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Ameaça ao território é ameaça à vida: relatório do CNDH pede medidas de proteção aos defensores do Tapajós(PA)


Resultado da missão realizada ao oeste do Pará em maio deste ano, documento foi enviado aos órgãos públicos para dar providência às medidas 

 

Relatório preliminar publicado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) traz uma série de recomendações encaminhadas aos órgãos públicos para garantia de direitos e proteção à vida de defensores e defensoras de direitos humanos do Pará. Emitido nesta segunda-feira (19), o relatório é resultado da missão de apuração realizada entre os dias 14 e 19 de maio de 2023 no município de Santarém, no oeste do Pará, com o objetivo de colher evidências das denúncias de violação de direitos humanos vivenciados por povos indígenas, quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, agricultores e agricultoras familiares, e demais comunidades tradicionais da região.  

A presença da comitiva de conselheiras e conselheiros do CNDH em Santarém foi uma demanda dos movimentos sociais, entidades organizativas de povos e comunidades tradicionais e de organizações sociais – como a Terra de Direitos – diante do grave cenário de violência e ameaças nos territórios da região, com destaca a conselheira do órgão que esteve na missão, Luisa de Marillac:  “O CNDH recebeu essa demanda por parte de defensores de direitos humanos do Pará que estavam sendo ameaçados de morte e somando-se a todo um contexto de violação de direitos por parte de madeireiros, grileiros, mineradores, ou seja, de fortes grupos econômicos que, com respaldo do próprio estado, colocam povos e comunidades tradicionais em uma situação muito vulnerável”. Então o CNDH elegeu fazer a missão como procedimento na perspectiva de ir ao local para conversar com as comunidades, mas também poder articular-se com os órgãos responsáveis e tentar construir uma agenda de proteção para esses povos e comunidades e defensores de direitos humanos ameaçados.”  

Para a missão estiveram presentes em Santarém 07 conselheiras e conselheiros do CNDH que cumpriram uma extensa agenda para investigação das denúncias. Foram realizadas oitivas com lideranças de territórios sob forte tensão por conta conflitos territoriais, como a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, o Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande, localidades do Planalto Santareno e dos municípios de Mojuí dos Campos e Belterra – próximos a Santarém.  

Estes territórios, localizados na região do Tapajós, no oeste paraense, estão em constante pressão pelo desenvolvimento e projetos de exploração. Nas últimas décadas o oeste do Pará tem sido visto por empresários, latifundiários e fazendeiros do setor do agronegócio – especialmente da monocultura da soja -, como uma nova fronteira de expansão. Complexos portuários, campos de soja e milho, empresas madeireiras, pecuaristas, grandes corporações do ramo do minério, entre outros, têm se instalado nos municípios da região e impactado os modos de vida de povos e comunidades tradicionais, além de serem responsáveis por promover a violação de direitos humanos, entre eles, o direito a consulta prévia, livre e informada – um direito garantido a indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais por meio da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, vigente no Brasil desde 2004.  

Com isso as disputas e conflitos – que já são travadas pelas populações tradicionais historicamente – foram intensificados, ameaçando os territórios e as lideranças políticas de movimentos que se tornam alvo por se colocar na luta em defesa de suas comunidades.  

Para a liderança do PAE Lago Grande, a vinda da equipe de missão do CNDH representou esperança de que as demandas do território agora serão ouvidas. “Isso se tornou pra gente um reconhecimento. Os nossos direitos são muito violados, eles precisam ser reconhecidos e os próprios órgãos precisam vir e ouvir as demandas que temos por que se eles não lutarem a favor de garantir os nossos direitos, futuramente os nossos territórios desaparecerão, assim como a nossa a sociobiodiversidade. O conselho foi importante nesse momento para estar nos ouvindo”, enfatiza. 

A luta pelo direito à terra, ao território e a um meio ambiente equilibrado vitimou 140 pessoas que defendem estes direitos entre 2019 a 2022, segundo uma pesquisa realizada por Terra de Direitos e Justiça Global. A pesquisa também mostra que o Pará é o estado com maior número de violações de direitos humanos contra defensores no Brasil, 143 casos.  

Este cenário em que vivem as lideranças ouvidas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, constatado pelas/os conselheiras e conselheiros nas oitivas in loco em Santarém e municípios próximos, foi destacado no relatório preliminar apresentado, trazendo a urgência para que providências sejam tomadas pelos órgãos públicos para mediar as violações.  

Alane Luzia da Silva, assessora jurídica da Terra de Direitos e parte da equipe de Missão do CNDH, pontua a importância do órgão colegiado e das recomendações apresentadas no relatório para a garantia dos direitos de povos e comunidades tradicionais do Tapajós. “O CNDH segue sendo um espaço essencial para a garantia de direitos e as recomendações atestam a importância do que vem sendo reivindicado pela sociedade civil: a necessidade de orçamento adequado para a garantia de medidas de proteção que realmente protejam quem defende direitos no Brasil, o necessário andamento do grupo de trabalho que vai discutir a política pública de proteção como política de estado e a necessidade de uma abordagem integral na construção da proteção às defensoras e defensores de direitos humanos, dentre vários outros elementos. O que a gente espera agora é que o estado siga essas recomendações e garanta a proteção efetiva daqueles territórios”, declara. 

Para a garantia de proteção aos defensores e defensoras de direitos do Tapajós, que vem sofrendo com um cenário de ameaças à vida, intimidações e violências, o CNDH assegurou recomendações dirigidas ao Programa Nacional e Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) , principalmente tendo como foco uma destinação orçamentária que garanta a efetividade do programa, assim como o monitoramento e o acompanhamento dos/as defensoras e defensores de forma contínua e com qualidade, e que sejam observadas as especificidades de proteção às lideranças ameaçadas nos territórios amazônicos.  

“Eu estou muito na esperança de que tudo aquilo que foi ouvido parte delas serão resolvidas, principalmente dando prioridade aos defensores e defensoras de direitos humanos, que são os ameaçados que lutam e defendem o território. Essas vidas que estão na frente defendendo os nossos territórios, que estão lutam e gritam bravamente 24h pela defesa dos direitos coletivos. E nós defensores de direitos humanos não podemos ser calados, nós vamos gritar para que nossos direitos não sejam mais violados” afirma liderança ameaçada do PAE Lago Grande. 

As recomendações urgentes também foram enviadas a órgãos com funções estratégicas para os problemas identificados nas comunidades tradicionais do Tapajós, como os Ministérios de Desenvolvimento Agrário, e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Agência Nacional de Mineração, entre outros. 

Além das oitivas as lideranças, também foram realizadas reuniões com representantes de alguns órgãos estratégicos para a construção das recomendações do relatório, como o Superintendente Regional do Incra do Oeste do Pará, do ICMBio, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) e da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos do Pará (SIRDH). 

A missão também visitou alguns territórios onde pode constatar as violações de direitos e a necessidade de medidas de reparação aos povos e comunidades tradicionais da região.  

Ameaça ao território é ameaça a vida 

No caminho para as localidades do planalto santareno, o que foi observado é que à beira da rodovia Santarém- Curua-Una (PA-370) os campos de soja e milho estão localizados muito próximos a área urbana da cidade. Ao adentrar em ruas e ramais que levam as comunidades tradicionais o que se encontra é ainda mais alarmante: as estreitas estradas de terras são ladeadas pelas plantações de grãos, colocando os moradores – que já vivem em terrenos muito próximos as fazendas – ainda mais no caminho dos agrotóxicos, que neste caso são um dos problemas trazidos pelas fazendas de monocultura.  

Em relação à esta questão, o relatório do CNDH traz recomendações ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e a Secretaria Municipal e Estadual de Meio Ambiente, principalmente relacionado ao monitoramento dos impactos causados pela utilização de agrotóxicos nas plantações e a necessidade de regras quanto aos perímetros limites para a pulverização.  

Um dos casos trazidos a conhecimento das/dos conselheiras/os, que exemplifica o perigo dos agrotóxicos para a saúde da população, foi o da Escola Vitalina Motta, em Belterra, onde a pulverização de agrotóxico em uma plantação de soja próxima a escola causou a intoxicação de alunos e professores.   

 Foi constato pelo CNDH que a plantação fica a menos de 100m da escola, como indica placa de sinalização. Foto: Lanna Ramos

Além dos agrotóxicos, as grandes plantações de grãos demonstram também o avanço do desmatamento na região. O desmatamento, a concentração de terras – seja por apropriação, invasão ou aquisição indevida – é o que levam as grandes fazendas para perto, ou até mesmo para dentro das comunidades tradicionais. 

Em territórios como o Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande, os conflitos territoriais identificados derivam da falta de efetivação de políticas públicas. Uma das denúncias realizadas ao CNDH foram sobre a venda de lotes de terras dentro do assentamento coletivo a terceiros, geralmente adquiridas para atividades de exploração como a extração de madeira, pecuária ou monocultura.  

“A maioria fala que nós impedimos o desenvolvimento. Mas o que é esse progresso, com tanta gente adoecida nos hospitais e morrendo de câncer? Nós prestamos um serviço pra coletividade, quando produzimos alimentação saudável e sem agrotóxico. A segurança alimentar é muito maior. Qualquer dia vai faltar comida na mesa, porque é mercúrio no rio, agrotóxico no ar...”, relatou uma liderança do PAE Lago Grande em referência aos efeitos negativos das atividades exploratórias que invadem o território.   

Nessa questão o CNDH registrou a recomendação ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – enquanto órgão responsável pela política – visando a retomada dos processos que devem garantir a regularização total da área do assentamento e garantir as políticas públicas essenciais à vida (saúde, educação, etc) e ao fomento do agroextrativismo e da agricultura familiar, uma das atividades econômicas desenvolvidas pelos moradores do território.   

Para Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos - organização que integra o CNDH e também assessora juridicamente os territórios visitados pela missão diante das violações de direitos humanos – o documento representa um passo importante para a garantia e efetivação de direitos das comunidades e povos tradicionais do Tapajós.  

"Após ouvir lideranças e órgãos públicos o que CNDH recomenda é o cumprimento da legislação, parece óbvio, mas foram constatadas violações de direitos básicos e com isso se espera a melhor atuação do poder público na proteção do território e da vida dos defensores e defensoras de direitos humanos, isso significa mais fiscalização ambiental, combate à impunidade e garantia de participação na tomada de decisões", destaca.  

Com o relatório preliminar com a indicação de medidas urgentes é esperado que os órgãos encaminhem as questões para resolução. Um relatório final com o registro completo das investigações da missão e recomendação deve ser publicado nos próximos meses.  

Leia o relatório da missão do CNDH à Santarém (PA): Recomendação CNDH n. 11/2023 

 



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial