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Organizações e movimentos sociais pedem veto presidencial de projeto de lei da biopirataria


Organizações, movimentos sociais e representantes de camponeses, camponesas, pequenos agricultores e agricultoras, povos e comunidades tradicionais protocolam nesta quarta-feira (5) uma carta endereçada à Presidenta da República, Dilma Rousseff, pedindo o veto ao Projeto de Lei nº. 7735/2014. O documento, com quase 150 assinaturas, critica a construção e o conteúdo do projeto de lei proclamado como “marco regulatório da biodiversidade”.

No texto, as organizações solicitam que haja veto total do projeto, vez que os principais atores, quais sejam, camponeses, pequenos agricultores, povos e comunidades tradicionais foram impedidos de participar da construção do PL. Ao negar o direito à consulta livre, prévia e informada, a construção do PL fere tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Além de falta de abertura de diálogo por parte da Câmara dos Deputados, onze das 23 emendas apresentadas pelo Senado foram derrubadas pelos deputados federais, mesmo que foram construídas a partir da consulta dos grupos afetados.

“Ocorre que sem as emendas derrubadas pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei padece de inconstitucionalidades e colide com o interesse social, e deve ser integralmente vetado”, indica a carta.

Ao mesmo tempo, a aprovação do texto fere o Protocolo de Nagoya Sobre Acesso e Repartição de Benefícios. Esse acordo – ainda não ratificado pelo Brasil por pressão exercida pelo agronegócio – estabelece que as partes interessadas (exploradores e detentores do patrimônio genético ou conhecimento tradicional) cheguem a um acordo sobre o modo de proteção, pesquisa, exploração e repartição de benefícios sobre o patrimônio genético e conhecimentos tradicionais associados.

O documento também indica pontos que, se vetados, diminuirão os impactos de uma possível aprovação do Projeto de Lei.

Em razão da importância de uma análise mais ampla por parte da Presidenta Dilma, o Instituto Socioambiental (ISA) também construiu uma nota técnica com recomendações de  veto. Leia a nota técnica aqui.

Consentimento Prévio

A carta construída por organizações e movimentos sociais pede o veto de inciso que prevê a avaliação de consentimento prévio para acesso ao conhecimento tradicional feita por órgãos oficiais. Dessa forma, o interessado em explorar determinado material genético poderia, por exemplo, recorrer diretamente a algum órgão oficial/governamental para suprir ou substituir a participação do detentor do conhecimento tradicional no consentimento para esse acesso.

Conhecimento Tradicional Intrínseco

Da mesma forma, a carta enviada à Presidenta também pede o veto da parte do Projeto de Lei que determina, em qualquer caso, que o conhecimento tradicional relacionado ao acesso do patrimônio genético de variedades tradicionais ou crioulas relacionadas à alimentação e agricultura, tratar-se-á de conhecimento tradicional de origem não identificável, e por isso, seu acesso não dependeria do consentimento prévio de comunidades tradicionais ou povos indígenas.

Este dispositivo da Lei é uma manobra clara para garantir o amplo acesso às indústrias sementeiras, por exemplo, às sementes crioulas historicamente melhoradas e adaptadas por pequenos agricultores, camponeses, comunidades indígenas, e outras que desenvolvam agricultura. E faz isso porque estabelece, por lei, que não seria possível identificar qual comunidade de agricultores seria responsável pelos conhecimentos tradicionais intrínsecos em determinada variedade crioula de milho, por exemplo.

Direitos dos Guardiões da Agro e Biodiversidade

O texto do projeto de lei também condiciona o direito de usar e vender patrimônio genético a lei de sementes e a lei de proteção de cultivares. O PL cria a possibilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) dizer qual semente é crioula ou tradicional.

Aliás, outro ponto criticado na carta é a indicação do MAPA como órgão fiscalizador de acesso, já que, segundo o documento, esse órgão não tem conhecimento especifico para isso e ignora conhecimentos tradicionais, como o dos agricultores, por exemplo.

Outro ponto dúbio do projeto, no qual a carta indica a necessidade de veto, é também a possibilidade de o usuário explorador escolher quem será beneficiário da repartição de benefícios. Isso porque o explorador pode de escolher não pagar o fundo responsável por aquele “produto” e escolher fazer um curso de capacitação na comunidade de origem dele, o que poderá provocar competitividade entre as comunidades que tentarão liberar o acesso primeiro, para garantir o benefício.

Anistia aos Biopiratas

A isenção da repartição de benefícios sobre exploração econômica de produtos cujo patrimônio genético tenha sido acessado antes de 2000 é outra problemática do Projeto de Lei. Isso significa que os exploradores que tenham acessado produtos antes do ano referido e estejam lucrando com ele agora, não precisam repartir os benefícios com as comunidades de origem.

Caso a presidenta acolha os pedidos de veto, os impactos de um projeto de lei que atende as necessidades dos setores farmacêuticos, indústrias e agronegócio serão minimizados. 

Sobre o Projeto de Lei

O Projeto de Lei 7735/2014, proclamado como “marco regulatório da biodiversidade” foi proposto em regime de urgência pelo Poder Executivo no meio do ano passado. A proposição é considerada uma forma de pagamento pelo financiamento de campanha para atender os interesses das indústrias cosméticas e farmacêuticas criminalizadas pela prática de biopirataria.

Na Câmara dos Deputados, o PL contou com a relatoria do Ruralista Alceu Moreira (aquele que disse que quilombolas, índios, gays, lésbicas, são tudo que não presta), onde foi aprovado acabando com qualquer mecanismo de proteção da agro e da biodiversidade brasileira e aos saberes tradicionais a elas associados.

Após ser discutido pelo Executivo e pela Câmara, foi apenas no Senado Nacional – terceira rodada de discussões –  que 23 emendas foram conquistadas por representantes dos Povos do Campo, das Florestas e das Águas, o que poderia amenizar os impactos desse projeto de lei.

No dia 23 de abril de 2015 o PL voltou do Senado para a Câmara dos Deputados onde começou a tramitar após ser encaminhado pelo Poder Executivo. Outros Projetos de Lei e emendas relacionadas foram apresentados na Câmara, mas foram rejeitados pelo relator ruralista. Graças à mobilização de organizações, e representantes Camponeses, Indígenas, Extrativistas e outros Povos e Comunidades Tradicionais,  o PL contou com alterações que, apesar de não revertem a situação, reduzem seus impactos à agro e à biodiversidade.

Mesmo assim, muitas derrotas permanecem no texto aprovado pelo Senado Federal – entre elas a denominação de Populações Indígenas e Populações Tradicionais, invés de Povos Indígenas e Povos Tradicionais.

Além disso, 11 das 23 emendas apresentadas pelo Senado foram derrubadas pelos deputados federais. Cabe agora à presidenta Dilma sinalizar posicionamento contrário à biopirataria e em favor da agro e biodiversidade brasileira, protegendo os seus guardiões, os detentores de saberes e conhecimentos tradicionais, em fim os povos dos campos, das florestas e das águas.



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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