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Quando ocupar é um direito: decisão do STJ repercute na mídia


A dSebastiao Salgado - ocupaçãoecisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relacionado à negativa de realização de despejo forçado de famílias sem terra no estado do Paraná abriu caminho para um amplo debate sobre a reintegração de posse de áreas ocupadas por movimentos sociais.

O jornal Gazeta do Povo publicou no mês de agosto quatro artigos relacionados ao tema, além de um editorial. Na visão desse veículo de comunicação, assim como de três autores dos artigos, a decisão do STJ estaria posicionada acima da lei, uma vez que a intervenção federal está prevista na Constituição Federal de 1988. Na opinião dos autores, essa situação pode incentivar a ocupação de terras pelos movimentos sociais.

Já o artigo de Fernando Prioste, coordenador da Terra de Direitos, indica que, na verdade, a Constituição é descumprida quando não há superação da desigualdade social e prevalência dos direitos humanos. Para ele, o Poder Judiciário deve agir de modo a promover políticas públicas de acesso à terra.

Analisando as publicações do jornal, vemos que o tema é tratado superficialmente, e algumas vezes de forma desigual. Sem que houvesse espaço para manifestação dos ocupantes da área em questão, muito se falou sobre o direito do proprietário e inconstitucionalidade da decisão, mas pouco se refletiu sobre a importância do direito à terra para garantia da dignidade humana. Nesse sentido, as publicações retratam, de certa forma, que muito há para se amadurecer no que diz respeito ao entendimento da importância de uma reforma agrária e distribuição justa de terras.

Confira abaixo os artigos publicados e entenda um pouco mais o caso:

Quando ocupar é um direito?


Fonte: Gazeta do Povo
Por Fernando Prioste
Artigo publicado em 12 de agosto de 2014

 Na semana passada, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou decisão em que negou, por unanimidade, pedido de intervenção federal no estado do Paraná. O pleito teve como causa pedir o descumprimento de decisão judicial que determinava a retirada de 240 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) que ocupam área rural denominada Fazenda São Paulo, localizada no município de Barbosa Ferraz. Na prática, o STJ rejeitou a possibilidade de a União intervir no estado para compelir o governo a realizar reintegração de posse com uso da força.

O STJ entendeu que, apesar de os proprietários do imóvel rural ocupado terem obtido decisão para retirar as famílias que ocupam a área, existem justificativas de maior envergadura que desautorizam a utilização da força e a intervenção federal. Para o STJ, o cumprimento da ordem provocaria conflito social coletivo e danos muito mais graves que o prejuízo financeiro do particular que perdeu a posse. Na visão do STJ, é ilegítima a atuação do Poder Judiciário em favor de uma pessoa quando os efeitos danosos se abatem sobre dezenas de outras, não restando outra alternativa que respeitar a ocupação como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, de construção de uma sociedade livre, justa e solidária através da realização da reforma agrária com vistas à erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais.

Alguns, entre estes, por certo, proprietários que gozam de uma vida com dignidade, bradarão contra a decisão do STJ. Afirmarão que a propriedade, o mais sagrado dos direitos, fora vilipendiada e que a decisão do STJ incentivará invasões, legitimando as ações de movimentos sociais. Esses proprietários são os mesmos que seletivamente se calam ante ao descumprimento da função social na Fazenda São Paulo e a obrigatoriedade de sua destinação à reforma agrária. Para estes, o destino e a dignidade das famílias de trabalhadoras rurais acampadas pouco importa, desde que a sagrada propriedade não seja tocada, ainda que descumpra a lei.

A questão agrária brasileira não será resolvida com reintegrações de posse, mas pode ter uma solução definitiva se implementada a Constituição Federal e realizada a democratização do acesso à terra por meio da reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas. Na busca por soluções definitivas, o Poder Judiciário tem responsabilidades e, através de um agir jurisdicional dialógico, deve ser capaz de colaborar para equacionar definitivamente os conflitos. Assim, partindo de uma análise global da questão, deve atuar para destravar as políticas públicas de acesso à terra, fortalecendo a legitimidade, a autonomia e a função constitucional do Poder Judiciário.

Vivemos um momento histórico em que milhões de brasileiros sobrevivem sem um mínimo de dignidade, embora a Constituição determine a superação da abissal desigualdade social e garanta, no plano formal, a prevalência dos direitos humanos. A superação desse insuportável estado de desigualdade tem como maior desafio transpor os interesses da minúscula parcela da população que concentra a maior parte das riquezas e se opõe ferozmente à perda de privilégios. Assim, enquanto viver com dignidade for um privilégio, ocupar será um direito.

Fernando G. V. Prioste, advogado popular, é coordenador da organização de direitos humanos Terra de Direitos.

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O cidadão abandonado


Fonte: Gazeta do Povo
Por Sandro Schmitz dos Santos
Artigo publicado em 1 de agosto de 2014.

Há anos, uma família foi espoliada de sua propriedade pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná. Ciente de seus direitos, foi buscar auxílio no Poder Judiciário de seu estado, e, após algum tempo, teve seu pedido de reintegração de posse julgado e deferido – ou seja, teve a causa ganha. Isso posto, cumpria ao Poder Executivo de seu estado fazer o mais simples: dar cumprimento à ordem judicial; mas não o fez, em uma omissão do Estado, tendo em vista que incorre em desobediência. Devo questionar, no entanto: esse mesmo Poder Executivo se omite no cobrar seus tributos? Penso que não; afinal, o Estado não gosta de cumprir suas obrigações, mas jamais se esquece de cobrar as obrigações dos outros.

Ainda assim, esse cidadão não desistiu. Sabedor da hipótese de intervenção federal prevista na Constituição de 1988 em seu art. 34, inc. VI, tendo em vista a desobediência de decisão judicial por parte do Poder Executivo estadual, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Infelizmente, no dia 1.º de julho deste ano, foi julgada improcedente a Ação de Intervenção Federal 111 pela Corte Especial do STJ; seu ministro relator, Gilson Dipp, afirmou: “A remoção das 190 pessoas que ocupam o imóvel, já agora corridos vários anos, constituindo cerca de 56 famílias sem destino ou local de acomodação digna, revelam quadro de inviável atuação judicial, assim como não recomendam a intervenção federal para compelir a autoridade administrativa a praticar ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular”.

Vergonhosa a postura do Judiciário, demonstrando estar de joelhos diante do Poder Executivo federal, tendo em vista que o referido “movimento social” se constitui em um dos principais articuladores do governo federal perante a sociedade. Argumento vazio e sem nexo, pois a decisão determina que se retire as pessoas, mas não impede que o Poder Executivo do estado tome as providências necessárias para colocá-las em situação adequada, se for o caso, evidenciando a clara postura política da decisão tomada pela corte.

E, nesse rumo, a democracia vai à falência, pois enquanto o Poder Judiciário, que deveria ser o guardião da Constituição, se faz omisso, esse tipo de atitude corrói as bases da estrutura social, indo contra exatamente o que a decisão diz querer evitar: um conflito social ainda maior, tendo em vista que isso alimenta ainda mais a ocorrência desse tipo de fato, visto que as autoridades constituídas não pretendem fazer nada quanto à violação da lei. E não cabe dizer que estão a proteger a supostas minorias, pois, como diz Ayn Rand, “a menor minoria da Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias”.

Sandro Schmitz dos Santos, professor de Direito Econômico, é especialista do Instituto Millenium.

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Um malfadado e risível acórdão: vale um panfleto


Fonte: Gazeta do Povo
Por Antonio Carlos Ferreira
Artigo publicado em 16 de agosto de 2014 

Em 6 de agosto, foi publicado na íntegra um acórdão, relatado e prolatado pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, com votação unânime de um pedido de intervenção federal no estado do Paraná (IF 111), que praticamente estimulará todas as invasões de propriedades produtivas, não só neste estado, mas também em todos os estados da Federação. Tratou a questão do não fornecimento de força policial para dissuasão dos invasores de terras produtivas. Sim: de terras julgadas e analisadas como produtivas pelo Incra.

Ora, se a propriedade produtiva pode ser invadida com a complacência dos poderes do Estado, convalidados pelo Poder Judiciário, como poderá produzir e investir o produtor rural neste país ? O ministro deve ter pensado ser superior aos princípios legais constitucionais (art. 5.º, inciso XXII, XXIII; art. 170, incs. II e III; e, fundamentalmente, o art. 185, inciso II) o princípio alegado em seu nefasto acórdão, ou seja , o princípio da proporcionalidade é superior ao princípio da legalidade. Rasgou a Constituição Federal com a concordância de todos os membros da Corte Especial. O fato da recusa do governo em retirar os invasores não significa que a lei suprema não tenha de ser obedecida por todos, sejam proprietários ou não. Um famoso, digno e respeitável desembargador paulista, ao saber do acórdão, mostrou toda a sua indignação ao dizer: “É uma vergonha, pois, com tal entendimento unânime, se constata que vivemos em um país sem lei e sem ordem. Os proprietários do sítio, aparentemente pessoas simples, estão com o imóvel invadido, a posse dos invasores consolidada, o Judiciário está desrespeitado pelo Executivo, a Constituição Federal esbulhada. Pior: o imóvel não foi desapropriado e a situação está surrealista e absurda para os proprietários espoliados”.

A desapropriação no caso julgado não poderia ser admitida porque reconhecida sua produtividade, e somente cabia ao Estado, protetor dos direitos constitucionais, retirar os invasores, e isso nos leva à seguinte pergunta: existe propriedade privada no Brasil? Tal matéria transcende o âmbito dos interesses defendidos por qualquer rábula ou advogado, porque diz respeito a direitos subjetivos da mais alta objetividade na ordem pública, pois atinge de forma afrontosa os interesses legais e constitucionais da coletividade. O proprietário tem direitos que não podem ser afrontados pelo Judiciário. E o acórdão desmerece o próprio Poder Judiciário, que é afrontado pelo risível e pretensamente intelectual – mania nacional – acórdão.

Daí chamarmos de “panfleto” este pequeno artigo. Porque a história real do panfleto se resume ao grito de angústia daquele que é cerceado em seus direitos constitucionais, que se recusamos aceitar como normas e preceitos, ou princípios aplicados a arestos, como no caso, porque não foram submetidos à critica e ao desespero que a todos provocam, dada a sua incompatibilidade irreconciliável com a sistemática jurídica vigente no país.

Este panfletário não pode estender-se como gostaria sobre o que é um julgado, mas é de dizer-se que trata-se de história que o próprio juiz cria para si mesmo sobre os fatos e narrações do processo, interpretando-os e discernindo a seu modo, devendo observar a aplicação da lei no ajuste ou encaixar ao caso concreto nos pressupostos previstos pelas normas jurídicas. Enfim, ao aplicar a proporcionalidade, ignorou a razoabilidade e fundamentalmente a legalidade, palavra tão esquecida atualmente.

Estamos ao Deus dará em matéria de legalidade. O ministro ignorou ainda o crime praticado pelos governadores recalcitrantes: o crime de responsabilidade ao não obedecer às ordens e decisões judiciais – e mesmo da presidente, que se submete a impeachment. Espera o panfletário continuar, pois a matéria é de intensa responsabilidade daqueles que lutam por uma democracia e pelo Estado de Direito. E os efeitos do acórdão não pararão na simples publicação, pois seus efeitos virão de cima para baixo. Preparemo-nos para um inferno astral no campo. Por fim, vale citar Platão, que no seu Criton disse: “Pensas que possa existir um Estado sem leis, ou que as leis não sejam destruídas e aniquiladas, quando os julgados não têm força, quando cada qual as pode violar, subtraindo-se-lhes à execução?”

Antonio Carlos Ferreira é advogado e escritor.

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Convite ao conflito


 Fonte: Gazeta do Povo
Editorial publicado em 17 de agosto de 2014

Decisão do STJ em solicitação de intervenção federal agrava a insegurança jurídica e acirra os ânimos no campo

 No dia 6 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou o acórdão de uma decisão tomada no início de julho, em que a corte negou um pedido de intervenção federal no Paraná, em um caso que envolve a reintegração de posse de uma área invadida anos atrás pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). É uma decisão que, analisada com cuidado, abre perigosos precedentes.

Em 2008, o Sítio Garcia, propriedade de 58,50 hectares integrante da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, foi invadido pelo MST pela segunda vez em dois anos. Os proprietários pediram na Justiça a reintegração de posse, concedida ainda em 2008, por meio de liminar, e confirmada em maio de 2011 por sentença de mérito – mas que até hoje não foi cumprida. Em 2012, os proprietários foram ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) solicitando intervenção federal no estado, baseados no artigo 34 da Constituição Federal, que prevê intervenção em caso de descumprimento de decisão judicial. O TJ-PR reconheceu a omissão do poder público e remeteu o caso ao STJ.

No STJ, o relator do processo, ministro Gilson Dipp, pediu o indeferimento do pedido de intervenção. Em seu voto, argumentou que “parece manifestar-se evidente a hipótese de perda da propriedade por ato lícito da administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana; de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social”, ou seja, só restaria aos proprietários resignar-se a perder a área e receber indenização do governo federal, tivessem ou não interesse em negociar o sítio. O voto de Dipp foi seguido por todos os ministros presentes à sessão de 1.º de julho.

O acórdão, publicado na semana passada, afirma que uma eventual reintegração de posse seria um “ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular”, pois já haveria quase 200 sem-terra na propriedade; além disso, afirma que, “pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado [em promover a reintegração de posse] não é ilícita”.

A argumentação do ministro Dipp, assim, parte de um pressuposto verdadeiro – a necessidade de uma verdadeira reforma agrária, e a situação indigna de muitos trabalhadores rurais que não têm acesso à terra – para chegar a uma conclusão perigosa, pois a decisão permite que os sem-terra se beneficiem de um ato ilícito cometido por eles mesmos, o que viola um princípio consagrado do direito. É possível perceber o caráter utilitarista do raciocínio que guia o ministro: tendo levado em consideração única e exclusivamente o conflito entre o prejuízo de quase 200 sem-terra (com a reintegração de posse) e o prejuízo de uns poucos proprietários (com a perda do sítio), Dipp e seus pares do STJ optaram por este em vez daquele, independentemente do caráter dos atos cometidos pelos invasores. Não é difícil perceber que essa linha de pensamento é praticamente um convite a novos conflitos no campo, abrindo as portas à invasão indiscriminada de propriedades, com a permanência dos invasores sendo garantida sob o argumento do possível dano social causado por uma reintegração de posse.

Aqui é preciso ressaltar que não se trata de defender o direito à propriedade como absoluto, pois de fato não o é. A propriedade precisa ter uma função social, e quando ela não é cumprida justifica-se uma ação do Estado para que essa terra seja redistribuída a quem dela necessita. Este processo está bem regulamentado no Brasil. No entanto, não é esse o caso do Sítio Garcia. Durante a análise do pedido de intervenção, o STJ pediu informações ao Incra, que respondeu dizendo que se tratava de uma propriedade produtiva, que não se encaixava nos critérios para a reforma agrária. Mesmo assim, o STJ permitiu, com sua decisão, que os invasores lá permanecessem.

Ora, os princípios democráticos e as garantias constitucionais existem justamente para prevenir arbitrariedades como a que estamos agora presenciando no caso do Sítio Garcia, e para assegurar que não seja o mero utilitarismo a guiar as decisões de Estado. Por mais que a reforma agrária seja uma necessidade, ela não pode ser feita à base da lenta erosão desses princípios e garantias, sob risco de agravar os conflitos no campo. Eles já não são de fácil resolução; e o STJ, com sua decisão, só contribui para agravar a insegurança jurídica e acirrar os ânimos entre os sem-terra e os proprietários rurais.

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Intervenção federal nos estados: a falta de coerência do STJ


Fonte: Gazeta do Povo
Por: Egon Bockmann Moreira
Artigo publicado em 24 de agosto de 2014

No início deste mês de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou improcedente pedido de intervenção federal no estado do Paraná. O Judiciário local havia concedido a imissão de posse em área ocupada por movimento social, mas o Executivo se negou a cumpri-la. Daí o pedido de intervenção, que significa a substituição, instantânea, da autoridade competente, a fim de que o interventor faça cumprir a decisão judicial. Para além da discussão quanto à matéria de fundo (se movimentos sociais podem legitimamente ocupar propriedades privadas, em contraste com o direito de propriedade e sua função social), que não será aqui tratada, a decisão do STJ revelou quão delicado – e menosprezado – é o tema da intervenção federal.

O sistema constitucional brasileiro regula a intervenção de forma minuciosa e complexa. A sua racionalidade está em ser um meio de se proteger a própria Constituição. Isto é, existem valores tão importantes para a integridade constitucional que se admite o rompimento institucional da autonomia dos estados. Caso descumpram a Constituição, cabe à União neles intervir. Por exemplo, se houver agressão, por parte dos poderes estaduais, à integridade nacional, à forma republicana, ao regime democrático e aos direitos humanos, pode-se instalar o excepcional regime interventivo.

A União intervirá, portanto, justamente para preservar a ordem constitucional. Daí o artigo 34 da Constituição estabelecer que a União é proibida de intervir nos estados, exceção feita a sete hipóteses, dentre as quais a de “prover a execução de (...) decisões judiciais”. Neste caso, a intervenção tem efeitos circunscritos ao ato violador da decisão, mas não se encerra no Judiciário. Os tribunais superiores apenas avaliam se ocorreu alguma das hipóteses interventivas. Caso julguem que sim, devem requisitar a intervenção à Presidência – que decidirá por praticar (ou não) o ato. Isto é, há dois momentos: um, jurídico; outro, com tons políticos. A Constituição dissocia claramente essas fases, reservando a política à Presidência da República.

Mas é de se sublinhar quantos temas importantes a intervenção traz consigo. Quando menos, a separação dos poderes (pode o Executivo decidir quais ordens judiciais cumpre?) e o princípio federativo (a União tem de fazer com que os estados respeitem a Constituição?). Mas, mesmo nesses assuntos, a história recente tem demonstrado que os pedidos não têm recebido tratamento consistente por parte dos tribunais superiores. Isso porque, em novembro de 2012, o mesmo STJ havia deferido a intervenção para cumprimento de ordem de reintegração em área ocupada por movimentos sociais. Depois de registrar que havia mais de dez pedidos dessa ordem, o STJ requisitou a intervenção à Presidência. Nos dias de hoje, contudo, julgou pelo seu indeferimento.

Logo, talvez o problema esteja na falta de critério para prescrição de remédio tão delicado. Afinal, se persistir tal incoerência, a mesma corte que hoje decide pelo indeferimento num caso de imissão de posse pode, amanhã, julgar que não cabe intervenção num de prisão indevida. O que permite a seguinte reflexão: deve o Judiciário criar exceções jurídicas para que o Executivo descumpra ordens do próprio Judiciário? Ou o assunto é político? Mais: essa solução pode ser variável, de acordo com os humores da corte? Ou, indo direto ao ponto: somente devem ser prestigiadas as ordens judiciais que nos agradem?

Egon Bockmann Moreira, advogado e doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

 



Ações: Conflitos Fundiários
Eixos: Terra, território e justiça espacial
Tags: Ocupar é um direito,reforma agrária,regularização fundiária,latifúndio,função social da propriedade,função social da terra