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Carta aberta da família Stang a Lula


Os irmãos da irmã Dorothy - Richardson, Thomas, John, Mary, Norma e James Stang pedem atenção e atitudes imediatas aos presidente brasileiro. O assassinato de nossa irmã Dorothy Stang - mártir, Cidadã Paraense do Ano e agraciada com o Prêmio BOA de Direitos Humanos - por fazendeiros e madeireiros implacáveis e indiferentes às leis ainda é um choque terrível para todos nós, seus oito irmãos, assim como para milhares de irmãs da Ordem de Notre Dame em todo o mundo, para a CPT, o MST, o CNS e milhões de cidadãos respeitadores da lei que amam o Brasil. Dorothy Stang foi uma grande bênção de Deus a seu país. Ela acreditava no senhor, em seu governo, suas leis, seu povo e na grande Floresta Amazônica. Dorothy dedicou 39 anos aos pobres, aos sem-terra e aos marginalizados do Brasil. Aos 73 anos de idade, ainda lutava pelo direito dos pobres de fazer parte da sua grande economia brasileira - mas era ridicularizada por pessoas que desprezam a lei, madeireiros, pistoleiros, o prefeito e a estação de rádio de Anapu, a polícia local, seus funcionários corruptos no Incra e no Ibama e o consórcio de fazendeiros que, na opinião de muitos, pagou aos pistoleiros para assassinar nossa irmã. Embora tenha recebido muitas ameaças de morte nos últimos anos de sua vida, nossa irmã continuou, corajosa, no caminho da justiça e da verdade, nunca hesitando diante da tarefa monumental que se colocara. Os senadores encarregados de investigar o assassinato de Dorothy recomendaram que o caso dela fosse levado à Justiça federal. Juntaram-se a sua recomendação a família Stang, as Irmãs de Notre Dame de Namur e a comunidade internacional. Ficamos chocados e consternados ao ouvir, em 9 de junho, a decisão unânime do Supremo Tribunal de Justiça rejeitando a federalização do caso. Se esse não é o tipo de caso que merece chegar à esfera federal, não se sabe qual caso o seria, em vista do longo histórico de impunidade no Pará. Será que pode haver alguma dúvida de que o caso de Dorothy diz respeito ao abuso de direitos humanos? Que provas o Pará nos ofereceu de que a justiça será feita? Que apoio o Pará está dando aos pobres e sem-terra? Nós o desafiamos a mostrar que o senhor apresentou os melhores argumentos possíveis para defender a federalização do caso de nossa irmã. Imediatamente após a morte de nossa irmã, o senhor prometeu ao mundo enfrentar a impunidade no Pará. Ao mesmo tempo em que nos sentimos reconfortados ao ouvir seu compromisso de castigar os assassinos de nossa irmã e destinar terras aos sem-terra e às áreas de conservação, temos visto muito poucas ações concretas. Consta que, em abril, a rádio de Anapu teria declarado que Dorothy era má e que as tentativas feitas por algumas pessoas de terem suas terras legalizadas seriam barradas. Em fevereiro, na Câmara Municipal de Anapu, na presença de seus cinco senadores, que estavam investigando o assassinato de Dorothy, um representante de madeireiros e fazendeiros acusou o senhor, Sr. presidente, de matar nossa irmã. Isso não é impunidade? As palavras custam pouco, Sr. presidente. Nossa irmã sacrificou sua vida por uma reforma agrária igualitária que garantisse aos pobres e sem-terra uma maneira viável de colocar comida em suas mesas e lhes empodera, como atores-chaves de seu próprio desenvolvimento e participantes plenos na democracia brasileira. Dorothy buscava transformações estruturais que combatessem as raízes da pobreza, da fome e da injustiça social, buscando desfazer a desigualdade que rouba dos sem-terra a dignidade e qualquer esperança de um amanhã melhor. Por que apenas aqueles que desprezam as leis devem sentir que têm direitos? Dorothy nos escreveu sobre sua esperança de que o senhor fosse até Anapu para tomar conhecimento de seu trabalho com os Projetos de Desenvolvimento Sustentável. Sua dedicação e seu amor pelo Brasil lhe davam forças; ao mesmo tempo em que nunca abriu mão da esperança de que algum dia haveria uma reforma agrária igualitária, ela morreu esperando que sua morte corajosa impelisse o senhor e seu governo a levar liberdade aos pobres e marginalizados do Brasil. Será o senhor, Sr. presidente, que veio de família pobre, aquele que os ajudará a ingressar na economia do Brasil como pessoas livres, e não como escravos dos brutais fazendeiros e madeireiros? Sr. presidente, o senhor não vem utilizando sua influência considerável para combater a corrupção no Incra e no Ibama. Nossa irmã nos contou que nutria grandes esperanças para essas organizações. O senhor tampouco buscou o financiamento vital e necessário do Banco Mundial e outros grandes doadores que possibilite a reforma agrária defendida pela CPT, o CNS e o MST. Porque o senhor não respondeu a esses desafios, não irá cumprir sua promessa eleitoral de assentar 430 mil famílias de sem-terra. Em nome de nossa irmã assassinada, nós o desafiamos a trabalhar com os movimentos sociais e a assumir uma postura firme diante do Banco Mundial e dos grandes doadores, pedindo o financiamento necessário para a reforma agrária defendida pela CPT, o MST e o CNS, que empodera os pobres e sem-terra. Dorothy Stang deu sua vida a seu povo para ver nascerem transformações sistêmicas e novos modelos de crescimento. Ela é uma mártir, uma santa e uma grande esperança para seu povo, não alguém a ser zombada por pessoas corruptas e impiedosas que aguardam para destruir a Floresta Amazônica e escravizar os pobres e os sem-terra. Dorothy amava o povo brasileiro e não tinha medo de falar abertamente em favor do que é certo e justo. Não podemos esperar o mesmo do senhor? Estamos contando com o senhor para assumir a postura crítica e fazer o que é certo. Temos grandes esperanças no senhor, em seu governo e sua população. Aguardamos com prazer a possibilidade de o encontrarmos quando o senhor tiver respondido a esses desafios.N. da R.: Roberto DaMatta volta a escrever neste espaço em setembro. RICHARDSON, THOMAS STANG, JOHN STANG, MARY STANG HEIL, NORMA STANG e JAMES STANG Autor/Fonte: O Globo - 24/09/2005




Eixos: Terra, território e justiça espacial