Caso Sétimo Garibaldi: a seletividade penal brasileira em julgamento
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Apesar da Corte Interamericana de Direitos Humanos ter condenado o Estado brasileiro pela falta de investigação referente ao assassinato do agricultor Sétimo Garibaldi, o sistema de justiça nacional insiste em impedir o prosseguimento da apuração do fato. Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Garibaldi foi morto em 1998 por uma milícia armada.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou, em 23 de fevereiro, o julgamento do recurso em que se discute a possibilidade de reabertura do inquérito policial que apurava o assassinato do trabalhador sem terra Sétimo Garibaldi.
Em 2012, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná arquivou ação penal que imputava ao fazendeiro Morival Favoreto a autoria do homicídio. O arquivamento da ação penal, segundo o TJPR, deveria ocorrer porque em 2004 o Ministério Público, sob a alegação de inexistência de provas, arquivou o inquérito policial relacionado ao caso.
Entretanto, meses antes da condenação do Estado brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Ministério Público chegou a reabrir, em abril de 2009, o inquérito policial com fundamento em dois novos depoimentos prestados por integrante do MST junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Após a reabertura do inquérito, foram realizados mais oito depoimentos, o interrogatório de Favoreto e também a perícia em arma de fogo, elementos de prova que, somados aos já existentes, foram suficientes para denunciar Morival Favoreto pelo assassinato de Garibaldi.
Ainda que o TJPR tenha reconhecido que antes do arquivamento "os elementos probatórios existentes nos autos de inquérito policial arquivado eram suficientes para suportar o oferecimento, com justa causa, de denúncia contra" Morival, o caso foi novamente arquivado em 2012, pois não haveria no processo, após o desarquivamento, provas mais contundentes do que aquelas já existentes no inquérito desde 2004.
Com isso, o TJPR afirma que o Ministério Público e o próprio Tribunal erraram em 2004 quando arquivaram o caso, mas agora não seria possível reabrir o processo porque não teria surgido, após 2009, uma prova substancialmente nova contra Favoreto.
Dessa decisão do TJPR foi apresentado Recurso Especial para que o STJ aprecie a possibilidade de continuar a tramitação da ação penal contra o fazendeiro Favoreto.
O julgamento desse recurso, que teve continuidade mês passado, foi iniciado em dezembro de 2015. Na ocasião, o desembargador convocado Ericson Maranho votou pelo arquivamento. No dia 23 de fevereiro o Ministro Rogério Schietti votou pela continuidade da ação penal, quando houve então pedido de vistas pelo Ministro Sebastião Reis.
O julgamento, empatado em um a um, não tem data para ser retomado. Faltam votar ainda os Ministros Sebastião Reis e Nefi Cordeiro.
Seletividade penal: contra fazendeiros nada
Em tempos de Operação Lava Jato e em que o Supremo Tribunal Federal viola o direito fundamental de presunção de inocência e autoriza a prisão de réus após decisão de segunda instância, sem que haja trânsito em julgado, é emblemático que o caso de Garibaldi sequer possa ser apreciado pela justiça, considerando que a vítima do crime é um trabalhador sem terra e o autor um fazendeiro.
A situação reflete a seletividade do sistema penal brasileiro, pois mesmo havendo provas contundentes contra Morival Favoreto, o erro do próprio Tribunal está impedindo a investigação. A situação seria a mesma caso o réu fosse um trabalhador sem terra acusado de matar um fazendeiro?
A criminalização dos movimentos sociais é cada vez mais nítida. Exemplo disso é a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei Antiterrorismo (PL 2016/15), em fevereiro. A proposta traz uma tipificação ampla para o crime de terrorismo, que poderá ser usada contra movimentos sociais e manifestações.
Entenda o caso Sétimo Garibaldi
Sétimo Garibaldi foi morto em Querência do Norte, noroeste do Paraná, em uma ação com pistoleiros encapuzados que fizeram o despejo criminoso de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Com conivência das autoridades locais, o inquérito do caso foi arquivado e ninguém foi denunciado – apesar dos indícios e das inúmeras testemunhas que garantiram que a ação foi comandada pelo fazendeiro Morival Favoreto e pelo capataz Ailton Lobato, já falecido.
O caso do assassinato de Sétimo foi denunciado em 2003 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que foi informada também do posterior arquivamento, não fundamentado, do inquérito policial.
Em 2007, a CIDH submeteu o caso à Corte, o que resultou na condenação do Estado brasileiro. A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA declarou, por unanimidade, que o Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em prejuízo aos familiares de Sétimo. A instância apontou a morosidade das forças policiais e da Justiça. Para a OEA, “as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável”.
Antes mesmo da condenação na OEA o Estado brasileiro buscou reabrir o inquérito e prosseguir nas investigações. Em 2011, o processo criminal foi iniciado, uma vez que existem provas suficientes contra Morival Favoreto. Ainda em dezembro do mesmo ano chegou a ser realizada a primeira audiência do caso, em que testemunha voltou a apontar Favoreto como responsável pelo homicídio. Contudo a decisão do TJPR voltou a arquivar o caso, no ano seguinte.
Em reação a tal situação, o Ministério Público do Paraná apresentou recurso para anulação da decisão, que está sendo agora julgado pelo STJ.
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