A Guarda Municipal de Curitiba e a repressão às manifestações
Terra de Direitos
A Guarda Municipal de Curitiba mais uma vez demonstra o preparo institucional para repressão das manifestações da sociedade civil curitibana. Como exemplo da fúria da Administração Municipal contra a opinião da população organizada, o protesto estudantil pela gratuidade do passe estudantil para todos os estudantes da rede pública de ensino no dia 02 de abril de 2008 foi duramente reprimido pelos agentes da Guarda, que ainda detiveram três estudantes, sob alegação de "dano ao patrimônio público" e desacato à autoridade. A ação da Guarda Municipal ocorreu quando os estudantes supostamente estariam "furando o tubo" ou "pulando a catraca" na estação-tubo Central, atrás do Correio, no Centro da capital paranaense.
Analisando os fatos, considero que se tratam de informações falaciosas. Primeiramente, hoje (04/04) estive na estação-tubo Central e conferi pessoalmente que dano algum houve ao patrimônio municipal. E em relação à autoridade supostamente desacatada, pode-se dizer que a reivindicação de direitos não se constitui por si só um crime. É importante ressaltar que para se exigir respeito, deve-se primeiramente respeitar o cidadão.
Histórico de desrespeito aos direitos dos cidadãos curitibanos Entretanto, o abuso de autoridade e o desvio de função parecem características da Guarda Municipal de Curitiba, como comprovam eventos recentes. Em 1º de outubro de 2003, a Guarda Municipal reprimiu violentamente homens, mulheres e crianças em um terreno hoje conhecido como Moradias Sambaqui, agredindo e prendendo injustamente as pessoas.
Novamente em 14 de agosto de 2007, a Guarda Municipal, agora na área regularizada, realizou um despejo violento da Associação de Moradores da Vila Moradias Sambaqui, no Sítio Cercado, quando a ativista do movimento de moradia Sra. Eliane Guenze da Silva foi agredida e presa e mais três pessoas ficaram feridas, dentre elas uma adolescente de dezesseis anos.
Assustou e indignou ainda a sociedade organizada o fato de o despejo ter sido feito sem mandado judicial. O terreno estava sendo requerido administrativamente e era utilizado pela comunidade há meses e nenhum outro espaço foi assegurado para construção do Centro Comunitário. Na ocasião, os moradores registraram ocorrência na Delegacia de Polícia contra os Guardas Municipais por abuso de autoridade e lesões corporais.
A repressão e continuidade da perseguição à ativista Eliane pelo processo judicial que ainda tramita na Justiça foram denunciadas para a Relatora sobre Defensores de Direitos Humanos da ONU Hila Jilani, com o intuito de que a apuração e intervenção dos organismos internacionais orientem o Poder Público Municipal para o respeito à organização popular e dos direitos humanos.
Durante os trabalhos da "CPI das Invasões" da Câmara Municipal de Curitiba em maio de 2007, a Prefeitura apresentou um "dossiê" de informações pessoais de possíveis lideranças de ocupações de terra urbana. Para tanto, foi utilizado um aparato de investigação, verdadeira "arapongagem", semelhante à existente no regime militar. As ações desregradas dos agentes públicos demonstram que a Guarda Municipal de Curitiba tem a pretensão de substituir a Polícia Militar.
Porém, as Guardas Municipais tem limites impostos pela Constituição Federal, e sua competência não pode ser alargada indiscriminadamente por um decreto municipal, como o que criou a Guarda de Curitiba, ou por uma lei municipal como pretende desavisadamente o Vereador Celso Torquato (PSDB).
Limites constitucionais da Guarda Municipal e participação da população no seu controle As Guardas Municipais têm claro fundamento constitucional, no art. 144, parágrafo 8º da Constituição Federal, a lei maior do país, que disciplina que "os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei". Portanto, a competência municipal para criação da Guarda restringe a atuação da corporação na defesa do patrimônio público municipal, vale dizer, para os terrenos, construções, praças, monumentos etc.
Além de descabida, a sugestão do Vereador pretende também usurpar o poder exclusivo da Polícia Militar do Estado do Paraná, que possui a competência constitucional de força pública e cumprimento de mandados da Justiça Estadual. Juridicamente, trata-se de invasão de competência que deve ser resolvida antes que ocorram maiores prejuízos à população curitibana. Nos próximos meses, haverá definição quanto à diretrizes e os poderes da Guarda Municipal através da elaboração do Plano Municipal de Defesa Pública e Social, obrigatório pelo artigo 88, inciso V, da Lei 11.226, de 16 de dezembro de 2006 -¬ Plano Diretor de Curitiba. É importante ressaltar que este Plano deveria ter sido elaborado até dezembro do ano passado, mas não houve interesse desta Administração em regulamentar e estabelecer diretrizes de ação na questão da segurança pública e dos direitos humanos em Curitiba.
Portanto, a população curitibana terá o direito à participação assegurada na elaboração e monitoramento deste Plano, em formato de lei, que delimitará as funções e competências da Guarda Municipal Metropolitana. Quanto à elaboração deste plano, bem como todos os demais planos setoriais exigidos no artigo 88 da Lei do Plano Diretor de Curitiba, cabe dizer que não houve qualquer audiência pública com tal pauta. A população e os estudantes atingidos têm o direito que aprovar um verdadeiro plano de segurança que respeite a circulação e a liberdade de expressão dos cidadãos.
Respostas infundadas Sobre a repressão estudantil no dia 02 de abril, em resposta à imprensa no dia 03 de abril de 2008, a Prefeitura de Curitiba e o Secretário de Defesa Social Cel. Itamar dos Santos transferiram a responsabilidade pelas arbitrariedades para seus adversários eleitorais do Governo Estadual, dizendo que o "protesto teve cunho político".
É deprimente que além de agir ilegalmente, abusando da força contra jovens do ensino médio e organizações estudantis, a resposta ainda seja a tentativa de angariar alguns votos no pleito de outubro próximo. Independente das tentativas de desqualificação, as manifestações para defesa e garantia dos direitos sociais devem existir e serem respeitadas, apesar da insistência dos governos e agentes econômicos em perseguir, prender e criminalizar lideranças.
Em resumo, a estrutura repressiva que está sendo montada pela Prefeitura Municipal de Curitiba através da Guarda Municipal parece espelhada no aparato repressivo e terrorista de perseguição aos movimentos sociais organizado pelo Governo Jaime Lerner na década de 1990. Diante disto, cabe à sociedade organizada e ao Ministério Público apurarem e orientarem as ações desta Guarda Municipal, que atualmente está transformando seu sonho de ser Polícia em pesadelo para os cidadãos curitibanos.
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Conflitos Fundiários
Casos Emblemáticos: Vila Sambaqui
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos