Sarau cultural celebra a luta por território e resistência: “Quilombo é resistência”
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
“A luta do campo e a luta urbana se complementam”. Com essa fala, Oilson Alves, o Will Capa Preta, fez a abertura do sarau “Quilombo Cultural: Território em Luta”. O evento realizado no último sábado (25) recebeu mais de 150 pessoas na Ocupação Cultural Espaço da Liberdade (OCEL), em Curitiba.
Para Will, representante da OCEL, o sarau configura a união de duas forças - a urbana e a rural -, em prol do mesmo objetivo: a luta por território. Isso por que o sarau foi idealizado com o objetivo de visibilizar duas lutas por moradia: a da própria ocupação cultural, que sofre ameaça de reintegração de posse desde que ocupou um antigo prédio da Rua São Francisco, e a da comunidade quilombola Paiol de Telha.
“Eu sou Oilson Alves, mas conhecido como Will Capa Preta, e tenho um histórico de resistência”, afirmou Will, que aos seus 10 anos de idade esteve em situação de rua. Desde outubro de 2014, ocupa junto de um coletivo o prédio que está abandonado há mais de 20 anos. Para ele, a festa não poderia ser mais legítima. “Isso aqui é uma luta de pessoas que sempre ficaram à margem”, afirma.
Desde a ocupação, o espaço que estava completamente abandonado e era utilizado para uso de drogas foi reformado e organizado para as atividades da OCEL. Agora, o prédio abriga uma biblioteca comunitária, atividades culturais, promove oficinas de agroecologia, bazar de venda e troca de produtos artesanais, oficina de serigrafia, cine clube e apresentações de teatro.
“Estamos aqui para mostrar que essa cultura, que a mídia e a sociedade sempre banalizaram e que agora é moda, pra nós, sempre foi cultura”, disse Isabela da Cruz, representante e descendente da comunidade quilombola Paiol de Telha, primeira a ser reconhecida no estado do Paraná.
Para ela, a luta por território não pode ser encarada como uma briga por moradia, mas é uma questão de reconhecimento - é nesse ponto que a luta do Paiol de Telha e da OCEL andam juntas. “Esse espaço simboliza não só luta, mas resistência. Isso aqui é um quilombo urbano”.
Isabela afirma que a rua deixou de ser um espaço público para se tornar um direito de interesses privados. “Não pode ser espaço de festa, se não, a polícia vem e toma”, lembrando ainda o caso do prédio do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Paraná, da qual é estudante. O local, onde frequentemente eram realizadas festas universitárias, foi recentemente desocupado pela Polícia Federal e Militar.
A estudante de Direito também citou os jovens, geralmente negros e pobres, assassinados pela polícia. Para ela casos como esse comprovam a política de “higienização” da cidade. “Não nos querem aqui”, afirma.
Comemoração
A comunidade Paiol de Telha, que há 50 anos luta por reconhecimento e a titulação de suas terras, deixadas por herança pela antiga proprietária, teve uma importante conquista no último dia 22.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre julgou improcedente o recurso da Cooperativa Agrária Entre Rios, que questionava o trabalho de titulação realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com isso, o processo de titulação continua.
Por isso, Isabela acredita que o sarau foi também uma festa de comemoração. “O que a Terra de Direitos, a Comunidade Quilombola Paiol de Telha e a OCEL estão fazendo aqui hoje é mostrar respeito. O quilombo é vida, é produção cultural, é coletividade, é família. Coisa que essa ‘cidade urbana’ está se esquecendo de ser ”.
Entre os aplausos empolgados do público, Isabela finaliza com uma pergunta. “Como você se orgulha de uma raça e não a defende?”. Para ela, isso é uma contradição que sinaliza a dificuldade dos povos negros até hoje. “O que aquela burguesa branca fez em 1888 não foi de coração e os livros didáticos não contam a verdadeira história por que eles foram escritos pelas pessoas que detém o direito às terras”, afirmou a estudante, referindo-se à Princesa Isabel, monarca que aboliu a escravidão em pleno declínio do regime.
Segundo a estudante, o que acontece agora com a OCEL pode ser comparado com o golpe sofrido e a resistência do Paiol de Telha. “Depois de 20 anos eles reivindicam as terras, exatamente como fizeram com a minha terra. Mas eu tenho um recado pra eles: quilombo é resistência.”
Atrações
Muito mais que um evento cultural, o sarau reuniu o trabalho de diversos artistas e militantes dos movimentos sociais. Resultado do conjunto de esforços da Organização de Direitos Humanos – Terra de Direitos, da comunidade quilombola Paiol de Telha e da OCEL, o evento teve início às 14h com a performance do artista Márcio Ramos, que declamou o poema “Navio Negreiro” de Castro Alves.
Márcio conta que aprendeu o poema na infância e que após tantos anos aqueles versos continuam fazendo sentido em sua vida. “Muda a forma de transporte, mas o tráfico de pessoas é sempre o mesmo”, disse.
“Navio Negreiro” é um dos poemas mais significativos do romantismo brasileiro, primeiro a ter a figura do negro como herói, explicitando os horrores da escravidão e a luta pela sua abolição.
Após a performance, foi a vez do Trio Curucaca, que animou a festa com interpretações de músicas de Elis Regina, Criolo, Alceu Valença, entre outras.
O forró ficou por conta da banda Regional Sabiá, que fez do pátio da OCEL uma grande roda de dança. O grupo também esquentou o clima para o Maracatu Aroeira, que terminou seu tradicional “arrastão” na Rua São Francisco, em frente à ocupação.
Entre as principais atrações, também teve discotecagem de hip hop, que ficou por conta do pessoal da OCEL.
Os convidados também puderam conhecer o interior do prédio da ocupação, como a biblioteca comunitária, e ficaram sabendo dos próximos projetos para o espaço.
A entrada para o evento, 1kg de alimento não perecível ou R$ 5,00, serão inteiramente revertidos para a comunidade Paiol de Telha e para a OCEL.
O indígena Tuchawa, convidado para compor a feira de artesanato, levou sua família e também assinou os manifestos em apoio à OCEL e ao Paiol de Telha.
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Eixos: Terra, território e justiça espacial