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Boletim nº 501 - Por um Brasil Ecológico, Livre de Transgênicos e Agrotóxicos


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POR UM BRASIL ECOLÓGICO,

LIVRE DE TRANSGÊNICOS E AGROTÓXICOS

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Número 501 - 06 de julho de 2010

Car@s Amig@s,

A resistência que o mato desenvolve aos herbicidas (agrotóxicos do tipo “mata-mato”) nas lavouras plantadas com sementes transgênicas tolerantes a estes produtos é um problema desde sempre previsto.

Segundo fontes da própria indústria de biotecnologia 62% dos transgênicos plantados hoje em todo o mundo são deste tipo: com a modificação genética, pode-se pulverizar o veneno sobre a lavoura, eliminando-se todas as plantas do terreno, menos a plantação transgênica (a soja transgênica tolerante ao Roundup representa, sozinha, mais da metade dos transgênicos plantados). Outros 15% são plantas inseticidas (Bt), ou seja, são tóxicas e matam as larvas que atacam as lavouras; e o restante (21%) combina as duas características: são inseticidas e também tolerantes a herbicidas -- o que faz com que a tolerância a herbicidas seja uma característica presente em 83% dos transgênicos plantados globalmente.

O mato desenvolve resistência quando um mesmo veneno é largamente usado, ciclo após ciclo. Em outras palavras, o veneno vai deixando de fazer efeito.

Com a difusão das sementes transgênicas, aumentou-se enormemente na agricultura o uso do herbicida a elas associado. Nos EUA estimativas conservadoras indicam que entre 1996 (ano da introdução das lavouras transgênicas) e 2008 o uso de glifosato (princípio ativo do Roundup, da Monsanto) tenha aumentado em 174 mil toneladas.

No Brasil, a Anvisa estima que entre 2004 (primeiro ano em que, graças à Medida Provisória 131, pôde-se plantar soja transgênica legalmente) e 2007 as vendas de glifosato tenham saltado de 60 mil para mais de 110 mil toneladas, embora no mesmo período, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a área plantada com soja no país tenha diminuído cerca de 8%.

O resultado não poderia ser outro: cada vez mais espécies de mato vêm se mostrando resistentes ao glifosato, provocando prejuízos aos agricultores e fazendo-os voltar a usar herbicidas mais antigos e ainda muito mais tóxicos do que o já terrível glifosato, como o paraquat e o 2,4-D (um dos dois componentes do famoso Agente Laranja, usado como desfolhante na Guerra do Vietnã e conhecido por ter provocado milhares de mortes e malformações congênitas). Em muitos casos, agricultores têm recorrido à capina manual para controlar o mato que o glifosato já não elimina.

Já tratamos deste tema neste Boletim por diversas vezes. O que nos faz voltar a ele novamente é o destaque que tem sido dado à questão nas últimas semanas.

Em 26 de julho o jornal gaúcho Zero Hora publicou uma entrevista com o pesquisador Stephen Powles, diretor da Escola de Biologia Vegetal da Universidade Wersten Australia e também da WA Herbicide Resistance Initiative (Iniciativa sobre Resistência a Herbicidas, na tradução livre).

Segundo o próprio jornal, “dos 38 milhões de hectares plantados com lavouras de soja, milho e algodão transgênicos no Brasil, cerca de 4 milhões -- 10,5% da área -- estão infestados com plantas daninhas resistentes ao glifosato”.

Segundo o especialista entrevistado, “Se [o Brasil] não agir agora, terá o mesmo fim que os Estados Unidos -- um milhão de hectares inutilizados, onde o glifosato não pode mais ser usado, nem mesmo em sistema de rotatividade com outras culturas e herbicidas.”

Em outra entrevista, concedida ao site AGNetwork em abril último, o pesquisador Charles Benbrook, outro grande especialista no assunto e atualmente cientista chefe da ONG Organic Center, já havia relatado que milhares de hectares foram abandonados pela agricultura nos EUA devido à infestação de ervas invasoras resistentes ao glifosato, como o amaranthus, que crescem e se alastram ao ponto de danificar as colheitadeiras mecânicas de algodão.

Em 27/07 foi a vez do site AgroLink comentar as dificuldades enfrentadas pelos agricultores brasileiros adeptos à transgenia com a proliferação da buva resistente ao glifosato. Segundo a matéria, “O grande problema é que há cerca de quatro anos a buva era facilmente eliminada pelo glifosato. Porém, o gene do vegetal sofreu mutações e agora resiste ao produto.”

Em 25 de julho o jornal Post-Dispatch, da cidade sede da Monsanto, St. Louis - Missouri, EUA, também tratou da questão e relatou o fenômeno do abandono de áreas por agricultores devido à superinfestação de mato resistente ao glifosato. Segundo a matéria, as várias espécies de mato resistente ao glifosato já estão presentes em 22 estados americanos.

Ainda segundo a reportagem, “a Monsanto reconhece que pode ter subestimado a rapidez com que as plantas invasoras se tornariam resistentes ao agrotóxico”, e está até mesmo oferecendo subsídios de US$ 30 por hectare a agricultores do Sul dos EUA como incentivo para que usem produtos de outras empresas (mais caros que o Roundup) de modo a conservar a viabilidade do produto. Buscando contornar o problema, a Monsanto anunciou também o lançamento de um “novo” herbicida, chamado Warrant (em inglês, “garantia”), para ser usado em soja e algodão (trata-se do herbicida acetocloro, registrado no Brasil para café, cana, milho e soja e comercializado pela Monsanto aqui sob a marca Kadett).

Também em seu informativo oficial no Brasil, a Monsanto admite o problema da resistência das ervas invasoras e informa que está “reduzindo seu portfólio de produtos a base de glifosato e desenvolvendo soluções integradas para o manejo de ervas daninhas nas plantações que usam a tecnologia Roundup Ready.”

Segundo Benbrook, a estratégia da Monsanto é “reembalar” sua tecnologia, incluindo o uso de outros herbicidas, mas a partir do programa Roundup Ready: sem redução da área tratada e sem redução na quantidade de glifosato usada, apenas adicionando-se outros herbicidas na mistura para controlar o mato. Segundo o especialista, é como “jogar gasolina para apagar o fogo”.

Benbrook explica ainda que, neste momento, todas as grandes empresas de biotecnologia estão correndo para desenvolver e comercializar variedades de milho, soja e algodão geneticamente modificadas para tolerar pelo menos dois, mas às vezes três ou mais herbicidas (aqui no Brasil a CTNBio já deu sinal verde para plantio experimental da soja transgênica da Dow resistente ao veneno 2,4-D). Como resultado, o preço das sementes aumentará 30% ou 40%, além de os agricultores terem que aplicar três ou quatro herbicidas -- múltiplas aplicações de glifosato e mais os outros herbicidas. Além disto custar dinheiro, irá piorar o problema do mato resistente.

Aliás, o aumento na quantidade de veneno aplicado já é uma das primeiras consequências do desenvolvimento de resistência pelo mato. Blake Hurst, um produtor de milho e soja de Missouri e vice presidente do conselho do Missouri Farm Bureau, uma organização de produtores, relatou ao Post-Dispatch: “Estamos pulverizando mais. É preciso fazer rotação de agrotóxicos e variar os modos de ação, e provavelmente teremos que voltar aos agrotóxicos mais antigos”.

E quem foi mesmo que disse as lavouras transgênicas permitiriam aos agricultores reduzir o uso de agrotóxicos?

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Neste número:

1. Bayer diz não ter vendido milho proibido pela Justiça do Paraná

2. Moção aprovada pela assembleia 62ª Reunião Anual da SBPC

3. França registra milho da Bayer e abre caminho para seu cultivo na UE

4. Jamaica proíbe o endossulfam

5. Etanol de milho no Mato Grosso

6. Syngenta começa a vender mudas de cana-de-açúcar

A alternativa agroecológica

Semente da Paixão é tema de pesquisa participativa

Dica de fonte de informação

Entenda por que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo - Entrevista com o Professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso à revista Galileu.

“Não existe uso seguro. Isso é uma fala dos produtores de agrotóxico. Por exemplo, se o trabalhador que aplica estiver como um astronauta -- isolado com todos os equipamentos de proteção (EPI), inclusive para respirar -- ele é menos prejudicado, mas não existe uma proteção 100% dos trabalhadores. E qual a proteção ao ambiente? Isso vai sempre deixar resíduos em alimentos, contaminar rios, ar, lençóis freáticos. Que segurança é essa?”

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1. Bayer diz não ter vendido milho proibido pela Justiça do Paraná

A Bayer CropScience informou nesta quarta, dia 4, por meio de nota, que ainda não iniciou a comercialização do milho LibertyLink variedade T25 no país, cuja venda foi proibida pela Justiça Federal do Paraná no dia 26 de julho.

-- Nenhuma variedade de milho T25 está disponível para o plantio em escala comercial no Brasil -- diz a companhia.

A decisão, dada pela juíza federal Pepita Durski Tramontine, da Vara Ambiental de Curitiba, afirma que o produto somente poderia retornar ao mercado depois de a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovar o plano de monitoramento do produto no mercado. Na nota, a Bayer CropScience afirma que o plano foi apresentado em 2008 e ainda não foi analisado pela CTNBio. (...)

A polêmica em torno do milho transgênico dura mais de dois anos. Liberado pela CTNBio em 2007, o produto geneticamente modificado foi alvo de uma ação proibindo sua comercialização no mesmo ano. Uma liminar foi concedida e, em janeiro de 2008, revogada.

Fonte: Agência Estado, 04/08/2010.

2. Moção aprovada pela assembleia 62ª Reunião Anual da SBPC

“Considerando a escassez de estudos independentes sobre os possíveis riscos dos OGMs no meio ambiente e à saúde humana, é proposto que a Diretoria e o Conselho da SBPC criem uma agenda com distintas ações neste tema, que pode incluir atividades nas próximas reuniões anuais ou regionais, criação de Grupo de trabalho ou outros instrumentos que julgarem adequados, visando o aprofundamento e a disseminação do conhecimento científico de temas inerentes aos possíveis riscos ambientais e à saúde humana dos transgênicos.”

Leia a íntegra da moção.

3. França registra milho da Bayer e abre caminho para seu cultivo na UE

Sob a enorme pressão da Bayer e de toda a indústria dos transgênicos, o Ministério de Agricultura da França inscreveu, em 20 de julho, duas variedades do milho transgênico T25 no Catálogo Nacional de Sementes. O ato se deu em silêncio, aproveitando o período de férias de verão.

Isto significa que, a partir de agora, qualquer país da UE poderá cultivar o milho transgênico (exceto a Áustria e a Grécia, onde este milho está proibido), uma vez que a inscrição no catálogo de um Estado pressupõe a autorização para plantio em qualquer país do bloco. O T25 havia sido aprovado na UE em 1998, mas não podia ser cultivado por não estar inscrito em nenhum catálogo nacional.

O milho em questão é tolerante à aplicação do glufosinato de amônio, um herbicida muito tóxico que está na lista dos 22 agrotóxicos que serão em breve retirados da UE -- além disso, na Europa o glufosinato é proibido no cultivo de milho.

O milho da Bayer está autorizado para cultivo na Argentina, no Canadá, no Japão e nos EUA. No Brasil ele foi autorizado pela CTNBio em 2008, mas teve sua liberação suspensa pela Justiça Federal do Paraná na última semana.

A medida da França se deu no momento em que ocorre um grande debate político sobre as novas normas para autorização de transgênicos na UE, sem que tenham sido criadas as normas para o cultivo (coexistência) e sem que tenha sido implementada uma petição unânime dos 27 estados membros sobre normas mais rigorosas de avaliação e aprovação de transgênicos.

Como se não bastasse todo este absurdo, a França inscreveu ainda outras 30 variedades do milho transgênico da Monsanto MON 810 (tóxico a insetos), cujo cultivo está proibido em seu próprio território por uma cláusula de salvaguarda.

Extraído de: Greenpeace França, 02/08/2010.

4. Jamaica proíbe o endossulfam

O uso do inseticida organoclorado endossulfam será eliminado na Jamaica. Segundo autoridades, os estoques do produto que existem no país serão usados, mas o agrotóxico jamais será importado novamente.

A proibição foi motivada pelo fato de o produto ter sido identificado como um poluente orgânico persistente (POP) e por requerimento das convenções internacionais das quais a Jamaica é signatária: a Convenção de Roterdã, um tratado multilateral que regula o comércio internacional de produtos químicos perigosos, e a Convenção de Estocolmo, que visa a banir a produção, uso e disposição de substâncias que permanecem no meio ambiente por longos períodos.

O Endossulfam é considerado perigoso para a vida aquática, para o meio ambiente e para a saúde humana, apresentando toxicidade aguda, potencial de se bioacumular no organismo e atuar como disruptor endócrino (provocando disfunções hormonais).

O produto é registrado para a produção de café na Jamaica, mas há indícios de que tem sido usado também em outros vegetais -- o que representa mais um fator a motivar o banimento.

O endossulfam é amplamente usado na produção de café, que foi pega de surpresa com a notícia do banimento. Entretanto, o Conselho da Indústria do Café da Jamaica já se pronunciou dizendo que apoia plenamente a decisão.

Fonte: The Gleaner - Jamaica, 04/08/2010.

N.E.: As Convenções de Roterdã e de Estocolmo também já foram assinadas, ratificadas e promulgadas pelo Brasil.

Aqui o Endossulfam está registrado para o uso em algodão, cacau, café, cana-de-açúcar e soja, mas dados da Anvisa publicados em 2010 indicam que ele tem sido largamente usado também nas culturas de pepino e pimentão, por exemplo.

O Endossulfam é um dos 12 ingredientes ativos que estão em processo de reavaliação toxicológica pela Anvisa.

5. Etanol de milho no Mato Grosso

A Secretaria de Desenvolvimento Rural do Mato Grosso informou que destinará excedente de milho produzido no estado para a produção de etanol. A crise dos alimentos que estourou em 2008 foi em grande parte atribuída à política estadunidense de desviar o grão do abastecimento alimentar para os carros. A medida baixou a oferta do cereal no mercado e fez seu preço subir, afetando a população mais pobre. Destaca-se na matéria do Diário de Cuiabá a lista de desvantagens apontadas pelo pesquisador Hugo Molinari, da unidade Agroenergia da Embrapa, na transformação de milho em combustível:

“De acordo com o pesquisador, a experiência de produzir o combustível é válida por se tratar de uma a partir de excedentes do grão. No entanto, ele enumera desvantagens do produto obtido a partir do milho, como a baixa produtividade, custo superior ao etanol da cana e balanço energético inferior.

Os estudos mostram que um hectare de milho produz 3 mil litros de etanol. Segundo o pesquisador, ‘esse volume equivale à metade da produção das maiores indústrias de etanol de cana no Brasil’. Além disso, a produção a partir do milho exige a aplicação de uma enzima, indispensável no processo e que encarece o produto final.

A questão ambiental também é desfavorável ao uso do etanol de milho. Para Molinari, ‘a quantidade de carbono emitida pelo combustível -- desde sua produção até a queima nos motores -- é quase nove vezes menos absorvida pela própria planta que a do etanol da cana-de-açúcar’.”

Em tempo: como será que se define “excedente de milho”?

Em tempo 2: 2008, ano da crise dos alimentos, foi também o recorde histórico mundial de produção de milho.

Fonte: Em Pratos Limpos, 04/08/2010.

6. Syngenta começa a vender mudas de cana-de-açúcar

A multinacional Syngenta sequer inaugurou sua nova fábrica de mudas para cana-de-açúcar em Itápolis (SP), mas já estima contratos de venda no valor de US$ 200 milhões, para usinas do Centro-Sul, até dezembro deste ano. (...) A expectativa da Syngenta é que as novas mudas - ou gemas - cubram uma área entre 120 mil e 150 mil hectares nos próximos cinco anos, dos quase 2 milhões de hectares cultivados com cana-de-açúcar na região Centro-Sul. (...)

Além da fábrica de Itápolis, com inauguração prevista para o primeiro trimestre de 2011, outras unidades de produção de mudas de cana estão nos planos da Syngenta para atender a demanda de regiões onde o cultivo tem crescido nos últimos anos. A expectativa é que a empresa avance para Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná. (...)

Fonte: Valor Econômico, 03/08/2010.

N.E.: A Syngenta é uma das grandes multinacionais que atuam no desenvolvimento e comércio de sementes transgênicas. As mudas de cana ora anunciadas não são transgênicas, mas não é difícil imaginar que ao entrar pesado neste setor a empresa esteja pavimentando o caminho para, no futuro, comercializar também variedades transgênicas de cana.

A alternativa agroecológica

Semente da Paixão é tema de pesquisa participativa

O clima do semiárido é caracterizado pela irregularidade de chuvas, que em geral se concentram num período de três a cinco meses intercalado por veranicos, quando a disponibilidade de água é bastante restrita. As famílias agricultoras da região há gerações vêm aprimorando suas técnicas de manejo para se adaptarem a essa realidade. Os estoques familiares e os Bancos de Sementes Comunitários (BSC) da Paraíba são exemplos dessas práticas consolidadas pelas comunidades rurais de convivência com o semiárido. Neles, depositam a riqueza do patrimônio genético das sementes crioulas, as chamadas Sementes da Paixão. Dessa forma, as famílias garantem a reprodução das variedades que melhor respondem às condições locais. Tornaram-se, portanto, portadoras de um conhecimento que, infelizmente, nem sempre é reconhecido.

Em 2006, o Governo Federal lançou o Programa de Sementes para a Agricultura Familiar. Conduzido pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o programa originalmente previa ações que contribuíssem para a revalorização das sementes crioulas nos territórios rurais, além de se fundamentar na produção local de sementes. Nesse sentido, os objetivos se mostravam em sintonia com o enfoque agroecológico de manejo e conservação da agrobiodiversidade. Entretanto, na prática, o programa assumiu um formato bastante convencional, ao optar pela distribuição em larga escala de poucas variedades de sementes comerciais melhoradas produzidas pela Embrapa em sistemas agroquímicos e tratadas com agrotóxico. Dessa forma, compromete a busca por autonomia dos pequenos produtores, que se veem num estado de permanente dependência de insumos externos, e agrava o processo de erosão genética já em curso na região. Além disso, enquanto as variedades melhoradas visam somente elevar a produtividade de grãos, as variedades crioulas podem ter diversos usos nos sistemas familiares.

A política se concretizou em diversos estados do Nordeste por meio da distribuição em larga escala da variedade de milho caatingueiro, considerada pelos órgãos oficiais como a mais indicada para o clima semiárido por ter um ciclo produtivo menor, que se completa durante o curto período de chuvas. No entanto, trata-se de uma variedade de baixo porte, o que não favorece a estratégia tradicional de consórcio com a fava, que cresce se enroscando na planta do milho. Ou seja, quanto maior o porte do milho, melhor o desenvolvimento da fava. O milho caatingueiro também não produz muita palha. Já as variedades locais fornecem um volume considerável, que é convertido em forragem para os animais. Somente esses dois aspectos mostram que, para as famílias agricultoras, a variadade ideal não é aquela que apenas produz mais grãos, mas a que também desempenha outras funções no sistema, como alimento para as criações e suporte para o consórcio com outros cultivos.

Em relação aos impactos negativos da distribuição do milho caatingueiro em larga escala nos últimos anos, a Articulação do Semi-Árido da Paraíba (ASA-PB) buscou se mobilizar e definir estratégias para restaurar os objetivos originais do referido programa. Uma das estratégias foi estabelecer parceria com o meio científico para a análise e o reconhecimento das qualidades das sementes tradicionais. Em 2009, foi então implementado o Projeto Semente da Paixão, parceria entre a ASA-PB e a Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), através do CNPq, com o apoio da UFPB (Campus Bananeiras) e Embrapa Algodão. A proposta é conduzir ensaios de competição de desempenho entre as variedades melhoradas e as nativas, a partir dos métodos oficiais de pesquisa e sob o acompanhamento de representantes do governo, da sociedade civil e, sobretudo, das famílias agricultoras. A partir dessa pesquisa, será possível colocar em evidência o potencial das sementes tradicionais e sua adaptação às condições biofísicas locais.

Segundo Luciano Silveira, da AS-PTA, “Com essa pesquisa comparativa, será possível desconstruir o discurso dominante que desqualifica as sementes locais como grãos e não reconhece seu potencial agrícola.”

Já foram estabelecidos campos de ensaio na Comunidade Mendonça e na Comunidade Sussuarana, no município de Juazeirinho, no Assentamento Santa Paula, município de Casserengue, e na UFPB (Campus Bananeiras), todos no estado da Paraíba.

De lá para cá, as sementes da paixão ganharam outra oportunidade para comprovar seu valor agronômico. Em 2010, a delegacia do MDA da Paraíba, em parceira com a Embrapa Algodão, lançou um projeto de constituição de 20 campos de multiplicação de variedades de milho, feijão, fava e gergelim, visando garantir a oferta a agricultores da Paraíba. Por ocasião da Festa Estadual da Semente da Paixão, por meio da mobilização de agricultores e organizações da ASA-PB, pactuou-se com o governo o compromisso de destinar alguns desses campos à multiplicação de sementes crioulas, que serão distribuídas a famílias agricultoras paraibanas em 2011. Esse é um movimento de reversão da orientação da política que vem aos poucos recompondo sua concepção original.

A expectativa é que os resultados dos ensaios e a implantação dos campos de multiplicação de sementes crioulas sirvam de subsídio para os ajustes necessários ao Programa de Sementes para a Agricultura Familiar que, a partir de então, deverá ser conduzido de forma a considerar não só os aspectos agronômicos, mas também a preferência que os agricultores têm por suas sementes da paixão.

A atual conjuntura aponta para o restabelecimento do diálogo entre o governo e sociedade. É como diz seu Joaquim Santana, do Polo da Borborema: Esse clima também favorece a semente humana boa. Porque, antigamente, quando a gente se juntava, era pra brigar [MDA, Embrapa, Universidade, famílias agricultoras]. O caminho é a semente humana se misturar com boas condições de parcerias, um respeitando o outro.

E completa com os seguintes versos:

Tem até semente humana; que é a semente de gente

Tem que ser selecionadas; de pessoas competentes

Essa é capaz de zelar; mais também pode acabar

Todos os tipos de sementes (Joaquim Santana)

Fonte: AS-PTA, julho de 2010.

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Campanha Brasil Ecológico, Livre de Transgênicos e Agrotóxicos

Este Boletim é produzido pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e é de livre reprodução e circulação, desde que citada a AS-PTA como fonte.

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