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Regularização para estrangeiro ver


(Por Dafne Melo, da Agência Brasil de Fato) O discurso do governo federal é de que a medida provisória 458 irá regularizar as terras na Amazônia, dando fim ao caos fundiário na região, tudo isso beneficiando pequenos agricultores e incentivando a preservação da floresta. Na prática, porém, organizações e movimentos sociais são enfáticos ao afirmar que a legislação, se sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trará efeitos justamente opostos. "Essa MP, da forma como está colocada, não regulariza, mas torna legal o que hoje é ilegal", define Fernando Prioste, assessor jurídico da organização não-governamental Terra de Direitos.

Ele explica que uma regularização de fato deveria começar por resolver a posse de terra das comunidades tradicionais da região, como quilombolas e indígenas, "o que essa MP não faz". O segundo passo, diz Prioste, é demarcar e dar a titulação a pessoas que possuem a posse legal da terra, e não concedê-las a pessoas que as ocuparam ilegalmente por meio de grilagem. "Essa MP ignora crimes, legaliza a situação de quem grilou, desmatou e usou trabalho escravo, ao invés de investigar essas ações e puni-las", aponta José Batista, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará. "O que essa lei vai fazer é premiar quem infringe a lei, beneficiar um número imenso de gente que praticou crimes", resume Márcio Astrini, da ONG Greenpeace. Pressões A MP já foi aprovada pelas duas casas do Congresso Nacional e aguarda, desde o dia 9 de junho - quando passou pelo Senado - a sanção do presidente da República.

A princípio, ela deverá ser assinada, de acordo com declarações do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, até o dia 25 de junho. De todos os lados, Lula sofre pressões. Nas últimas semanas, cresceram as críticas em relação ao texto, em especial, às alterações que a MP sofreu na Câmara de Deputados (ver tabela), fruto de pressões da bancada ruralista que não se contentou com o texto original, já bastante permissivo. O texto original vedava a alienação de terras em áreas ocupadas por indígenas, quilombolas e populações tradicionais; com as alterações, o direito ficou reservado apenas aos indígenas. Outra polêmica foi a permissão de concessão de terras a pessoas jurídicas, ou seja, por empresas, o que, para ambientalistas e movimentos sociais dava todas condições para atuação das transnacionais na região, intensificando o desmatamento e formação de latifúndios.

A possibilidade da venda das terras após alguns anos também foi severamente combatida. As críticas parecem ter surtido efeito. Integrantes do governo têm afirmado que Lula deverá rever alguns desses artigos, como o que o permite venda a empresas. Entretanto, nada ainda é certo. Outros pontos como a regularização de terras exploradas ou ocupadas indiretamente - o que legaliza o uso de "laranjas" - também têm sido duramente criticados.

Reforma agrária Para os movimentos sociais, se a real motivação do governo federal fosse resolver o problema fundiário na região, além de regularização das terras de populações tradicionais, deveria fazer a reforma agrária. José Batista afirma que hoje há 20 mil famílias acampadas, a maior parte delas no sul e sudeste do Pará. Com a MP, acredita-se que a espera dessas famílias deverá se alongar ainda mais; não só porque a corrida pelas terras aumentará, mas porque outras atribuições serão dadas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "Todos sabem, o próprio Incra reconhece, que já não se consegue dar conta do que tem que fazer hoje, se aumentar a demanda, a situação certamente irá complicar", defende Fernando Prioste.

A tendência, continua, é que diante do acúmulo de processos, acabem sendo privilegiados aqueles com maior poder econômico e, portanto, maior capacidade de pressão junto às esferas governamentais. Márcio Astrini, do Greenpeace, acredita que se a implementação da MP passar por cima das pessoas que lá estão, há anos, aguardando a regularização de suas terras, ficará demonstrado o caráter da medida. Ministério Público O sentimento de repúdio à lei não se limita às organizações sociais. Até mesmo empresários se reuniram em São Paulo, no dia 18 de junho, para pedir a anulação de alguns dos artigos da MP. Outra manifestação contrária veio do Ministério Público Federal. Após a aprovação pelo Senado, 37 procuradores que atuam nas regiões dos estados do Pará, Amapá, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e Roraima afirmaram em carta ao presidente Lula que, se a lei for sancionada, será "uma ameaça aos 20 anos de trabalho do Ministério Público Federal na defesa da dignidade e dos direitos dos povos da região".

Os procuradores usam o exemplo do assassinato da Irmã Dorothy, assassinada por grileiros da região amazônica, em Anapu (PA). A área em que ela foi morta era disputada por anos e possuía 15 módulos fiscais (cada módulo, na região, tem uma média de 100 hectares, ou seja, a fazenda tinha 1.500 hectares), exatamente o limite proposto pela MP para que a terra seja concedida a ocupante - ilegal ou não. Após o crime, os grileiros foram retirados da área, transformada em então assentamento de trabalhadores rurais. Os procuradores chamam a atenção para o fato de que se a MP 458 já estivesse em vigor na época, os acusados pela morte de Dorothy teriam permanecido, com a bênção do Estado, com a terra. (Leia mais na edição 330 do Brasil de Fato, disponível nas bancas)



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar, Terra, território e justiça espacial