Confira aqui a Carta de Notícias sobre a Convenção da Biodiversidade nº 04
Terra de Direitos
Assim, nos próximos dois meses - fevereiro e março - ocorrerão duas reuniões que deverão delinear alguns dos temas de maior polêmica na MOP 4/COP 9.
Já de 18 - 22 de fevereiro, em Roma, deverá reunir-se o Órgão para Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico da CDB, o SBSTTA (sigla em inglês). Na agenda de discussão, àrvores transgênicas e tecnologias genéticas de restrição de uso (terminator).
Em março, o Grupo de Trabalho sobre Responsabilidade e Compensação do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança deve reunir-se pela última vez em Cartagena. Colômbia. Nesta reunião, os países deverão avançar no processo do estabelecimento de um regime internacional sobre responsabilidade e compensação por danos ocasionados por transgênicos.
Apesar das reuniões já estarem confirmadas, o Governo Brasileiro ainda não anunciou qual será o procedimento de definição da posição brasileira sobre os temas tratados, como será a composição da delegação brasileira e quais serão os mecanismos de participação da sociedade civil.
A 4º Carta de Notícias sobre a Convenção de Diversidade Biológica e sobre o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança traz informações sobre estas reuniões.
Boa leitura!
Neste número:
1.Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança: responsabilidade civil e reparação de danos ocasionados por transgênicos em discussão.
2.Problematizando o Regime de Responsabilidade: Quem é responsável?
3.SBSTTA reúne-se pela última vez antes da Conferência de Partes. Em pauta: àrvores transgênicas e Terminator
1.Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança: responsabilidade civil e reparação de danos ocasionados por transgênicos em discussão.
Quase cinco após sua entrada em vigor, o prazo para que seja estabelecido um regime internacional de responsabilização por danos ocasionados por transgênicos no Protocolo de Cartagena esgota-se no próximo Encontro de Partes, que ocorrerá no início de maio desde ano, na Alemanha. O regime de responsabilidade deverá regulamentar o art. 27 do Protocolo de Cartagena, segundo o qual: "A Conferência das Partes, atuando na qualidade de reunião das Partes do presente Protocolo, adotará, em sua primeira reunião, um processo em relação à elaboração apropriada de normas e procedimentos internacionais no campo da responsabilidade e compensação por danos que resultem dos movimentos transfronteiriços de organismos vivos modificados. (..)" Na mesa de negociação estão propostas para estabelecer: o âmbito de aplicação do regime de responsabilidade; a definição de danos; o regime de responsabilidade e o mecanismo de liquidação das demandas.
Apesar de estarmos às vésperas do 4º Encontro de Partes do Protocolo, as propostas em debate ainda possuem muitas divergências entre si (ver quadro abaixo). Embora desde a última reunião tenham diminuído as propostas sob a mesa, ainda não há consenso sobre temas centrais, como por exemplo, a definição de dano.
Antes da Conferência de Partes, há apenas uma reunião do Grupo de Trabalho encarregado de negociar o texto a ser levado a Bonn. Na análise de muitos negociadores, há pouca probabilidade de conseguir tantos avanços que permitam encerrar a discussão sobre responsabilidade e compensação em Bonn. Neste caso, duas opções poderão ocorrer: o Grupo de Trabalho receba mais prazo para continuar negociando ou
Principais questões em debate:
* O regime de responsabilidade será aplicado em que situações?
Há 08 propostas na mesa de negociações. A principal discussão é se o regime de responsabilidade deve ser amplo e abranger, além do transporte internacional, danos decorrentes do uso em geral dos organismos transgênicos quando estes danos forem decorrentes da importação/exportação.
* O que é considerado dano?
Há 04 textos diferentes em negociação. A maior controvérsia diz respeito se os danos abrangidos pelo sistema de responsabilidade devem incluir danos à saúde, ou restringir-se a danos à biodiversidade.
* Regime de Responsabilidade
Há 05 textos distintos em negociação. A principal controvérsia refere-se à adoção da responsabilidade objetiva (em que a responsabilização ocorre independente da existência de culpa) ou subjetiva (em que a responsabilização ocorre somente nos casos em que o causador do dano agiu com imprudência, negligência ou imperícia).
* Quem é responsável?
Há 05 textos diferentes em negociação. A divergência fundamental é se a responsabilidade deve se estender à toda cadeia de produção (desde o dono da tecnologia até o exportador) ou restringir-se ao responsável pelo movimento transfronteiriço.
* Como deverá ser o mecanismo de resolução de demandas?
Há 23 textos em negociação. Estão sendo discutidos procedimentos entre Estados, procedimentos administrativos (que o estado deve implementar) e procedimentos civis (utilizados para que afetados pelo dano possam exigir reparação) . A principal questão em debate é se o Protocolo deve criar uma instância internacional para resolver as demandas decorrentes do regime de responsabilização.
2. A que se destina um regime internacional de responsabilidade por danos causados por transgênicos?
Qual deve ser o principal objetivo de um regime internacional de responsabilidade por danos ocasionados pelos transgênicos? Evitar que estes aconteçam. Sem um regime de responsabilidade, as transnacionais da biotecnologia e as empresas que exportam transgênicos continuarão a, impunemente, promover a contaminação como estratégia de difusão dos transgênicos e ainda sentirem-se livres para flexibilizar ao máximo as normas de análise de risco, e lançar no mercado produtos cujos danos muitas vezes só aparecem anos após sua introdução no meio ambiente.
Não é a toa que o bastidor da negociação do regime de responsabilidade é freqüentado de forma tão ostensiva pela indústria de biotecnologia, que não se cansa de repetir que "as regras de responsabilidade sobre a biotecnologia não são legalmente nem tecnicamente justificáveis".
Nos 12 anos de plantio comercial de transgênicos, não foram poucos os episódios que demonstraram claramente que as empresas de biotecnologia sabem bem aproveitar as "oportunidades" da ausência de um regime claro e específico sobre responsabilidade. De acordo com a organização GeneWatch, desde 1996, um total de 39 países nos cinco continentes já foram afetados por algum incidente de contaminação transgênica, plantio ilegal ou efeitos adversos na agricultura. Os números demonstram que estes episódios aconteceram, em sua maioria, em países em que os transgênicos nem sequer eram autorizados.
Para entender o que está em jogo, e também a movimentação das negociações, vale a pena analisar alguns "sujeitos" do regime de responsabilidade.
Os Estados
Apesar da propaganda das empresas de biotecnologia, as culturas transgênicas atualmente correspondem 102 milhões de hectares, o que corresponde a menos de 6% de toda a área cultivada no mundo. Atualmente, 05 países possuem 95% da área cultivada com transgênicos no mundo. Destes países, os Estados Unidos são responsáveis por 55 milhões de hectares, mais de metade da área plantada. Em seguida vem a Argentina, com 17,9 milhões de hectares, o Brasil, com 9,4 milhões e o Canadá com 4,8 milhões e a China, com 3,3 milhões.
As empresas exportadoras
Outro setor interessadíssimo no regime de responsabilidade é o das empresas responsáveis pela exportação. Trata-se de um setor dominado por poucas grandes empresas. No Brasil, por exemplo, 72 % da exportação da soja é controlada por 05 empresas: Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e AMAGGI.
Empresas de Biotecnologia
E por fim, temos as empresas que desenvolveram a tecnologia, outras "responsáveis em potencial". A lista também é reduzida, as empresas responsáveis por todos os tipos de transgênicos cultivados em escala comercial no mundo são: Monsanto, Syngenta, Du Pont, Bayer, Dow e Pionner.
3.SBSTTA reúne-se pela última vez antes da Conferência de Partes. Em pauta: àrvores transgênicas e Terminator.
Nos dias 18-22 de fevereiro, em Roma, o órgão de assessoramento científico da Convenção sobre Biodiversidade, o SBSTTA reúne-se pela última vez antes de maio, quando ocorrerá a 9º Conferência de Partes da CDB.
Como é tradição na CDB, os temas mais polêmicos estão reservados para esta reunião. Dentre eles, dois mobilizaram especialmente a atenção da sociedade civil internacional durante a COP 8, realizada em Curitiba: àrvores transgênicas e tecnologias genéticas de restrição de uso (tecnologias terminator). Aparentemente fora da "agenda" da CDB, já que não estão relacionados a seus objetivos formais, os dois temas têm gerado mais "esforços diplomáticos" que muitos outros assuntos essenciais para a conservação da biodiversidade mundial.
As árvores transgênicas foram tema de discussão na última COP, em que adotou-se a decisão VIII/19 - B segundo a qual, "as partes da Convenção sobre Diversidade Biológica deverão adotar um enfoque de precaução em relação à utilização das àrvores geneticamente modificadas, em razão do grau de incerteza científica relacionado à sua aplicação". No mesmo texto, as Partes solicitaram ao Secretario Executivo que compilasse a informação sobre impactos ambientais e socioeconômicos das àrvores geneticamente modificadas, para que na 9º Conferência de Partes tais informações fossem novamente analisadas.
A partir desta decisão, a secretaria do grupo de trabalho sobre diversidade biológica florestal compilou informações sobre os potenciais impactos - positivos e negativos - ambientais, socioeconômicos e culturais das àrvores geneticamente modificadas. No documento que será trabalhado durante a reunião de fevereiro, o secretariado conclui que: "até o momento, existe uma grande incerteza sobre a utilização das àrvores geneticamente modificadas e não se dispõe dos dados científicos necessários para avaliar seus possíveis impactos".
Diante destas conclusões, revela-se que a decisão da última COP é bem frágil. Se é da reconhecida existência de incerteza sobre as consequências da utilização das àrvores transgênicas, a única postura coerente do SBSTTA seria recomendar às partes a não utilização, para qualquer fim, das àrvores geneticamente modificadas e não apenas a adoção de uma postura de "precaução".
Em relação às tecnologias genéticas de restrição de uso, o documento a ser analisado pelo SBSTTA em sua próxima reunião apenas menciona que a decisão V/5 - que recomenda a não utilização, inclusive em pesquisas de campo, de qualquer tecnologia genética de restrição de uso - foi reafirmada pelas partes e que "muitos países teriam informado que dispõe de meios para avaliar as possíveis repercussões das tecnologias de restrição de uso".
Muito embora nada de novo tenha surgido desde a COP 8, é muito provável que alguns países voltem a pressionar para que a CDB flexibilize a declaração sobre a utilização de tecnologias de restrição de uso, a exemplo do que ocorreu em maio de 2006, na última reunião do SBSTTA antes da COP 8.
Cabe lembrar que a delegação brasileira, na ocasião, foi uma das que apoiou a revisão da decisão 5/V, para que fossem admitidas pesquisas em campo, de acordo com uma análise caso-a-caso.
Veja mais sobre as Tecnologias de Restrição de Uso, veja a Carta de Notícias nº 02
Veja aqui a agenda da próxima reunião do SUBSTTA.
Veja na íntegra o documento sobre diversidade florestal.
Veja na íntegra o documento sobre diversidade agrícola.
No Brasil..
•A utilização das tecnologias genéticas de restrição de uso é proibida pela atual legislação de biossegurança. Apesar disso, a Syngenta, desde 2005, possui uma patente deste tipo de tecnologia. A patente é denominada "Método Genético para Controlar a Germinação de Plantas".
•A CTNBio deverá regulamentar em sua próxima reunião experimentos com àrvores transgênicas. Foram realizadas duas apresentações sobre o assunto, veja aqui.
Próximas reuniões:
11-15 de fevereiro : Reunião do Grupo de Trabalho sobre àreas protegidas. Roma.
18-22 de fevereiro: Reunião do Órgão de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA). Roma
12-19 de março: Reunião do Grupo de Trabalho sobre Responsabilidade e Compensação do Protocolo de Cartagena. Cartagena - Colômbia.
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar