Estado Brasileiro é responsabilizado por Comissão Interamericana pelo assassinato de trabalhador sem terra
Terra de Direitos
Marcos Prochet deveria ter sido julgado em 25 de agosto pela segunda vez, já que o primeiro julgamento que resultou em sua condenação de 15 anos, foi cancelado. Acusado de matar o trabalhador rural sem-terra Sebastião Camargo, em 1998, o ex-presidente da União Democrática Ruralista – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade”, será julgado na próxima segunda-feira (31).*
As violações ao direito à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial que marcaram o assassinato do trabalhador sem terra Sebastião Camargo, em 1998, levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a responsabilizar o Estado Brasileiro pelo crime, em 2009.
Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Um grupo de aproximadamente 30 pistoleiros encapuzados invadiu o local, e obrigou os acampados e acampadas – inclusive crianças e idosos –a deitarem em frente a uma porteira com o queixo no chão. Sebastião, já idoso e com problemas na coluna, teve dificuldades em permanecer nessa posição – com dor e desconforto,tentou apoiar a cabeça nas mãos. Por esse motivo, Prochet, também encapuzado, disparou um tiro na cabeça do homem, a poucos metros de distância.
A Comissão estudou o caso, recolheu relatórios, realizou audiências e levantou informações, que integraram O relatório de mérito do caso, emitido em 2009. No texto, a CIDH responsabiliza o Estado Brasileiro por violações ao direito à vida, garantias judiciais e proteção judicial. O documento foi incluído no Relatório Anual da CIDH e apresentado durante a Assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), em junho de 2011, em Honduras. Um dos resultados práticos desse trâmite foi o andamento do processo no Brasil, que ocorreu apenas após a admissão do caso pela Comissão.
>> Acesse aqui a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
O caso foi denunciado à CIDH em 2000 pela Terra de Direitos, Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), em reação à demora injustificada na conclusão do Inquérito Policial. Apesar do amplo material levantado acerca do assassinato, o procedimento permaneceu em fase de instrução inicial e vários crimes prescreveram pela demora no término da investigação.
Apenas em 2012 Osnir Sanches e Teissin Tina, ex-proprietário da fazenda Boa Sorte, onde o agricultor foi morto, foram condenados por participação no crime. Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, em 2014, mas recorreu da decisão. Já o responsável pelo tiro que matou Sebastião Camargo, o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Marcos Prochet, foi condenado a 15 anos e 9 meses de prisão, em 2013 . Em 2014, Prochet conseguiu anular o júri que o condenou e deve ir novamente a julgamento na próxima quinta-feira (25), em Curitiba.
Até o momento, a família da vítima não recebeu qualquer reparação. No relatório emitido o em 2009, a CIDH afirmou que “o Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho (…) ao não prevenir a morte da vítima (…) e ao deixar de investigar devidamente os fatos e sancionar os responsáveis”.
O assassinato de Sebastião Camargo foi o primeiro de uma série de homicídios praticados com envolvimento de milícias armadas, no Paraná. Além dele, foram mortos Sétimo Garibaldi (1998), Sebastião da Maia (1999), Eduardo Anghinoni (1999) e Elias Gonçalves Meura (2004), entre outros trabalhadores.
O Júri do assassinato de Sebastião Camargo será realizado na próxima quinta-feira (25), às 9h da manhã, no Tribunal do Júri de Curitiba.
*Editada em 24 de outubro de 2016:
Em 23 de agosto, dois dias antes do novo julgamento, a defesa de Prochet entrou com o pedido de Habeas Corpus, alegando que não poderia cumprir um prazo determinado pelo juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri. Pelo fato da defesa ter incorporado no processo cerca de 3 mil páginas de documentos e 26 CDs em menos de uma semana antes do julgamento. O juiz determinou então, que os advogados apresentassem especificamente quais documentos e vídeos seriam utilizados no júri, para que houvesse tempo hábil de análise por parte do Ministério Público.
O resultado desta manobra da defesa foi o adiamento do julgamento por decisão do relator do pedido, o desembargador do Tribunal de Justiça, Clayton Camargo, que já declarou, durante sessão, que integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seriam “bandidos, e não assentados”.
Ações: Conflitos Fundiários, Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Casos Emblemáticos: Sebastião Camargo Filho
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos