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“Sou uma visibilidade que a gente não tem”, destaca a primeira ouvidora externa trans eleita no país


Com o papel de ampliar diálogo entre Defensoria Pública do Paraná e população, Karollyne Nascimento inicia mandato nesta sexta-feira (20).

Em eleição virtual, o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Paraná elegeu a nova defensora para o próximo biênio. Foto: registro da transmissão

A Defensoria Pública do Paraná tem uma nova ouvidora externa. Eleita com 7 votos pelo Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), Karollyne Nascimento é a nova ouvidora externa do órgão responsável pela assessoria jurídica gratuita à população. Não integrante de carreira da Defensoria Pública, o cargo de ouvidor possui mandato para o biênio 2021/2023 e tem por função realizar escuta à sociedade, colaborando assim para aprimoramento do trabalho da Defensoria. A nova defensora inicia os trabalhos nesta sexta-feira (20).

A eleição virtual na última sexta-feira (13) encerra o processo eleitoral que incluiu etapas de chamada pública, composição de lista tríplice pelo Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná (Coped) e sabatina às três candidatas ao cargo.

A lista tríplice já trazia um forte caráter emblemático ao ser composta exclusivamente por mulheres negras, e de extensa militância social. Além de Karollyne, concorreram à vaga Andreia de Lima e Eliza Ferreira. Agora, o resultado das eleições inscreve esta eleição como uma marco histórico: Karollyne é a primeira ouvidora externa trans eleita no país.

“Não sou eu, Karol, a ser eleita, sou uma representatividade para esta população [trans], uma visibilidade que a gente não tem. Hoje temos algumas advogadas e advogados que conseguiram romper alguns ciclos e ultrapassar a expectativa de vida que transexuais e travestis tem nesse mundo. Não é uma conquista minha, é uma conquista nossa”, destacou a nova ouvidora ao receber o resultado do pleito e enfatizar a ausência da população trans em diferentes assentos do sistema de justiça, em especial nos de maior poder da Defensoria, Promotoria e Tribunal de Justiça.

Para Daisy Ribeiro, assessora jurídica da Terra de Direitos, esta eleição sinaliza a importância da democratização do sistema de justiça, alcançando uma pluralidade de perfis, a partir de recortes de classe, raça, gênero e regionalidade.

Presentes em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Paraná, entre outros, a ouvidoria externa está prevista na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública e é regulamentada por normativas estaduais. No Paraná a instância é regulamentada pela Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado do Paraná, nº 136/2011.

A norma aponta que cabe ao ouvidor externo a atribuição de levar aos órgãos da administração superior da Defensoria reivindicações da sociedade para o cumprimento da missão constitucional da instituição. Na prática, isso significa a construção de meios para diálogo com a sociedade e defesa da incorporação das sugestões populares ao funcionamento do órgão.

Aprimoramento na escuta à sociedade
Para a nova ouvidora externa o aprimoramento do canal de comunicação entre sociedade e Defensoria é meta central da nova gestão. Para ela é fundamental a criação de um exclusivo canal gratuito de diálogo da Ouvidoria. “O atual contato demanda que o usuário tenha créditos ou telefone próprio. Temos que lembrar da população mais vulnerável, que é atendida pela Defensoria Pública, e que não tem telefone próprio”, sublinha.

Outra frente importante destacada nas propostas da nova gestão é referente à participação popular no aperfeiçoamento das atividades da Defensoria. Para isto ela elenca que é fundamental fortalecer e manter o Conselho consultivo, espaço de manifestação de organizações e movimentos sociais de um espectro diverso na defesa dos direitos humanos, que foi reativado na última gestão, do ouvidor Thiago Hoshino.

Outra frente central de trabalho é a interiorização da escuta e uma “ouvidoria itinerante”. Isso implica, segundo Karollyne, em realizar visitas pré-agendadas nos municípios do interior onde tem defensoria para que, em conjunto com defensor público local, possa ser criada uma agenda permanente de diálogo entre sociedade e ouvidoria externa. A iniciativa também busca romper uma escuta à sociedade restrita às salas de atendimento à população e à capital.

“É a ideia é sair de dentro da sala e ir para as ruas, como uma ouvidoria itinerante, construir nos bairros e municípios momentos em que a ouvidoria possa escutar a população fora de um local específico. Esta proposta vai desmitificar o atendimento e incentivar que as pessoas busquem estes espaços”, ressalta.

De histórico de amplo diálogo com diversos setores, a nova ouvidora já ocupou assentos no Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná (COPED), representando o Transgrupo Marcela Prado, e é integrante dos Conselhos Municipal de Saúde e dos Direitos da Mulher de Curitiba, além de outras incidências em espaços de direitos das pessoas privadas de liberdade.

Estrutura e corpo funcional insuficientes
A nova ouvidora se deparará com um cenário complexo na oferta gratuita de assessoria jurídica à população. O Paraná foi o penúltimo estado a dar cumprimento à previsão constitucional e estruturar a Defensoria Pública. O órgão conta hoje com um enorme déficit no atendimento aos municípios.

De 161 comarcas do estado, apenas 18 contam com defensores públicos, ou seja, uma cobertura de atendimento de apenas 57 dos 399 municípios do Estado – realidade bastante distante da prevista na Emenda Constitucional nº 80/2014. A normativa determina que até 2022 a “União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais”, de maneira proporcional à população e à demanda, além de oferecer prioridade às regiões com “maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”.

O quadro funcional da Defensoria Pública do Paraná conta com 100 defensores públicos e 255 servidores. Para cobrir o déficit atual, a expectativa é que sejam necessários mais 844 defensores públicos em todo o estado.

Com um orçamento para o vigente ano de meros R$ 72 milhões, o órgão se está distante de ter a estrutura e capilaridade do Ministério Público ou do Tribunal de Justiça, que possuem orçamentos muito superiores. Por isso, a Campanha “Mais Defensoria, Mais Direitos”, que visa ampliar o acesso à justiça pela população, reivindica que a ampliação do orçamento é um dos pilares centrais  para fortalecimento e expansão do órgão.

Desde que foi criada, a Defensoria Pública do Estado do Paraná tem atuado tanto nos casos individuais das mais diversas naturezas (exemplo são as áreas de família, infância, execução penal, entre outras) quanto nas causas coletivas pelos direitos humanos. A existência da Defensoria Pública é garantida no artigo 134 da Constituição Federal de 1988, com a previsão de autonomia funcional e administrativa, além dos princípios da unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Além disso, é um elemento essencial para a promoção do acesso à justiça prevista pelo artigo 5º, cláusula pétrea da Constituição.



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Ações: Democratização da Justiça

Eixos: Democratização da justica e garantia dos direitos humanos