Syngenta condenada: Justiça responsabiliza empresa por morte de sem terra no Paraná
Ataque ocorrido em 2007 resultou no assassinato do trabalhador rural Keno e no ferimento de outros três camponeses. Condenação da Syngenta é bem vista por movimentos sociais, em razão da dificuldade de responsabilizar empresas pelas violações de direitos que cometem.
Empresa suíça produtora de transgênicos e agrotóxicos, a Syngenta Seeds foi judicialmente responsabilizada pelo assassinato do trabalhador rural Valmir Mota de Oliveira (conhecido como Keno) e pela tentativa de assassinato de Isabel do Nascimento de Souza. Os dois eram integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e foram vítimas do ataque de milícia privada armada em 2007.
A decisão, proferida pelo juiz de direito Pedro Ivo Moreiro, da 1ª Vara Cível da Comarca de Cascavel, foi publicada no Diário Oficial do estado nesta terça feira (17). A sentença determina que a empresa indenize os familiares de Keno e a vítima Isabel pelos danos morais e materiais que causou. A ação foi ajuizada no ano de 2010, como tentativa de obter respostas do Estado quanto à responsabilidade da Syngenta pelo ataque realizado pela milícia.
A decisão é vista com bons olhos por movimentos sociais e organizações de direitos humanos, uma vez que a responsabilização de empresas por violações de direitos humanos é um desafio de ordem global. “Atualmente as empresas transnacionais têm grande liberdade para atuação transnacional, mas não há normas e nem mecanismos nacionais e internacionais suficientes para obrigar as empresas a respeitar direitos humanos, bem como para responsabilizá-las em casos de violação. A responsabilização da Syngenta, neste caso, é exceção à regra”, explica o advogado popular da Terra de Direitos, Fernando Prioste, que acompanha o caso.
Sobre a decisão
O juiz reconheceu que o fato ocorrido na estação experimental da empresa Syngenta foi um verdadeiro massacre. Em sua decisão, afirma que “chamar o ocorrido de confronto é fechar os olhos para a realidade, pois […] não há duvida de que o ocorrido, em verdade, foi um massacre travestido de reintegração de posse”. Com isso, a versão apresentada pela Syngenta foi rechaçada pelo Poder Judiciário. A empresa alegava que o ataque ocorrido em 2007 seria resultado de um confronto entre milicianos e integrantes da Via Campesina.
Em sua defesa, a Syngenta reconheceu a ilegalidade da ação da milícia privada, assim como o cunho ideológico da ação contra a Via Campesina e o MST. A empresa afirmou que “mais do que proteção desta ou daquela fazenda, fica claro que a milícia tinha por objetivo a defesa de uma posição ideológica que contrapunha aquela do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], de modo a propagar a ideia de que a cada ação corresponde uma reação.” Com isso, a transnacional tentava se esquivar de sua responsabilidade, alegando que o ataque não foi realizado pela empresa por ela contratada, mas por uma milícia a mando de fazendeiros.
Contudo, em sua decisão o juiz reconheceu que a “má escolha na terceirização da segurança, assim como o financiamento indireto das atividades ilícitas, constitui fato gerador de responsabilidade civil”. Além disso, reprovou com veemência o ataque realizado ao afirmar que “por mais reprovável e ilegítima que fosse a invasão da propriedade, não seria o caso de agir por conta própria, impondo pena de morte aos ocupantes, mas sim de procurar os meios legais de solução do conflito, afinal, o ordenamento jurídico considera crime o exercício arbitrário das próprias razões”. Assim, decisão judicial que condenou a Syngenta não só reafirma o cunho ideológico da ação miliciana, como vincula a Syngenta a essa ação.
A decisão judicial ainda não é definitiva. A Syngenta, através de seu defensor Renne Ariel Dotti, poderá recorrer ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Para o advogado popular da Terra de Direitos, Fernando Prioste, espera-se que o Tribunal mantenha a decisão para restabelecer a verdade sobre os fatos ocorridos em outubro de 2007. “As provas são contundentes contra a empresa”, aponta. “Uma eventual absolvição da Syngenta importaria em anuência do sistema de justiça a massacres como o ocorrido no caso”.
Exceção à regra
Questionada sobre a decisão, Isabel Nascimento dos Santos disse estar feliz, muito além da indenização financeira. Gravemente ferida durante o ataque idealizado pela Syngenta em 2007, a agricultora destaca o reconhecimento, por parte da Justiça, da responsabilidade da empresa no caso.
“Agora é levantar a cabeça, tentando esquecer um pouco do sofrimento que tivemos”. A luta acaba? "Jamais! Vamos em frente, dando continuidade também ao trabalho do Keno”.
Representante do MST da região de Cascavel, Eduardo Rodrigues destaca a importância da decisão. Segundo ele, é comum a impunidade das grandes empresas que violam os direitos, ao mesmo tempo em que é frequente que integrantes do movimento sejam criminalizados por sua luta de oposição ao modelo do agronegócio. “O ataque não aconteceu sem o conhecimento da multinacional”, denuncia o agricultor. “Eles não deram só o apoio institucional, mas o apoio financeiro e a logística.”
Eduardo diz desejar que essa decisão seja estendida a outros casos de responsabilização das empresas pelos ataques que cometem. “Espero que essa decisão possa fortalecer nossa luta, dando visibilidade para nossos companheiros”.
Os muitos obstáculos existentes para fazer com que empresas respeitem direitos humanos, e sejam responsabilizadas pelas violações que cometem, fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) passasse a debater o estabelecimento de um tratado internacional vinculante que crie mecanismos de prevenção, reparação e responsabilização no tema de empresas e direitos humanos.
O grupo e trabalho da ONU que desenvolve atividades para o estabelecimento de um tratado internacional no tema de empresas e direitos humanos visitará o Brasil no mês de dezembro. Espera-se que os representantes da ONU possam utilizar o caso da condenação da Syngenta como referência para responsabilização de grandes empresas que cometem violações de direitos humanos através de empresas terceirizadas.
Sobre o caso
No dia 21 de outubro de 2007 cerca de 40 pistoleiros da empresa “NF Segurança” atacaram o acampamento da Via Campesina localizado no campo de experimento de transgênicos da transnacional Syngenta, em Santa Tereza do Oeste (PR). O local havia sido reocupado por cerca de 150 integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) pela manhã.
Os ocupantes denunciavam a realização de experimentos ilegais com milho transgênico em zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu. Os integrantes da Via Campesina também buscavam denunciar as empresas de biotecnologia que atuam de forma a impor um modelo de agricultura que gera danos ambientais com a utilização de transgênicos e agrotóxicos, de modo que inviabilizam a produção de alimentos saudáveis pelos camponeses, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.
Uma milícia fortemente armada da NF Segurança, a serviço da Syngenta, invadiu o local disparando tiros em direção às pessoas que ocupavam o espaço. A empresa de segurança contratada pela transnacional é acusada de empregar seguranças de forma ilegal para as operações de ataque. Além de Keno, os atiradores balearam e espancaram Isabel e feriram outros três agricultores.
Detentora de 19% do mercado de agroquímica e terceira empresa com maior lucro na comercialização de sementes no mundo, atrás apenas da Monsanto e da Dupont, a Syngenta, junto a outras transnacionais, agrava o cenário de violência no campo com a imposição de um modelo de agricultura baseado na monocultura, na super exploração do trabalhador, na degradação ambiental, na utilização de agrotóxicos e na apropriação privada de recursos naturais e genéticos.
Na área em que ocorreram os fatos atualmente funciona o Centro de Pesquisas em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira, o “Keno”.
>> Sobre o tema da responsabilização de empresas por violações de direitos humanos a Terra de Direitos desenvolveu um guia para auxiliar na avaliação sobre possibilidades de litigar contra empresas em âmbito internacional.
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