorreram 14 assassinatos de quilombolas no Brasil, além de uma série de ameaças, intimidações e toda sorte de violências terem sido identificadas. 

A atribuição de um marco temporal de ocupação não contribui para a contenção de conflitos fundiários, como fez crer o Dias Toffoli em seu voto. Pelo contrário: a imposição de um marco para regularização de terras das comunidades quilombolas poderá fazer com que grande parte delas tenha direito à titulação de apenas uma pequena parte do território. Essa situação será catalisadora de maiores conflitos agrários, que desde 2015 vêm batendo sucessivos recordes no Brasil.

Certo é que o rebate à tese do marco temporal no STF, ainda que parcial e sem a finalização do julgamento, fortalecerá as lutas quilombolas fora e dentro do Judiciário. Na atual conjuntura política de nosso país, uma vitória quilombola no STF pode alavancar grandes processos de luta.

Layza Queiroz e Fernando Prioste são advogados da organização de assessoria jurídica Terra de Direitos.



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Ações: Quilombolas
Eixos: Terra, território e justiça espacial