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Comissão Especial pode votar Projeto de Proteção de Cultivares ainda este ano


Reunião da Comissão Especial (foto: Câmara dos Deputados)

O Projeto de Lei de Proteção de Cultivares (PL 827/2015) - que deve ampliar o controle de grandes empresas sobre o uso de sementes, plantas e mudas melhoradas - pode ser votado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados ainda este ano.

Isso porque alguns parlamentares tentam apressar as discussões. Nos últimos dias 05 e 06, a Comissão esteve reunida para debater o PL e os textos substitutivos a ele, apresentados pelo Relator, Deputado Nilson Leitão (PSDB-MT). No entanto, divergências sobre alguns pontos polêmicos na mudança da Lei entre os próprios deputados da bancada ruralista impediram a votação de um texto nesta semana.

A Lei de Proteção de Cultivares protege o direito de propriedade intelectual dos pesquisadores - conhecidos como “obtentores” - sobre as sementes desenvolvidas em laboratório, as chamadas “cultivares”.

Após tramitação na Comissão Especial, o texto de Projeto de Lei seguirá para discussão e votação em mais quatro comissões da Câmara Federal: a Comissão de Ciência e Tecnologia, a Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e a Comissão de Constituição e Justiça.

Essas comissões devem emitir parecer pela aprovação ou rejeição do Projeto, o que servirá apenas como recomendações ao plenário da Câmara Federal,  que fará a votação;

Caso seja aprovado, o texto ainda deve seguir para o Senado Federal, que pode aprovar diretamente o texto legislativo ou propor alterações, o que fará com que o PL retorne à Câmara para nova apreciação.

Divergências

O Projeto nº 827/2015 foi proposto pelo Deputado Federal Dirceu Sperafico (PP/PR) sob o argumento de que a Lei precisava ser atualizada para ampliar o controle e fiscalização das sementes melhoradas, combatendo, assim, a pirataria. O argumento utilizado exaustivamente nos debates desta semana na Comissão Especial pelos parlamentares favoráveis à mudança da Lei, sobretudo pelo Relator Nilson Leitão, é de que as modificações propostas pelo PL e substitutivos têm por objetivo proteger e remunerar a pesquisa nacional no melhoramento de sementes, garantindo maior independência das multinacionais.

Contudo, muitos deputados da própria Frente Parlamentar da Agropecuária, assim como os parlamentares da oposição, apontam que as mudanças vão exatamente em sentido contrário, fortalecendo ainda mais o monopólio das indústrias internacionais sobre as sementes, e tornando a produção agrícola mais onerosa para os agricultores nacionais.

Os pontos polêmicos do Projeto e textos substitutivos, que causaram um “racha” entre os parlamentares da bancada ruralista, são os que estendem o direito de propriedade intelectual dos obtentores ao produto da colheita, que requerem o pagamento de royalties para a reserva de sementes, que instituem os Grupos Gestores de Cultivares, e que agravam as penalidades no caso de infração da Lei.

O objetivo das reuniões desta semana na Comissão Especial não foi o de discutir de forma ampla e democrática a reformulação de uma Lei, mas o de reunir as opiniões divergentes entre os integrantes da própria bancada ruralista para montar um texto de alteração da Lei que concilie os interesses de todos os segmentos do agronegócio e seja aprovado o mais rápido possível, sem a participação dos setores populares.

Falta de participação popular

Ainda que as mudanças na Lei de Cultivares gerem impactos diretos para a agricultura familiar e camponesa estes setores não foram convidados a participar do debate desta semana na Comissão Especial, que foi monopolizado por representantes e parlamentares ligados ao agronegócio.

O objetivo das reuniões  não foi o de discutir de forma ampla e democrática a reformulação de uma Lei, mas o de reunir as opiniões divergentes entre os integrantes da própria bancada ruralista para montar um texto de alteração da Lei que concilie os interesses de todos os segmentos do agronegócio e seja aprovado o mais rápido possível, sem a participação dos setores populares.

A construção da atual legislação em vigor seguiu um caminho semelhante: ela nasce para atender predominantemente aos interesses das indústrias internacionais de sementes e insumos.

A Lei foi elaborada e aprovada no Brasil não por demandas dos pesquisadores e produtores de sementes nacionais, mas como uma exigência para o país aderir ao “Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio – TRIPs”, da Organização Mundial do Comércio – OMC.

Por meio deste direito de propriedade intelectual o obtentor passa a ter o monopólio sobre a reprodução comercial da cultivar que desenvolveu, sendo que os terceiros interessados em produzi-la dependem de sua autorização e do pagamento de royalties.

Pontos polêmicos

Os pontos mais polêmicos do Projeto e dos textos substitutivos, que estão dividindo os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária, são os que pretendem ampliar o direito de propriedade do obtentor ao produto da colheita, e o estabelecimento de requisitos para a reserva das cultivares, entre os quais o pagamento de royalties.

Os deputados Valdir Colatto (PMDB/SC) e Luis Carlos Heize (PP/RS), ambos integrantes da Frente, se posicionaram totalmente contra a estas mudanças nos debates desta semana, ocorridos na Comissão Especial. Os parlamentares argumentam que estas mudanças vão encarecer a produção agrícola, o que causará enorme prejuízo aos produtores rurais.

Representantes de várias associações ligadas à agricultura, da Associação Brasileira de Obtentores Vegetais – BRASPOV, e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA também se manifestaram neste sentido.

Atualmente a Lei de Cultivares prevê que o direito de propriedade intelectual do obtentor deve incidir apenas sobre o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta, isto é, sobre as sementes, tubérculos, estacas, entre outros.

Com a extensão do direito de propriedade sobre o produto da colheita, como proposto pelo Projeto de Lei e textos substitutivos, será necessário que os agricultores, além de realizarem um duplo pagamento pela cultivar, solicitem autorização das indústrias sementeiras para comercializar e armazenar a produção.

No que concerne à reserva de sementes para a utilização em safras futuras ou como alimento e matéria-prima, a Lei de Proteção de Cultivares permite a realização de tais práticas por qualquer agricultor, desde que as sementes sejam utilizadas em estabelecimento próprio ou de terceiros cuja posse detenha. O Projeto de Lei, ao seu turno, exige que o agricultor cumpra com uma série de requisitos, entre os quais o pagamento de royalties, para que a reserva possa ocorrer.

Os dois textos substitutivos apresentados pelo Relator Nilson Leitão não prevêem expressamente qualquer requisito, mas são perigosos no sentido de condicionarem as reservas de sementes e a cobrança de royalties sobre a produção à quaisquer determinações dos Grupos Gestores de Cultivares.

Aliás, os Grupos Gestores de Cultivares foram outro ponto de divergência entre os deputados da bancada ruralista. A Lei de Cultivares define que a fiscalização e execução da Lei competem ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC e  ao MAPA.

Contudo, os textos substitutivos prevêem a criação de Grupos Gestores, formados por cada uma das associações que nacionalmente representem o obtentor, o produtor de semente e o produtor rural, conforme a espécie vegetal. Tais Grupos terão poder para estabelecer, mediante acordos privados realizados anualmente, o valor, a forma de cobrança, o momento e a destinação dos recursos pelo uso da semente.

Segundo o Deputado Nilto Tatto (PT/SP), a instituição destes Grupos Gestores é o mesmo que transferir o poder de decisão do Estado sobre questões estratégicas para o país como a agricultura, para o setor privado, o que coloca em xeque a segurança alimentar da população.

O deputado ainda apresentou requerimento de modificação do último texto substitutivo, sugerindo várias mudanças, entre as quais que os Grupos Gestores tenham a competência de atuar subsidiariamente na execução da Lei, e sejam formados por representantes dos Ministérios, como o MAPA e Ministério do Meio Ambiente, e por representantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, dos obtentores vegetais, dos produtores rurais, e da agricultura familiar.

Um último ponto que também causou muita divergência entre os parlamentares foi a questão das penalidades previstas pelos textos do Projeto e dos substitutivos, no caso de infração da Lei. A Lei de Cultivares prevê de modo genérico que  aquele que vende ou reproduz o material da cultivar sem autorização do obtentor deverá indenizá-lo conforme regulamento, bem como terá o material apreendido, sem prejuízo das sanções penais. 

O Projeto de Lei traz um detalhamento e agravamento das penalidades, ao prever punições de detenção de três meses a um ano, ou multa de alto valor. Os textos substitutivos mantêm estas mesmas penalidades, sendo que o último ainda detalha mecanismos de indenização no âmbito civil.

Impactos para a agricultura familiar e camponesa

A mudança na Lei de Cultivares está diretamente relacionada à agricultura familiar e camponesa, uma vez que se relaciona com o acesso dos pequenos agicultores às sementes melhoradas, bem como com a preservação da agrobiodiversidade tradicional, como as sementes crioulas. No entanto estes setores não foram chamados a participar das discussões desta semana na Comissão Especial, ao contrário dos segmentos ligados ao agronegócio, que monopolizaram completamente o debate em vista da defesa de seus interesses.

O deputado Nilto Tatto, um dos poucos parlamentares que se manifestou em defesa dos direitos dos agricultores familiares, camponeses e povos tradicionais, apontou: “não vejo nos discursos a preocupação na manutenção da agrobiodiversidade, de reconhecimento concreto das formas tradicionais de agricultura que guardam as sementes (…) parece que a salvação está só nas pesquisas das empresas”.

O relator Nilson Leitão chegou a mencionar que a agricultura familiar não pode estar incluída no debate porque esta sendo beneficiada pelas mudanças da Lei, ao não pagarem royalties.

Na realidade ocorre exatamente o contrário.  A Lei de Cultivares atual beneficia mais aos pequenos agricultores do que os textos propostos pelo Projeto de Lei e pelos substitutivos. A Lei garante aos pequenos produtores, assim como a todos os agricultores, a reserva de sementes e um único pagamento pela cultivar, no momento de sua aquisição, além de permitir que os pequenos produtores multipliquem as sementes melhoradas para trocas e doações exclusivamente entre si.

Diferentemente, o texto dos  substitutivos trazem redação confusa acerca dos benefícios estendidos à agricultura familiar e camponesa, abrindo espaço para várias interpretações, inclusive a de que a reserva de sementes e o pagamento de royalties incidente na produção, no caso dos pequenos agricultores, sejam definidos conforme as decisões dos Grupos Gestores de Cultivares, compostos apenas por representantes do setor privado.

Ademais, os textos substitutivos excluiram a possibilidade do agricultores familiares, camponeses e povos tradicionais em multiplicar sementes protegidas para troca e doação entre si, além de trazerem uma definição restritiva de “pequeno produtor rural”, impossível de abarcar todos os segmentos populares.

Se a Lei de Cultivares já restringia o direito dos agricultores e povos tradicionais em conservar, usar, trocar e vender livremente as sementes, protegido pelo Tratado Internacional de Recursos Fitoenergéticos para a Alimentação e Agricultura - TIRFAA, a construção de um texto legislativo para modificar a atual Lei vai no sentido de violar ainda mais este direito.

A mudança na Lei ainda vai contra a tendência internacional que coloca o direito dos camponeses sobre as sementes na vanguarda dos direitos humanos, o que é evidente pela discussão que ocorre no Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre um Projeto de Declaração que reforce o direito dos povos do campo à biodiversidade e às sementes.

Da forma como estão postas, as mudanças na Lei de Cultivares apenas irão fortalecer a apropriação da agrobiodiversidade tradicional pelas idústrias de sementes internacionais, incrementando seus ganhos financeiros e mantendo na marginalidade todos os agricultores que estão fora do setor formal de sementes, impossibilitados em adquirir as sementes melhoradas.



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