ARTIGO | Santarém e a rota da exportação de commodities: violação de direitos na construção de portos da cidade
Terra de Direitos
Por Pedro Sergio Vieira Martins, advogado popular da Terra de Direitos em Santarém/PA
Hoje, 70% da movimentação de embarcações na Amazônia é para o transporte de minério de ferro, seguido dos produtos metalúrgicos e da soja. É o que aponta a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, responsável pela autorização da atividade portuária. A estrutura de portos já consolidada do Pará foi fomentada especialmente pelas empresas Transportes Bertolini, Rio Turia Serviços Logísticos, Hidrovias do Brasil e CIANPORT, além das próprias empresas de exploração dos recursos naturais como MRN, AGROPALMA, JARI e ALCOA. As cidades de Barcarena, Belém, Almeirim, Oriximiná, Juruti, Santarém e Itaituba são as mais afetadas pela instalação irregular de portos no estado.
Investimentos gigantescos são feitos para abrir completamente as veias da Amazônia. A Cargill, que por si só possui receita bruta de R$ 26,1 bilhões, planeja alta expansão na região. Caminhos abertos para a exploração sanguinária dos recursos naturais, os rios da Amazônia são agora margeados por mais dezenas de portos a serviço do agronegócio, para o mercado europeu, norte-americano e asiático.
As boas condições de navegabilidade entre Miritituba, distrito de Itaituba, e Santarém atraíram grandes investimentos voltados à construção de portos. Somente de dezembro de 2013 a setembro de 2014, seis terminais de uso privado foram autorizados em todo o Pará, com cerca de R$ 853 milhões em investimentos. Três deles só em Itaituba. A análise da estrutura hidroviária do país pela ANTAQ indica a projeção do potencial do eixo Tapajós-Teles Pires, a fim de ser a principal via de escoamento da soja do Mato Grosso.
A própria Santarém também é alvo do planejamento econômico de grandes empresas alimentícias, a exemplo da Cargill, que já utiliza o porto da cidade. Desde 2013, a Empresa Brasileira de Portos em Santarém –EMBRAPS começou a realizar pesquisas na chamada Grande Área do Maicá, periferia da cidade, para fazer o levantamento sócio-econômico do local, como contam os moradores do bairro Pérola do Maicá, com vista à construção de Terminal de Uso Privado (TUP), modalidade prevista na Lei nº 12.815/2013, a nova Lei do Portos. Questiona-se: a população foi consultada?
A área fica às margens do Rio Amazonas, próxima ao furo do Maicá, onde se constitui Lago de proteção ambiental específica, pelas condições apresentadas para a reprodução de peixes. Comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas serão afetadas por qualquer empreendimento que incida sobre o Lago do Maicá.
Além da violação do direito à Consulta Prévia, que para ser de fato ‘prévia’ precisa ser realizada antes do pedido de licença, um projeto portuário naquela área afetaria a Área de Proteção Ambiental (APA) do Maicá, e o fluxo de carretas e outros veículos modificaria totalmente a vida das comunidades tradicionais do local.
Não por menos, há forte especulação imobiliária que atropela o reconhecimento de direitos, haja vista não ter nenhuma política fundiária por parte do município, do Estado ou da União que garanta o direito aos territórios dessas comunidades. Ao invés de investimentos sociais, abre-se a(o)s porta(o)s da cidade para empresas de capital multinacional ampliarem seus lucros.
Associações quilombolas e organizações da região questionam dos danos ambientais, a imprecisão fundiária, a alteração do Plano de diretor da cidade e violação do direito de consulta. As organizações também estão verificando que sócios da empresa estão ingressando com Ações de Reintegração de Posse e até Ações de Usucapião em áreas do Maicá, na tentativa de expulsar famílias que ocupam tradicionalmente o bairro.
Todas as empresas são fortemente apoiadas pela Prefeitura, com quem andam de mãos dadas anunciando o futuro da cidade. A movimentação de vereadores ligados a atual gestão municipal é pela “desobstrução” dos empecilhos legais, empecilhos que são, em verdade, garantias normativas. Nesse bolo está o Plano Diretor de Santarém (Lei nº 18.051/2006) e o Código Ambiental do Município (Lei nº 17.894/2004), que não foram adequadamente discutidos com a sociedade civil e carecem de complementos, e pela intenção desses parlamentares darão mais brechas para a intervenção de empresas nos territórios.
A empresa EMBRAPS entrou com pedido de Licença Prévia à Secretaria do Estado de Meio Ambiente – SEMA (processo nº 2013/17021). O Termo de referência já foi emitido pelo órgão ambiental em novembro de 2013. Após várias denúncias feitas pelas associações das comunidades da grande área do Maicá, de pastorais sociais de Santarém e da Terra de Direitos, o Ministério Público do Estado entrou com Ação Civil Pública contra o Estado do Pará e a EMBRAPS para que não ocorra a instalação de Terminais Portuários.
Porém, trata-se apenas de mais uma proposta de construção de Terminal de Uso Privado (TUP). A CEAGRO, empresa sediada em Campinas-SP, já recebeu Termo de Referência para realização dos estudos com o objetivo de conseguir a Licença Ambiental, sua previsão é de exportar soja, mas também fertilizantes. A Cevital, grupo da Argélia voltado para a exportação de gêneros alimentícios, também especula sua entrada em Santarém.
EMBRAPS e CEAGRO são as pontas em Santarém de uma rota de exportação de commodities. Outras empresas, maiores ainda, bancam o planejamento governamental para a ampliação dos portos, com influenciam na mudança dos marcos legais do município. Como se repete em todos os ciclos e períodos da nossa história, os interesses de grandes empresas prevalecem no país, a um custo econômico vantajoso, sem reais benefícios sociais. Com a simbologia das obras de infraestrutura, a ameaça é de que grandes tratores passem por cima dos direitos. Enquanto o desenvolvimento não estiver na mão dos trabalhadores e trabalhadoras, haverá violação de direitos.
Ações: Empresas e Violações dos Direitos Humanos, Impactos de Megaprojetos
Eixos: Terra, território e justiça espacial