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Carta protesto contra prisões em SC


A Terra de Direitos, organização civil que atua pelos Direitos Humanos, e o Movimento dos Atingidos por Barragens vêm manifestar sua preocupação com a orientação dos órgãos públicos de segurança e com a conduta do próprio Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, que criminalizaram movimento popular e protestos sociais, violando a liberdade de manifestação e a livre expressão do pensamento, ao ferir o princípio constitucional da presunção de inocência e da fundamentação das decisões judiciais.Em operação ocorrida na manhã do sábado dia 12 de março de 2005 policiais militares, numa declarada repressão política para impedir manifestação pública programada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) por ocasião do "Dia Internacional de Luta Contra as Barragens", 14 de março, realizaram a prisão de cinco pequenos agricultores ligados ao Movimento e a apreensão de dezesseis veículos e quatro antigas garruchas de caça, uma das quais inutilizada há tempos. Um outro trabalhador rural foi preso na segunda-feira dia 14 de março último, quando se dirigiu à delegacia de Campos Novos, atendendo a solicitação deixada no sábado por policiais que não o localizaram em sua casa, a qual foi arrombada e parcialmente destruída. Seu ônibus, que realiza o transporte escolar, também foi apreendido, deixando 55 crianças da rede municipal e estadual de ensino, sem transporte escolar. As famílias dos agricultores com carros apreendidos estão isoladas em comunidades que não contam com transporte público. Chama atenção o número do efetivo policial destacado para realizar as prisões e a busca e apreensão. Eram 10 viaturas com cerca de vinte policiais, fortemente armados, que chegaram de madrugada percorrendo as pequenas propriedades onde moram os agricultores. Arrombaram portas, destruíram móveis, quebraram veículos, estragaram barracos de lona, rasgaram faixas com os dizeres "águas para a vida, não para a morte", apreenderam cartilhas do movimento sobre a organização dos atingidos e o modelo energético brasileiro. Também foram apreendidas caixas de som que eram utilizadas nas mobilizações populares. Os policiais militares instalaram terror psicológico nos familiares daqueles com prisão preventiva decretada que não eram encontrados. Mantiveram mulheres e crianças detidas em suas próprias residências por horas ameaçando-as e injuriando-as de diversas formas. Muitos dos agricultores foram presos quando trabalhavam a roça de onde tiram o sustento de suas famílias, sendo agredidos física e moralmente pelos policiais militares catarinenses. Ainda existem quatro ordens de prisão preventiva para serem cumpridas. Édio Grasse, do município de Celso Ramos, encontrava-se na lavoura com seu filho de sete anos quando o batalhão chegou. A criança foi levada presa junto com o pai até a delegacia de Campos Novos. Dorneles Vicente, de Anita Garibaldi, foi preso em sua casa, enquanto sua filha ainda estava dormindo. Carlos Grasse, irmão de Édio, foi preso, algemado e conduzido à delegacia onde, somente então, se verificou tratar-se de um engano. Os policiais militares tinham mandado contra Carlos da Silva, trabalhador rural de Campos Novos que, quando perguntou o motivo pelo qual estava sendo preso, foi agredido com socos no estômago, e quando pediu para trocar de roupa, já que estava na lida com a lavoura, foi novamente agredido. Leodato Vicente, um senhor de 70 anos, de Campos Novos, foi preso na frente de sua esposa Maria de Lurdes, quando estava saindo com seu caminhão boiadeiro, sob a alegação de que ia transportar gente do MAB nas mobilizações previstas para 14 de março. Levaram apreendido seu caminhão depois de revistarem sua casa, causando desordem e estragos, arrombando portas e objetos domésticos. Aurélio Dutra, de Anita Garibaldi, que há poucos dias acertou sua indenização com a empresa ENERCAN, controlada pelo Grupo Camargo Correia, sob a promessa de que não seria mais incomodado pela empresa, também foi preso. Danilo Olterbach teve também ordem de prisão decretada somente por ceder parte do terreno de seu sítio para o acampamento dos atingidos pela barragem. Como acompanhava a formatura universitária do filho não foi preso, mas sua casa teve a porta arrombada, sendo revirada em revista por policiais que lá encontraram as velhas garruchas por ele colecionadas, antigas armas de caça sem outra utilidade. Os pequenos agricultores, sem serem informados dos motivos de sua prisão e dos crimes que lhes são imputados, depois de passarem pela delegacia de Campos Novos, foram conduzidos até o Presídio Regional de Joaçaba, a 120 km de Anita Garibaldi, onde, pela distância, não recebem visitas de familiares. Os detidos sequer foram submetidos a exames de lesões corporais antes de serem encarcerados. Afora a truculência, as ofensas morais e agressões físicas praticadas pelos policiais militares contra os agricultores e suas famílias, verifica-se que a ordem judicial prolatada pelo Juízo da Primeira Vara Criminal de Campos Novos imputa genericamente "vários crimes" (formação de quadrilha voltada à prática de extorsão, ameaça, lesão corporal, dano, apologia e incitação ao crime) sempre se referindo na terceira pessoa aos integrantes do "bando", sem individualizar as condutas e presumindo a culpa dos atingidos pela Barragem de Campos Novos. O entendimento do judiciário local a propósito do que vem a ser ordem social ameaçada merece melhor ponderação. A conduta da empresa de não indenizar a totalidade dos atingidos, afeta grande número de famílias que ficarão sem suas terras, e, por extensão, sem os meios para garantir trabalho, moradia, alimentação, até mesmo, a própria cultura camponesa. As quais, com isso, possivelmente, virão para as cidades, onde ante toda sorte de precariedade das políticas públicas acabarão aumentando o quadro de degradação sócio-econômica dos municípios brasileiros. A ENERCAN, que em audiência realizada em 23 de novembro de 2004 havia assumido compromisso com o MAB de aceitar as indicações de pessoas que não foram contempladas no programa de indenização da empresa, manifestamente incentivou outra organização independente nas comunidades rurais para cadastramento dos atingidos por sua barragem. O que motivou a retomada das mobilizações e o acirramento dos ânimos entre os atingidos pela barragem foi, justamente, o critério para cadastramento que passou a ser: aqueles que são ligados ao MAB não têm direito. O argumento utilizado pela Juíza Dra. Adriana Lisboa, de que o movimento estaria afrontando o regime democrático de direito, não se sustenta posto ser justamente este regime, a partir da Constituição Federal de 1988, que garante o direito de manifestação popular e os protestos sociais, a liberdade de associação e a livre expressão do pensamento. O povo não pode se calar diante das injustiças perpetradas pelo poder político e econômico. Os integrantes do Movimento não se furtaram à aplicação da lei, nem dificultaram a ação da polícia como bem demonstra a conduta de João Vilmar de Oliveira que se apresentou na delegacia de Campos Novos, no dia 14 de março, atendendo a chamado policial, e acabou preso aumentando para seis o número dos detidos. Todos os agricultores levados à prisão têm morada fixa, profissão lícita, bons antecedentes, sendo que foi fácil identificá-los e localizá-los nas comunidades em que residem, onde são conhecidos pelos moradores e vizinhos. Trata-se de prisões infundadas, motivadas por perseguição política, o que remonta aos idos do autoritarismo militar que, nestes 20 anos de "Nova República", ainda não foi superado no Brasil. Repudia-se o ocorrido, principalmente, porque a postura dos órgãos públicos de segurança e do conjunto do Poder Judiciário catarinense não tem sido a mesma quando se trata de garantir o cumprimento da lei e a ordem pública frente aos crimes administrativos e ambientais praticados pelas empresas nacionais e transnacionais concessionárias dos empreendimentos hidrelétricos no Estado de Santa Catarina, muitos dos quais somente foram viabilizados mediante fraude em suas avaliações de impactos ambientais, como no caso de Barra Grande. A Terra de Direitos e o Movimento dos Atingidos por Barragens requerem seja restabelecido o direito constitucional de manifestação popular e a imediata liberação dos agricultores presos, assim como a revogação das demais ordens de prisão preventivas, e a restituição dos veículos apreendidos. Requerem, ainda, sejam apuradas as denúncias de manipulação por parte da ENERCAN do cadastramento das famílias com direito à indenização, atingidas pela Barragem de Campos Novos. Bem como, requerem sejam investigados os abusos cometidos pelo efetivo policial deslocado para cumprir referida ordem judicial. Curitiba, Paraná, 17 de março de 2004 Leandro Franklin Gorsdorf - Coordenador Executivo - Terra de Direitos Guilherme Eidt Gonçalves de Almeida - Assessor Jurídico - Terra de Direitos Leandro Scalabrin - Assessor Jurídico - Movimento dos Atingidos por Barragens Autor/Fonte: Terra de Direitos / MAB



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Democratização da justica e garantia dos direitos humanos, Política e cultura dos direitos humanos