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Obstáculos da reforma agrária vão do administrativo ao Judicial


Começa hoje (10), em Brasília, o Acampamento Nacional pela Reforma Agrária, onde cerca de 3 mil camponeses estarão mobilizados até o dia 21 de agosto. De acordo com nota publicada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, os objetivos do acampamento são “denunciar que a reforma agrária continua parada e à margem do desenvolvimento do país, e exigir que o Estado garanta os pontos estruturantes da pauta dos movimentos sociais, como o assentamento das 100 mil famílias acampadas, crédito para produção, habitação rural, educação e saúde. Existem famílias acampadas há mais de cinco anos, vivendo em situação bastante difícil à beira de estradas e em áreas ocupadas, vítimas da violência do latifúndio e do agronegócio”.

Muito além de Brasília, trabalhadores e trabalhadoras rurais se mobilizarão por todo o país em atos para reivindicar o direito à terra e a efetivação de políticas públicas de direitos humanos. Somente em Pernambuco, cerca de 2.500 trabalhadores/as farão uma marcha do município de Pombos até a capital, Recife, onde haverá manifestações e encontros com órgãos públicos que possuem o dever de garantir o acesso e a permanência na terra.

Desde 2006, a Terra de Direitos acompanha em Pernambuco casos emblemáticos de luta pelo direito à terra. Durante esses anos de assessoria jurídica popular e de acompanhamento dos movimentos sociais, temos percebido que são vários os obstáculos para a efetivação da reforma agrária. Existem os problemas estruturais constantemente denunciados, como a precariedade do orçamento público e da estrutura do INCRA, a falta de atualização dos índices de produtividade, o caráter subsidiário da política pública de direito à terra em relação às demais políticas de “desenvolvimento” etc. Mas, no cotidiano da luta, saltam aos olhos a forma ineficaz como acontecem os processos administrativos e judiciais de desapropriação dos imóveis para fins de reforma agrária.

A burocracia somada à estratégia protelatória dos proprietários de terras e à legislação inadequada forma um conjunto quase intransponível de entraves à efetivação da reforma agrária. Em apoio as manifestações dos camponeses, a Terra de Direitos entrega hoje (11) aos militantes do MST um documento contendo uma análise e recomendações sobre 12 casos de desapropriação de terras em Pernambuco. Entregamos também proposições quanto ao enfrentamento de milícias privadas armadas, objeto de analise na “Denúncia sobre formação e atuação de milícias privadas no Estado de Pernambuco”, relatório elaborado em parceria com outras instituições e entregue ao Ministro Paulo Vannuchi (em 13 de março de 2009) e a outros 12 espaços públicos com pedido de providências.

O principal dos problemas se repete em todo território nacional e já foi inclusive explicitado pelo próprio Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, na instalação do Fórum Nacional para Monitoramento e Intervenção na temática fundiária urbana e rural, pelo Conselho Nacional de Justiça. Trata-se da paralisação da Reforma Agrária pelo Poder Judiciário, onde existem mais de 200 ações de desapropriação, que se fossem julgadas poderiam assentar mais de 11.000 trabalhadores e trabalhadoras rurais, em 200 mil hectares de terras.

Perante esta situação, o documento trás a descrição de 6 casos emblemáticos, dentre eles o caso da Usina Estreliana e da Fazenda Papagaio. Nos dois é possível identificar uma dupla violação de direitos humanos pelo Judiciário: a primeira diz respeito a morosidade em decidir as ações relacionadas à desapropriação dos imóveis, que se arrastam por anos sem uma solução definitiva no âmbito das Justiças Federais. A segunda demonstra a diferença de tratamento dado pelo Judiciário às causas que versam sobre direitos humanos e àquelas que protegem exacerbadamente o direito individual à propriedade. Para estas, ao contrário da morosidade, há uma prestação eficiente e célere, com o deferimento imediato dos pedidos de reintegração de posse levando ao despejo forçado das famílias acampadas.

Outro obstáculo a Reforma Agrária que fica evidente no documento elaborado é a incapacidade do INCRA de vencer a enorme burocracia dos procedimentos administrativos de desapropriação de terras para fins de reforma agrária. A regra que estabelece o trâmite administrativo das desapropriações é absolutamente ultrapassada e nem de longe atende, em tempo razoável, a urgência que os casos requerem, deixando centenas de famílias no aguardo indefinido pelo sonhado direito à terra. No documento, vê-se, por exemplo, o caso do Acampamento Santa Ana, em que o Inccra demorou cerca de 4 meses para notificar o proprietário para realização da vistoria técnica preliminar. No caso da área denominada Gerência Local – Projeto Bebedouro, o procedimento está parado porque o INCRA não consegue identificar os herdeiros da área. Segundo a autarquia, que já classificou tecnicamente o imóvel como grande e improdutivo passível, portanto, de desapropriação sem a notificação dos herdeiros não há como encaminhar o procedimento para Brasília para fins de decreto expropriatório.

A Terra de Direitos encaminha o documento ao MST com objetivo de contribuir para o enfrentamento desses entraves, acreditando que uma política eficaz de Reforma Agrária garantiria diversos direitos considerados fundamentais por legislações e tratados internacionais, tais como moradia, trabalho e alimentação. Nos documentos, fazemos recomendações em todos os casos, que vão da suspensão das reintegrações de posse até que sejam julgadas as ações de desapropriação paradas na Justiça Federal, à adoção de medidas mais céleres e eficazes para conclusão das fases administrativas das desapropriações.

Para a equipe da Terra de Direitos é fundamental que os diversos setores do Estado, sejam eles do Executivo, Legislativo ou do Judiciário, exerçam seus papéis, encontrando alternativas aos obstáculos identificados, como a demora injustificada dos processos judiciais e administrativos, para que a política de Reforma Agrária se efetive e com ela se garantam os direitos humanos dos camponeses e camponesas acampados deste país.

 



Ações: Conflitos Fundiários, Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Terra, território e justiça espacial