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Fortemente presente na pauta dos diferentes poderes, agrotóxico terá centralidade em 2020


Medidas legislativas e reorganização administrativa, ação de inconstitucionalidade e resistência popular evidenciam campo em disputa.

Seminário realizado pelo Mapa voltado para agronegócio é realizado no mesmo dia previsto para votação da ADI isenção fiscal dos agrotóxicos pelo STF. Foto: Noldo Santos/Mapa

A não apreciação da Ação Direta de Institucionalidade 5553/16 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (19), conforme previsto na pauta do dia, faz do Poder Judiciário uma arena ativa de disputa pelos diferentes sujeitos nos próximos meses.  

Ajuizada pelo Partido Liberdade e Solidariedade (Psol), a ação sem data ainda para análise pelos ministros, questiona a isenção fiscal dos agrotóxicos. Na ADI o partido questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. De renovação quase automática, o Convênio 100/97 do Confaz foi renovado, por exemplo, ao menos 17 vezes desde que foi promulgado em 1997, sem a realização de um debate público, à luz da atualização do equilíbrio das contas públicas e presença mais intensa dos agrotóxicos no país.

Uma pesquisa lançada na última semana pela Abrasco revela que, com as isenções fiscais concedidas ao Estado brasileiro aos agrotóxicos, os cofres públicos deixaram de receber cerca de R$ 10 bilhões em 2017.  Dentre esse montante, só os impostos questionados na ação totalizam perto de R$ 8 bilhões.  O valor corresponde a pouco menos do que o dobro destinado naquele ano ao tratamento de câncer pelo Sistema Público de Saúde (SUS), de cerca de R4,7 bilhões. A doença é apontada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão vinculado ao Ministério da Saúde – por organizações e pesquisadores, como de grande potencial de desenvolvimento pela exposição e consumo constantes de agrotóxicos.

A externalidade da isenção dos agrotóxicos gerada ao orçamento público, em especial na área de saúde, e à saúde da população é uma das grandes críticas de organizações sociais à concessão de benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos.  Como parte do processo, na condição de amicus curiae [amigos da Corte], o conjunto de organizações – entre elas a Terra de Direitos, de espectro temático amplo – direito do consumidor, saúde, agroecologia e direitos humanos – tem destacado a estimativa de custo de US$ 1,28 com o tratamento em saúde decorrente de contaminação para cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxicos.

Em paralelo à incidência das diferentes organizações sociais para contribuir e democratizar o debate sobre implicações da isenção fiscal dos agrotóxicos, articulações vinculadas ao agronegócio também buscam incidir juntamente ao Poder Judiciário.  Também na condição de amicus curiae foram admitidas no processo a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também foram admitidas no processo.

Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, a inclusão da ADI na pauta – ainda que não tenha sido apreciada – somada à mobilização das organizações e agricultores lançaram luz para o tema. “A tramitação da ADI e sua inclusão em pauta geraram debate que ainda não estava posto na sociedade. Boa parte da sociedade civil tomou conhecimento que existem estas isenções e questiona exatamente seu impacto a saúde, os danos que benefícios acarretam e custos indiretos e externos ao poder público”, aponta.

“A arena de disputa permanece aberta até a concretização do julgamento, mas é visível qual das frentes objetiva o lucro em si e quais objetiva o direito à alimentação e nutrição adequada e saudável para toda a população brasileira”, complementa.

Executivo
A manifestação de expoentes vinculados ao agronegócio – e opositores ao fim da isenção fiscal dos agrotóxicos – incide, de forma direta e intensa junto ao Executivo. No mesmo dia do julgamento da ADI a Secretaria de Política Agrícola, pasta vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), realizou o seminário “Tributação no Agro: aspectos da competitividade”.

Sob atual comando de Teresa Cristina (DEM-MS), ruralista ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o Mapa tem usado dos seus expedientes para avanço do registro de insumos químicos. Em um ano de governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o Ministério liberou a marca recorde de 503 registros de agrotóxicos. Somada à liberação dos registros, a nova classificação dos agrotóxicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), implementada ao final de julho do último ano, confere ainda maior risco ao meio ambiente e à população na medida em que recategoriza muitos agrotóxicos como de menor toxidade, entre outras medidas de flexibilização. Com a reclassificação da Anvisa, por exemplo, apenas 43 dos 698 agrotóxicos são divulgados como “extremamente tóxicos".

Ainda que a adoção de uma política de Estado em benefício dos agrotóxicos já reúna diversos feitos, a substituição em fevereiro de Carlos Ramos Venâncio do cargo de coordenador do setor de registro de agrotóxicos, ocupado agora pelo agrônomo Bruno Cavalheiro Breitenbach, pelo Ministério, evidencia novos movimentos institucionais em torno da pauta. O assento ocupado por Bruno é central no processo de liberação de registros de agrotóxicos, por exemplo.

Atento à implementação de uma política de estímulo e flexibilização das regras para agrotóxicos que um conjunto de organizações sociais realizou, em dezembro último, uma denúncia ao relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos, Baskut Tuncak. O relator deve apresentar uma devolutiva ao pais em setembro do vigente ano.

Legislativo
Ainda que a liberação dos agrotóxicos tenha ocorrido por força do Executivo, nos bastidores do legislativo circulam, segundo as organizações sociais, a informação de que o Projeto de Lei 6.299/2002, de autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP-MT), será posto para apreciação pelo Plenário da Câmara.

Conhecido como “Pacote do Veneno”, o projeto que altera e flexibiliza, em profundidade, a legislação para plantio, comercialização e fiscalização dos agrotóxicos não avança no rito legislativo desde 2018, quando a então deputada federal e relatora da Comissão Especial do Projeto de Lei, Tereza Cristina, garantiu a aprovação do PL neste colegiado.

Para a articuladora da Campanha Nacional Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Juliana Acosta, ainda que a ação do Executivo já garanta a circulação de maior número de registros de agrotóxicos, a mudança do atual marco legal sobre agrotóxicos (Lei 7.802/89) legaliza a prática de flexibilização e a torna desvinculada de gestões de governo. “Uma mudança no marco legal, pela Projeto de Lei, faz com que a análise da saúde sobre o agrotóxico não seja mais obrigatório, por exemplo”, complementa.

Com um colegiado legislativo de defesa do agronegócio de 257 deputados federais e senadores, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) deve empenhar fortes esforços para aprovação da matéria. Deste mesmo colegiado vem a resistência ao avanço do PL 6670/2016, que Institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRa). O projeto de lei é uma proposição de organizações da sociedade civil após o Programa Nacional de Redução de Agrotóxico (Pronara), construído no âmbito da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), ter sido obstruído pelo então Ministério da Agricultura, à época sob comando da atual senadora Kátia Abreu (PDT). Assim como o “Pacote do Veneno”, a PNaRa está pronta para apreciação pelo Plenário da Câmara.

Assentamento produz, desde 2002, uma diversidade de alimentos sem agrotóxicos. Foto: Arquivo pessoal Daniela Bernadete Calza

Resistência nos territórios
Diante do cenário adverso no legislativo federal para aprovação de políticas de redução do uso de agrotóxicos, a Campanha tem incentivado as articulações para aprovação e implementação de medidas legislativas nos estados e municípios, como lei que versem sobre proibição ou imposição de limites para pulverização área, criação de zonas livres de agrotóxicos e medidas de compromisso e estímulo à alimentação orgânica e agroecológica.  Em ano eleitoral, o estabelecimento de compromissos dos candidatos ao pleito municipal é apontado pela Campanha como oportunidade para incremento nas legislações.

Outra resistência é aquela feita com o pé direto na terra, por agricultoras e agricultores, pela adoção de manejos mais limpos na produção de alimentos. Resistentes à uma desidratação no últimos anos da política de incentivo à produção de alimentos sem agrotóxicos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o que resulta em menor valor agregado no mercado para o produto livre de agrotóxicos, a agricultora Daniela Bernadete Calza reafirma: “voltar atrás, a usar agrotóxicos, não é nosso horizonte”, diz.

Após decisão de mudança de matriz produtiva, em 2002, pelo Assentamento Santa Maria, localizado em Paranacity (PR), as 22 famílias organizadas na cooperativa local - e com cooperadas majoritariamente de mulheres - tem produzido sem insumos químicos a maior parte do que vai para a mesa.

Hortaliças, frutas, melado, cachaça, açúcar mascavo, derivados do leite, feijão, gergelim, mandioca, entre outros. “A gente fica feliz quando vê a mesa servida e pensa isso tudo é nossa produção e sem veneno”, comemora.



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