Inconstitucionalidades do Novo Código Florestal serão discutidas em audiência pública no STF
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos
Na mira de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), a Lei Federal 12.651/12, conhecida como Novo Código Florestal, será discutida de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 18 de abril. Convocada pelo ministro Luiz Fux, a audiência pretende esclarecer questões técnicas a respeito da aplicação da nova legislação em áreas rurais e urbanas e seus impactos econômicos e socioambientais.
Em âmbito legislativo, a participação e escuta dos povos mais atingidos pelos mecanismos previstos no Código foram desrespeitadas durante o processo de aprovação, que se deu à revelia de agricultores, povos e comunidades indígenas e tradicionais, principais atingidos pelos mecanismos de financeirização da natureza trazidos pela lei.
ADIs em debate
Na audiência promovida pelo STF, serão contempladas exposições de técnicos de institutos ambientais, cientistas e outros especialistas que estudam a matéria socioambiental, as questões ligadas aos conflitos socioambientais e comunidades tradicionais que tem seu modo de vida associado a biodiversidade.
Os expositores indicados terão 10 minutos para suas intervenções sobre a nova lei – espaço que não existiu no processo de aprovação da lei. A relação dos expositores que irão participar da audiência pública, já foi divulgada pelo STF. A TV Justiça e Rádio Justiça transmitirão o evento ao vivo.
Inconstitucionalidade
A importância deste debate – já evidenciada por pesquisadores, organizações, entidades e movimentos sociais, ficou ainda mais latente após a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizar três ADIs (4901, 4902 e 4903) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ajuizar uma última (4937). Em razão da relevância da matéria, foi pedida a adoção do chamado “rito abreviado”, que permite o julgamento diretamente pelo plenário do STF.
As ações questionam dispositivos relacionados às áreas de preservação permanente, à redução da reserva legal, à anistia para quem promove degradação ambiental e descumprimento da função social da propriedade. A nova lei deixa de recuperar mais de 29 milhões de hectares que foram desmatados até julho de 2008, e permite que outros 88 milhões de hectares sem desmatados – área que equivale ao tamanho dos países Itália e França, somados.
Na briga entre a livre iniciativa do agronegócio de um lado e a preservação ambiental e processos ecológicos do outro, destacam-se os conflitos em torno do uso e ocupação do solo no Brasil. Áreas improdutivas que tenham vegetação nativa – que não necessariamente são áreas com cobertura florestal – podem ser incorporadas em Cotas de Reserva Ambiental (CRA). A partir disso, a área passa a ser considerada produtiva. Com isso, mesmo que improdutivas e que não cumpram a função socioambiental – prevista na Constituição Federal –, as áreas não podem ser destinadas para fins de reforma agrária.
A nova legislação e o direito à terra
Contestado em âmbito jurídico pela transferência da tutela ambiental da gestão pública e do direito administrativo e constitucional para a esfera privada, o novo Código Florestal irá adensar muito os conflitos de terra e também pode desnaturar o princípio da função social da propriedade. A transferência da tutela ambiental se dará dentro de bolsas e mercados de valores, configurando não uma medida de proteção ambiental, mas um indutor de desmatamento ambiental.
Além de anistiar e diminuir o tamanho da composição da reserva legal, o Código instituiu instrumentos de compensação ambiental. Ou seja, o latifundiário que desmatou sua área, ao invés de recompor, pode comprar ou arrendar uma área equivalente no mesmo bioma. Desta forma, grandes latifundiários podem passar do banco de réus para prestadores de serviços ambientais.
Entenda alguns dispositivos inconstitucionais:
ADI 4901 – Reserva legal
Sob relatoria do ministro Luiz Fux, a ADI da PGR questiona o artigo 12 da Constituição Federal (parágrafos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º), que trata da redução da reserva legal – área de vegetação natural que deve ser protegida, mas pode ser explorada de forma sustentável.
Advogada popular e autora do livro “Novo Código Florestal e pagamentos por serviços ambientais”, Larissa Packer explica que a regressão do estatuto de proteção ambiental na extensão de terras protegidas com florestas é muito grande.
“É uma violação enorme ao princípio do não retrocesso socioambiental. Olha a modificação: na Amazônia legal, de 80% que deveria ser recuperado, agora pode chegar a apenas 20% nas áreas de campos gerais, ou seja, nas áreas em que a floresta foi desmatada. Você tem cerca de 60% de área a menos na Amazônia legal, áreas que foram historicamente desmatadas são legalizadas". Larissa destaca que a quantidade de solo que passa a ser não mais das florestas e de conservação ecológica, serão transformadas principalmente em áreas de avanço da fronteira agrícola e do agronegócio.
>> Confira a petição na íntegra: Parte I | Parte 2
ADI 4902 – Anistia para desmatadores
Esta ADI questiona temas relacionados à recuperação de áreas desmatadas e medidas que desestimulariam a recomposição da vegetação original. Instrumentos de compensação ambiental determinam que áreas desmatadas podem ser compensadas através da compra ou arrendamento de áreas com mata no mesmo bioma. Com isso, a área desmatada não é recomposta.
"A compensação ambiental não amplia a área verde no país, mas legaliza o desmatamento histórico de uns, em áreas em que já existia vegetação nativa. Deste modo, não se recompõem as áreas desmatadas", aponta Larissa.
>> Confira a petição na íntegra: Parte I | Parte 2
ADI 4903 – Anistia em Áreas de Preservação Permanente
A ADI questiona a redução das Áreas de Preservação Permanente (APPs), onde não é permitido o uso direto, prevista pela nova legislação. Entre os pedidos da ação, a PGR ressalta que, quanto às áreas de preservação permanente dos reservatórios artificiais, deverão ser observados os padrões mínimos de proteção estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente.
Segundo a advogada, quando você chega nas áreas acima de 4 módulos fiscais, que são os médios e grandes proprietários, existe a exigência de recuperar no mínimo 20 metros e no máximo 100 metros, sendo que a Lei exige o mínimo de 30 metros e o máximo de 500 metros de áreas de preservação permanente ao longo dos rios. “Você tem uma anistia de até quase 400 metros de recuperação para os grandes e médios produtores rurais. Aqueles que têm a maior área, aqueles que têm a maior capacidade de ter uma área de preservação permanente maior, são aqueles que proporcionalmente têm a maior anistia. São aqueles que vão ter que recompor menos”, ressalta.
>> Confira a petição na íntegra: Parte I | Parte 2
ADI 4937 – Mecanismos de compensação
Sob relatoria de Luiz Fux, a ADI destaca que o artigo 225 da Constituição Federal, estabeleceu que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Assim, pede a inconstitucionalidade do artigo 47 do Código Florestal, por violar a função socioambiental.
Com a criação da Cota de Reserva Ambiental (CRA), título normativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação, prevista pela nova legislação, é possível que qualquer proprietário rural que tenha uma área de cobertura verde, ou seja, vegetação nativa em qualquer estágio de proteção ambiental, pode ser até áreas desmatadas, já que áreas de vegetação nativas não são necessariamente áreas de florestas em pé, possam emitir um título transacionável em bolsas de valores e mercados futuros.
“Aquele agricultor que não tem Reserva Legal pode compensá-la adquirindo esse título na bolsa de valores. Então neste momento você transfere a gestão da tutela ambiental do poder público e do direito público, para o âmbito privado e para o direito privado.As áreas de compensação vão ser gestionadas não mais por órgãos ambientais, e seu preço será fixado conforme as dinâmicas do mercado financeiro nas bolsas de valores e mercadorias”, ressalta a advogada Larissa Packer.
Para ela, esse mecanismo permite a criação de um mercado de direitos transacionáveis, em que a Lei fixa meta mínima de proteção ambiental ao mesmo tempo em que autoriza seu cumprimento através do mercado, com a aquisição de ativos ambientais, como a CRA. No entanto, esta transferência de tutela do bem ambiental para as leis da oferta e da procura e de acordo com o custo de oportunidade se materializa como um indutor do desmatamento. Isto porque, quanto mais escassa a mercadoria que o título representa - vegetação nativa - menor a oferta, maior a procura e o preço do mercado de CRAs. Nestes termos, quanto mais próspera a "economia marrom" - desmatamento e poluição - mais próspera a "economia verde" - o mercado de ativos ambientais. "Trata-se de um cálculo econômico e nada tem a ver com proteção ambiental - pelo contrário, representa um forte retrocesso no status de proteção ambiental", avalia Larissa.
Segundo o PSOL, a cota de reserva ambiental e a servidão ambiental não estão em conformidade com o artigo 225, caput, e parágrafo 1º, incisos I e III, da Constituição Federal.
>> Confira a petição na íntegra.
Programação
Audiência Pública sobre as inconstitucionalidades do Novo Código Florestal no STF
Data: 18 de abril, às 14h
Local:Sala de Sessões da 1ª Turma do STF, 3º andar do Anexo II, Brasília/DF
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar