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Violações de direitos humanos são denunciadas durante Encontro Nacional de Agroecologia

05/06/2018 Texto e fotos por Natália Alves

Casos foram relatados por agricultores e agricultoras, povos indígenas e comunidades tradicionais brasileiras em atividade na Tenda de Direitos Humanos; para superar violações, representantes de órgãos do Sistema de Justiça apresentaram mecanismos de denúncias.

Violência, expropriação de terras e territórios, criminalização das lideranças, ofensivas de mineradoras, latifúndios, barragens e, sobretudo, pulverização aérea de agrotóxicos. Essas foram algumas das violações de direitos relatadas pelos participantes da Tenda de Direitos Humanos, no dia 2 de junho, em Belo Horizonte (MG). A atividade promovida pela Terra de Direitos e pela Articulação Nacional de Agroecologia teve destaque na programação do IV Encontro Nacional de Agroecologia, e trouxe o relato de quase 30 casos de diversas regiões do país com as principais denúncias de violações contra agricultores e agricultoras familiares, indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais.  

Apesar de distantes geograficamente, há semelhanças nas denúncias, já que ameaças trazidas pela expansão do agronegócio e de megaprojetos ronda comunidades de Norte ao Sul do país.

A agricultora Lourdes Francisca, do acampamento Avilmar Ribeiro de Grão Mogol, no norte do estado de Minas Gerais, contou que sua comunidade está ameaçada de despejo e sofre as pressões do avanço do monocultivo de eucalipto na região, dos empreendimentos minerários, a da implantação de uma termoelétrica e um parque nacional.

“Recebemos ameaça de pistoleiros e jagunços diariamente. É preciso uma ação imediata do Estado na região”, afirma. Ela aponta que uma das estratégias utilizadas pelas empresas e outros atores para desarticular os territórios tem sido a individualização dos casos. “Eles processam as lideranças individualmente para tentar criminalizar e separar a coletividade, mas estamos resistindo”.

O veneno está na mesa

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, Manoel Edivaldo, o Peixe, também denunciou o avanço da contaminação por agrotóxicos na região. “Os produtores de mel da região perceberem uma diminuição das abelhas na região e foi encontrado resquício de glifosato no mel”, conta. Peixe aponta que esse é o resultado da pulverização de agrotóxicos nas plantações de soja. Santarém, que fica no Oeste do estado do Pará, se tornou um centro de exportação do grão que está gerando impactos em toda a região. Além disso, há fortes pressões das madeireiras sobre as reservas extrativistas naturais.

Também de Santarém, Maria Ivete Bastos dos Santos, coordenadora da Associação Municipal de Mulheres Trabalhadoras Rurais, também apontou o aumento dos casos de câncer entre as mulheres da região como consequência provável da pulverização de agrotóxicos. “Havia uma pesquisa em curso mas parou por pressão do latifúndio. Estão pulverizando inclusive no planalto. Então mesmo que você produza de maneira agroecológica acaba sendo impactado pelo veneno”, relata.

A agricultora também denunciou as perseguições às lideranças da região das quais também foi vítima. “É uma mordaça que querem colocar na boca de nossos líderes. E aqueles que praticam essas ameaças não tem uma plaqueta escrito seu nome, não tem identificação e não sabemos o endereço. Então é muito difícil chegar com uma denúncia mais concreta para fazer contra quem está praticando esses atos de violação”.  

Além dos relatos das comunidades, alguns mecanismos existentes para denunciar as violações de direitos humanos foram apresentados por representantes do Sistema de Justiça, como de membros do Ministério Público Federal (MPF) e do Trabalho (MPT), da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Defensoria Pública da União, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares e do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).

Ao longo do evento houve também um plantão dos servidores do MPF coletando representações, reclamações e denúncias dos presentes a serem encaminhadas às procuradorias responsáveis em todo o país. 

Direitos humanos e agroecologia

O coordenador da Terra de Direitos e vice-presidente do CNDH, Darci Frigo, lembrou que todos os casos relatados mostraram graves violações de direitos humanos. “Os princípios básicos dos direitos humanos são: a universalidade, a interdependência e a indivisibilidade. Isso quer dizer que um direito depende do outro para ser realizado plenamente. Todos os direitos que reivindicamos aqui nessa discussão estão consagrados nos direitos humanos”, destacou. Frigo ainda apontou que o diálogo e a aliança com os órgãos de justiça presentes na tenda são fundamentais por se tratarem de uma parcela mais comprometida com a efetivação dos direitos humanos no sistema de justiça.

Para a advogada popular da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, a Tenda de Direitos Humanos no IV ENA tratou-se de um encontro histórico, pois teve a importância de aprimorar o diálogo entre o sistema de justiça, os direitos humanos e a agroecologia em um contexto de ofensivas no que diz respeito ao acesso à terra, ao território e à sócio e agrobiodiversidade no país, sobretudo frente as várias ameaças que estão afetando os povos e comunidades tradicionais. “Este espaço é um pontapé para uma articulação entre organizações, movimento sociais e representantes do sistema de justiça para garantir avanços”, afirmou. E lembrou: “Como os direitos humanos são inter-relacionados em suas dimensões econômica, social, ambiental e cultural, assim também é a agroecologia como ciência, prática e movimento”.

Continuidades

Além da coleta de denúncias dos casos concretos relatados durante o evento que serão encaminhados às procuradorias regionais do MPF, o espaço ensejou propostas como a criação de um GT Intercameral com a temática da Agroecologia no Ministério Público Federal abarcando a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a 4ª e a 6ª Câmaras de Coordenação e Revisão que tratam respectivamente de violações ambientais e de comunidades e povos tradicionais. Também houve avanços no que tange à consolidação da destinação de multas de descumprimentos de Termos de Ajustes de Conduta por empresas para projetos agroecológicos.

Na temática de agrotóxicos especificamente indicou-se a produção de um material para orientações na coleta de denúncias, com passos e indicações para registro e formalização das violações. O Fórum de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos também se mostrou como espaço aberto para acolher representantes das organizações da sociedade civil, conforme reivindicação naquele momento.



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar