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Assembleia Legislativa do PR aprova projeto sobre hidrelétricas e desconsidera direitos de povos tradicionais


Emenda ao projeto de lei que condicionava as obras ao cumprimento de normas ambientais e consulta às comunidades foi rejeitada.

Estado do Paraná concentra várias pequenas centrais hidrelétricas. Na foto, a Pequena Central Hidrelétrica Cavernoso. Foto: Arquivo Copel

A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) rejeitou nesta quarta-feira (02) a emenda ao Projeto de Lei 633 que condicionava a construção de novos empreendimentos hidrelétricos e de geração de energia ao cumprimento das normas ambientais e de garantia de direitos de povos e comunidades tradicionais. Sem a emenda, os deputados aprovaram o projeto  de autoria do Governo do Estado,que autoriza a construção de sete Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Central de Geração Hidrelétrica (CGH).

De alto impacto socioambiental, os empreendimentos estão distribuídos em várias regiões do estado e devem atingir os rios Palmital, Tapera, Quatorze, São Jerônimo, Boi Carreiro e Tourinho e a bacia Piquiri. Seis das sete obras afetam diretamente a Bacia Iguaçu.  Ao longo do cursos desses rios estão instaladas comunidades e povos tradicionais, como por exemplo a Comunidade Quilombola Paiol de Telha, localizada em Reserva do Iguaçu. A construção das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Foz do Capão Grande e Pituquinha já ronda as comunidades e tem sido objeto de denúncia pela comunidade em decorrência das irregularidades na processo de consulta ao povo tradicional, bem como ausência de estudo de componente quilombola, como prevê a Portaria Interministerial nº 60 de 2015. 

Proposto pela oposição, a emenda destacava que “é necessário atentar para os direitos e garantias de direitos humanos destes sujeitos coletivos, tal como para as relações sociais e culturais específicas que desenvolvem com seus territórios”. Em sua manifestação durante o voto o deputado líder do governo, Hussein Bakri (PSC), declarou que “a emenda não atende aos interesses do projeto e do desenvolvimento”. A emenda foi rejeitada por 31 votos, contra 17 favoráveis. Ainda que a rejeição à emenda pelos deputados não desobrigue os empreendimentos a cumprirem legislações municipais, estaduais e federal sobre estudos de impacto em material ambiental e consulta aos povos e comunidades e a própria Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a não inclusão da emenda ao projeto de lei revela um posicionamento da Assembleia e do Governo do Estado de não comprometimento à estas normativas.

Protocolada no dia 16 de novembro, a matéria tramitou em regime de urgência, sem debate com a sociedade, ainda que os efeitos das obras impactem uma coletividade. Majoritários na defesa dos empreendimentos sem observação ao direito de Consulta Prévia, Livre e Informada previsto na Convenção 169 da OIT às comunidades que podem ser afetadas em seus modos de vidas pela medida legislativa e, diretamente, pelos empreendimentos, o projeto de lei foi aprovado com 43 votos favoráveis e 7 votos contrários. Agora a matéria segue para sanção pelo governador. 

Ausência de estudos de impactos
Embora tenham recebido Licença Prévia, não há notícias de que os empreendimentos listados no projeto de lei tenham realizado estudos específicos de impacto em povos e comunidades tradicionais localizados em seus raios de impacto. 

Além disso, chama a atenção que o projeto de lei também aprova empreendimentos já implantados, em operação e que receberam Licença de Operação de Regularização, ou seja, empreendimentos em operação mas que, para o exercício de atividade potencialmente poluidora, não cumpriram previamente o rito ordenado e sucessivo dos pedidos de licença ambiental.

Outra aspecto destacado é a ausência de estudos de impacto sobre o conjunto das obras na Bacia do Iguaçu, Isto porque os estudos descrevem os impactos gerados por cada uma das obras, mas não pelo conjunto desta cadeia de hidrelétricas. 

Ao considerar as comunidades quilombolas impactadas há mais um agravante.  A ausência de estudos de impacto socioeconômico desconsidera também planejamento de usos do território pela comunidade tradicional. 

De acordo com Decreto 4.887/2003, que dispõe sobre o processo de titulação de territórios quilombolas, é de direito da comunidade estabelecer um plano de etnodesenvolvimento da área. Com a obra, o desenvolvimento de ações voltadas ao turismo, por exemplo, passam a ter condicionantes estabelecidos pelo empreendimento privado.

Proposta de auxílio imediato aos serviços públicos dos municípios afetadas pelas obras – como na área de saúde pública, educação e segurança – com o aumento do contingente populacional durante a construção e medidas de enfrentamento à contextos de violência contra mulheres, frequentemente presente durante a construção de empreendimentos, também precisam ser considerados. 

“O direito à consulta prévia, livre e informada previsto no art. 6º da Convenção 169 da OIT não se resume aos empreendimentos apenas, mas também às medidas administrativas e legislativas que tenham possibilidade de impactar essas comunidades. Verificamos no PL 633/2020 uma tramitação acelerada, que não permitiu o mínimo de participação da sociedade e das comunidades que serão impactadas por esses empreendimentos, com a sobreposição de interesses econômicos particulares ao destino comum dos povos e do conjunto da sociedade”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Maira Moreira. “De fato, não é possível mais ignorar que esses empreendimentos geram impactos cumulativos e amplos, embora sejam tratados de forma individualizada pelos órgãos ambientais. Vemos, mais uma vez, os impactos sendo destinados aos povos e comunidades tradicionais e o lucro gerado centralizado nos empreendedores, processo explícito de racismo ambiental”, complementa. 



Ações: Impactos de Megaprojetos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos