MPF | Audiência pública marca início de diálogo indispensável para comunidades da reserva Tapajós-Arapiuns


Rio Tapajós_ Foto Ramon Santos Fonte: MPF

MPF deve publicar recomendação para aperfeiçoamento da representatividade do conselho deliberativo da unidade de conservação

A construção de uma gestão democrática e participativa para a reserva extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, no Pará, só será possível se todas as comunidades mantiverem viva a abertura ao diálogo demonstrada na audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) na última sexta-feira, 6 de dezembro, para debater o tema. A conclusão é dos representantes de instituições públicas, associações comunitárias, organizações não governamentais e das lideranças da resex que participaram do evento, na comunidade Solimões, em Santarém, no oeste do Estado.

Para que sejam oferecidas todas as oportunidades necessárias à continuidade da conversação entre comunidades extrativistas e indígenas, o procurador da República Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes, que convocou a audiência, anunciou que vai encaminhar ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), gestor da resex, recomendação para o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão compartilhada da área, como, por exemplo, a garantia de representatividade de todas as comunidades no conselho deliberativo da resex.

“A Constituição defende a pluralidade de culturas e o direito à diferença, e as Unidades de Conservação têm que ser um espaço de celebração dessas garantias, do respeito ao direito do outro, do respeito à diferença”, destacou o procurador da República na abertura do evento.

Segundo levantamento do ICMBio, da Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Tapajoara) e da organização Conservação Internacional, na resex vivem 21 mil pessoas em 74 comunidades. Localizada nos municípios de Santarém e Aveiro, a área da unidade de conservação é de 677,5 mil hectares.

O gestor da resex pelo ICMBio, Maurício Mazzotti Santamaria, enfatizou durante a audiência que a coordenação da resex é feita pelas comunidades, e não pelo ICMBio. “São vocês quem decidem o futuro da resex”, disse. Santamaria anunciou que na próxima reunião do conselho deliberativo da reserva, marcada para os dias 16 e 17 deste mês, o conselho irá revisar sua composição para certificar-se que a representatividade das comunidades não indígenas está adequada.

Santamaria também lembrou aos comunitários que de nada adianta o poder público tentar promover o diálogo entre suas instituições, como entre o ICMBio e a Fundação Nacional do Índio (Funai), se entre as comunidades esse diálogo não existe. “A gestão compartilhada é uma rotina que deve estar presente desde a base da resex”.

Direitos de todos - O coordenador geral de gestão socioambiental do ICMBio, Daniel de Miranda Pinto de Castro, lembrou que a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) garante aos povos indígenas e à Funai a participação nos conselhos gestores das unidades de conservação e na elaboração e implementação dos planos de administração das áreas de sobreposição das terras indígenas com as unidades de conservação, respeitados os usos, costumes e tradições indígenas. “O ICMBio está em uma aproximação cada vez maior com a Funai”, disse.

A audiência pública foi realizada no dia seguinte à morte do líder sul-africano Nelson Mandela, e coordenador regional da 3ª Região do ICMBio, Carlos Augusto de Alencar Pinheiro, convidou todas as lideranças comunitárias presentes na audiência a seguirem o exemplo de luta pelos direitos de todos travada tanto por Mandela quanto por outros líderes, como pelo cacique Raoni Metuktire e pelo líder sindical seringalista e ativista ambiental Chico Mendes.

Nas mãos dos filhos da floresta - “A floresta nas mãos dos filhos da floresta” foi o lema utilizado pelas famílias da resex Tapajós-Arapiuns na luta pela criação da reserva, lembrou o professor Florêncio Almeida Vaz Filho, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Vaz Filho fez um relato da história da resex e observou que a audiência pública da última sexta-feira faz parte de um longo processo de construção do diálogo na resex.

Segundo Vaz Filho, desde 1998 outras três audiências públicas já haviam sido realizadas pelo MPF para buscar a redução de tensões e conflitos internos na resex gerados por desentendimentos entre indígenas e não indígenas. “É preciso que esse seja o momento de estabelecermos a união na resex. Que seja não apenas uma trégua passageira, que seja não apenas tolerarmos uns aos outros, mas sim uma verdadeira cooperação entre todos os moradores”, ressaltou o pesquisador.

Representando a organização não governamental Terra de Direitos, que atua na defesa e promoção dos direitos humanos, a assessora jurídica da organização em Santarém Erina Batista Gomes também destacou a importância da atuação do Ministério Público Federal no estabelecimento do diálogo na resex. Erina Gomes ressaltou que o país está vivendo um momento político em que há diversas propostas de alterações legais para alterar a forma como até agora foram tratadas questões como a demarcação de terras indígenas. “Esse é um momento em que a cooperação entre as famílias é essencial, e em que esses temas têm que estar no debate diário das comunidades”.

A secretária de Educação de Santarém, Maria Irene Escher Boger, afirmou que a secretaria municipal de educação também atua tendo por princípio o respeito à diversidade. De acordo com a secretária, o município trata com a mesma atenção as demandas de todas as comunidades e escolas.

Os representantes da Tapajoara, Leônidas Bentes Farias, e do Conselho Indígena do Tapajós (Cita), Hipólito Silva, também reforçaram a importância da audiência pública como um marco inicial do diálogo necessário para o desenvolvimento da reserva.

Representando a Funai, participou da mesa de debates da audiência pública a indigenista especializada Bárbara Campello Silva, da coordenação da autarquia em Santarém.

Dúvidas e sugestões - Os líderes comunitários indígenas e não indígenas que apresentaram questões, críticas e sugestões aos componentes da mesa trataram principalmente da representatividade das comunidades no conselho deliberativo da resex.

Além disso, citaram casos de desrespeito a direitos e à cultura indígenas na resex e apresentaram questionamentos sobre o andamento, na sede da Funai, em Brasília, de demandas fundiárias relativas a terras indígenas localizadas na resex.

Respondendo a dúvidas sobre a localização da Terra Indígena (TI) Escrivão em relação à resex, o gestor da reserva pelo ICMBio, Maurício Santamaria, informou que atualmente a  TI não está na área da Tapajós-Arapiuns.

Isso, porém, não está impedindo que os moradores da TI tenham acesso aos benefícios oferecidos às famílias da reserva, disse o representante do ICMBio. Santamaria também informou que o governo federal está trabalhando em um processo para a inclusão formal  dessas comunidades como beneficiárias da resex. O ICMBio também enfatizou que as cadeiras do conselho deliberativo representam entidades, e não pessoas físicas.

O procurador da República Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes informou a todos que o MPF vai incentivar a composição de um grupo de trabalho formado por representantes do ICMBio e da Funai para discussão das demandas das famílias e acompanhamento do desenvolvimento local.
 

 



Eixos: Terra, território e justiça espacial