Julgamento reafirma direitos assegurados na Constituição Federal e dá fôlego à luta quilombola
Terra de Direitos
Quilombo Paiol de Telha
Ocupar as cadeiras do Tribunal, ouvir os posicionamentos dos desembargadores e conseguir ampla maioria dos votos no TRF4 revigorou o ânimo da comunidade quilombola Paiol de Telha, que há tempos luta por justiça.
2013 terminou com uma boa notícia para as comunidades quilombolas do Brasil. Com a decisão pela constitucionalidade do Decreto 4887/2003, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4 afirma a continuidade da atual política para titulação de territórios quilombolas. O julgamento terminou no dia 19 de dezembro com 12 votos a 3, vitória expressiva diante de um quadro de pressão pela derrubada do Decreto. O acórdão da decisão foi publicado em janeiro – acesse aqui o conjunto de documentos do julgamento.
Para o professor da PUC/PR, Carlos Marés, a decisão trouxe argumentos preciosos para a discussão que se travará no Supremo Tribunal Federal, que julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, ajuizada pelo DEM em 2004, contra o Decreto 4887.
Por outro lado, lamenta ainda estar em debate um direito garantido pela Constituição Federal. “É triste que depois de 25 anos do reconhecimento deste direito pela Constituição brasileira os Tribunais ainda estejam discutindo a constitucionalidade de sua regulamentação e não sua implementação efetiva. Até quando?”, questiona o professor.
Na avaliação de Fernando Prioste, coordenador da Terra de Direitos e advogado popular da comunidade Paiol de Telha, a decisão do TRF4 é importante na medida em que reconhece que o art. 68 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê a titulação das terras quilombolas, como norma de direito fundamental com aplicabilidade imediata. “Os desembargadores decidiram que é desnecessária a aprovação de uma lei para dar sentido ao texto constitucional, cabendo tanto ao Legislativo quanto ao Judiciário dar ao art. 68 do ADCT a interpretação mais ampla possível”.
E a efetivação do direito previsto na Constituição anda a passos lentos: atualmente existem de 1.264 processos abertos para a titulação de terras quilombolas em todas as Superintendências Regionais do Instituto Nacional de Reforma Agrária e Colonização – INCRA, com exceção de Roraima, Marabá-PA e Acre, segundo dados de 2013, divulgados pelo órgão. Do total de processos abertos apenas 164 superaram a primeira fase de tramitação.
Quilombolas saem fortalecidos
Depois de 12 horas de ônibus no trecho entre o interior do Paraná até a capital do Rio Grande do Sul, cerca de 150 quilombolas do Paiol de Telha e de outras comunidades acompanharam de perto os dois dias do julgamento, em 28 de novembro e 19 de dezembro.
O Paiol de Telha, localizada na região de Guarapuava/PR, está entre os casos em que o procedimento está estacionado há anos, desde 2005, especialmente por pressão da Cooperativa Agrária Agroindustrial, que questiona o processo INCRA para a titulação utilizando com argumento a ADI 3239, ação julgada pelo TRF4.
Isabela da Cruz, historiadora e integrante do Paiol de Telha, conta que os anos de indefinição e sofrimento por não ter acesso ao território original da comunidade fragilizaram a mobilização do povo quilombola. “Ao passo que a luta pelo território foi demorando mais e mais, notamos que as pessoas foram enfraquecendo”.
Ocupar as cadeiras do Tribunal, ouvir os posicionamentos dos desembargadores e conseguir ampla maioria dos votos revigorou o ânimo dos que há tempos lutam por justiça: “Isso tudo mobilizou dentro de cada pessoa da comunidade o sentimento de que nem tudo está perdido, de que não só a justiça divina, mas a da terra também pode estar do nosso lado”, relata a historiadora.
Julgar uma ação que questiona o direito ao território de remanescentes de povos escravizados durante 200 anos traz à tona contradições históricas da sociedade brasileira. Para Isabela, a cor e o gênero dos juízes e demais funcionários representa as desigualdades do país: “De todos os desembargadores, apenas duas eram mulheres, todos eram brancos. Quem estava servindo água era negro, seguranças eram negros, as moças da recepção também”.
No segundo dia de julgamento, logo na chegada dos quilombolas ao Tribunal as trabalhadoras da recepção demonstraram solidariedade à luta da comunidade: “Elas nos reconheceram e disseram: ‘É hoje que a justiça será feita’”, lembra Isabela.
A luta continua
A decisão favorável à constitucionalidade do Decreto 4887 é uma grande vitória, mas a luta da comunidade quilombola Paiol de Telha para retomar as terras ainda precisa de mais conquistas. Desde que foram expulsos violentamente pelos imigrantes alemães, na década de 1970, os quilombolas estão divididos em quatro núcleos: Barranco, Pinhão, Guarapuava e Assentamento.
Com o julgamento da ação movida pela Cooperativa, o processo de titulação segue tramitando no INCRA. Há um ano o processo está parado no gabinete do presidente do Instituto, Carlos Gudes de Guedes. O prosseguimento do processo depende apenas de que Guedes assine a portaria de reconhecimento do Território.
“Não há nenhum obstáculo legal para a assinatura da portaria, uma vez que todos os recursos administrativos dos fazendeiros foram julgados improcedentes”, afirma Fernando Prioste. Segundo o advogado, a instrução normativa 57 do INCRA concede o prazo máximo de um mês para a assinatura da portaria. “Passados 11 meses do fim do prazo viça evidente que a não assinatura da portaria decorre de uma decisão política do presidente do INCRA de não fazê-lo”.
Depois da injeção de ânimo com a vitória no TRF4, o povo do Paiol de Telha busca fortalecer a organização local. No início deste ano deve haver eleição da associação, grupo que alavanca o processo mobilização para seguir reivindicando a titulação.
Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Terra, território e justiça espacial