Notícias / Notícias



Rede paraense de defensores e defensoras de direitos humanos é criada em Marabá


Com o objetivo de fortalecer as redes locais de proteção, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDDH) realizou, nas últimas terça e quarta (3 e 4/7), em Marabá (PA), uma oficina para defensores (as) integrantes de 22 entidades e movimentos sociais do Pará.

Na atividade, foram debatidos e propostos temas como a necessidade da adoção de iniciativas relativas aos programas de proteção a defensores (as), vítimas e testemunhas no estado, a realização de atividades de auto-proteção e a produção de uma cartilha de orientação protetiva, entre outras ações.

Ao final dos trabalhos, foi oficializada a criação da Rede paraense de defensores e defensoras de direitos humanos, responsável pela execução das atividades propostas, e publicada uma carta dos participantes da oficina (leia abaixo). Em evento posterior (assista aqui na íntegra), na noite de quarta-feira (4), foram lançados o dossiê “Vidas em luta: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, o “Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2016”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e o site do CBDDH.

Programa de Proteção

Em dezembro de 2016, o governo do Pará instituiu o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, com a finalidade de adotar medidas de proteção e assistência aos defensores de direitos humanos ameaçados de morte em decorrência de sua atuação.

Na oficina, os (as) participantes apontaram que, apesar de sancionado, o protocolo do programa tem sido discutido sem a participação da sociedade civil organizada, e sinalizaram como fundamental a retomada das discussões com as representações das regiões do estado do Pará para a elaboração da política. “Só nós sabemos a violência que tem sido imprimida contra nossas lutas e nossas respectivas necessidades de proteção. É imprescindível também que o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas seja fortalecido no estado”, afirmam as entidades no documento produzido ao final do encontro.

O texto lembra, ainda, que o Pará é o estado que historicamente comete atrocidades contra lutadoras e lutadores do povo e que, apenas em 2017, 18 pessoas já foram assassinadas por sua atuação política.

Confira abaixo a carta produzida ao final da oficina.

 

          Carta do encontro de defensoras e defensores de direitos humanos em Marabá

Nós, movimentos sociais do campo e da cidade, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, organizações da sociedade civil, movimentos de mulheres, advogadas e advogados populares de diversas regiões do estado do Pará, nos reunimos na cidade de Marabá nos dias 03 e 04 de julho para nos organizarmos diante desse grave cenário de violência.

Somos o estado que historicamente comete atrocidades contra lutadoras e lutadores do povo e, no ano de 2017, 18 de nossas companheiras e companheiros foram assassinados em decorrência de suas lutas. A chacina de Pau D´Arco, protagonizada pela Policia Militar do estado e latifundiários mostra que vivemos tempos difíceis para a luta pela reforma agrária no país. É inadmissível que o estado do Pará, através de sua polícia, execute 10 trabalhadores sem terra sem nenhum constrangimento. A dor desta chacina está viva em todos nós e nunca nos esqueceremos desta brutalidade cometida contra a luta dos sem terra.

Historicamente, as regiões sul, sudeste e sudoeste do Pará concentram os casos mais graves dos conflitos no campo do estado. Só em 2016, foram 6 pessoas assassinadas nessas regiões. Atualmente, no município de Curionópolis, convivemos com uma grave situação de conflito na zona rural. O Tribunal Regional da 1ª região determinou a desocupação da área de terra pública denominada fazenda fazendinha pelo fazendeiro, que se nega a sair. Enquanto a decisão não é cumprida, um estado de conflito e tensão permanente é vivenciado na área, colocando a vida dos trabalhadores em risco diante de sucessivas ameaças.

Nas outras regiões do estado também vivenciamos a violência do agronegócio, da mineração, das hidrelétricas, da construção de empreendimentos portuários e da exploração ilegal de madeira. Todos os povos do campo têm sido continuamente massacrados por esse modelo de desenvolvimento que privilegia o grande capital e oprime os povos e comunidades que habitam esta terra, preservam a natureza e produzem o alimento. Nosso estado vive um processo de espoliação através da expansão do agronegócio e, juntamente com isso, os órgãos responsáveis pela garantia do direito à terra e o território, como Incra e FUNAI, têm sido continuamente deteriorados.

A criminalização também tem sido uma face perversa da violência contra a luta pelos direitos humanos. O caso dos 23 trabalhadores rurais presos em outubro de 2016 após a tentativa de ocupação da Fazenda Serra Norte demonstra que o direito ao patrimônio vale mais que o direito à vida para a justiça. Enquanto 23 trabalhadores estão presos há 10 meses por ocuparem a sede de uma fazenda, 10 trabalhadores foram executados e torturados há mais de um mês e ninguém foi responsabilizado.

Jamais deixaremos de citar a violência no contexto urbano mascarada pelo falso debate de guerra as drogas que, em verdade, significa uma guerra aos pobres. Jovens negros das periferias são vítimas de chacinas semanais na cidade de Belém, sem que nenhuma pessoa seja responsabilizada. Novamente, grande parte dessas mortes são provocadas pelo estado do Pará através de sua polícia militar.

As mulheres também são vitimadas por toda essa violência e sofrem de forma ainda mais brutal a ausência de direitos e políticas sociais. O estado do Pará teve um aumento da violência contra a mulher nos últimos 10 anos e essa realidade recai sobre a vida das mulheres defensoras de direitos humanos. Manifestamos aqui nossa indignação com o assassinato de Maria Trindade da Silva Costa, liderança quilombola assassinada na zona rural do município de Moju. Outra grande lutadora de nosso estado, Maria Joelma, que teve seu companheiro assassinado, vive sob escolta policial há anos. Atualmente, ela vive sob o risco de perder a escolta, mesmo que ela ainda viva sob ameaças.

É preciso dizer que o sistema de justiça tem sido inúmeras vezes cumplice deste cenário de violência. Pau D´Arco, por exemplo, já tinha sofrida 03 reintegrações de posse pela polícia militar local, contrariando normativa estadual que orienta a reintegração de posse pelos comandos especiais de Belém. O Complexo Divino Pai Eterno, localizado na região de São Félix do Xingu também sofre há anos pela morosidade da justiça em resolver a questão fundiária de uma área sabidamente pública.

Tudo isso nos coloca em estado de alerta permanente e, por isso, mais do que nunca é imprescindível que seja reorganizado o programa de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos no estado do Pará. A lei estadual 8444/2016, que criou o programa no estado, foi sancionada, mas o protocolo do programa tem sido discutido sem a devida participação dos movimentos sociais e da sociedade civil organizadas em todo o estado. Por isso, exigimos que sejam retomadas as discussões do protocolo do programa com a participação de representações das regiões do estado do Pará e que as sugestões dos movimentos, povos e comunidades sejam devidamente consideradas na elaboração da política de proteção. Só nós sabemos a violência que tem sido imprimida contra nossas lutas e nossas respectivas necessidades de proteção.  É imprescindível também que o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas seja fortalecido no estado.

Finalizamos dizendo que estamos reunidos na defesa de nossas terras, de nossos territórios, contra a invasão do latifúndio, pela vida das mulheres, da juventude negra, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas. Somos defensoras e defensores de direitos humanos.

Marabá, 04 de julho de 2017

Rede Paraense de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos

 

Conselho Indígena Tapajós Arapiuns

Movimento dos Atingidos por Barragens

Movimento dos Trabalhadores rurais sem terra

FETAGRI

Liga dos Camponeses Pobres

Terra de Direitos

Comissão Pastoral da Terra

Conselho Indigenista Missionário

Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

LAJUSA – Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia

Rede de Mulheres Negras

Grupo de mulheres brasileiras

Movimento Xingu Vivo

Federação das Organizações Quilombolas de Santarém

MALUNGO

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Rondon do Pará

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Canaa dos Carajás

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Floresta do Araguaia

Justiça Global

https://ssl.gstatic.com/ui/v1/icons/mail/images/cleardot.gif

 



Notícias Relacionadas




Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos