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Um Protocolo de Biossegurança sem um regime de responsabilidade interessa a quem?


O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança entrou em vigor em 2003, e é o Acordo Internacional que se destina a “contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana”. O Protocolo estabelece, entre outros, padrões mínimos de análise de risco a respeito dos Organismos Vivos Modificados e normas que regulamentam o transporte transfronteiriço, possibilitando que um país, se for o caso, rejeite a importação de OVM. (organismo vivo modificado é o nome dado pelo Protocolo aos organismos transgênicos).[i]

O Protocolo, a respeito da introdução dos OVM no meio ambiente, adota a obrigatoriedade da análise de risco e o princípio da precaução. À época da assinatura do Protocolo, em 2000, ficou estabelecido que as partes, em sua primeira reunião, adotariam um processo em relação à adoção apropriada de normas e procedimentos internacionais no campo da responsabilização por danos ocasionados por Organismos Vivos Modificados, procurando concluir este processo em 2004. Em 2003, no primeiro encontro de partes, foi formado um Grupo de Trabalho para formular opções de um regime de responsabilidade. O mandato deste grupo de trabalho acabou, e sua última reunião foi realizada no mês de abril de 2008, em Cartagena, na Colômbia. O fato é que após 05 anos e 05 reuniões deste Grupo de Trabalho não se chegou a um acordo sobre elementos centrais de um regime internacional de responsabilidade e nem mesmo sobre a natureza deste regime. A polarização da discussão reflete os interesses dos grupos.

Poucos assuntos mobilizam tanto o lobby da indústria como a possibilidade de estabelecimento de regras sobre indenização por danos causados por seus produtos. E estamos falando de um grupo bem pequeno e seleto de empresas: as 06 responsáveis pelo desenvolvimento dos transgênicos atualmente cultivados (Basf, Bayer Crop Science, Dow Agrosciences, Du Pont/Pioneer, Monsanto e Syngenta), representadas pela Coalização Mundial da Indústria e as outras quatro, responsáveis pelo transporte internacional de commodities agrícolas: ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. Todas localizadas em países do Norte. Enquanto a discussão internacional não avança, a necessidade de um regime internacional de responsabilidade por danos ocasionados por OVM torna-se cada vez mais evidente. A contaminação segue sendo utilizada como estratégia das transnacionais para a liberação de transgênicos para a produção e consumo[ii]. Sem um mecanismo de responsabilidade definido, em muitos casos tais danos ficam completamente impunes.

Ao lado disso, é evidente que as análises de risco realizadas para subsidiar as autorizações comerciais são falhas. No Brasil, o milho transgênico foi liberado com a oposição pública dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Em diversos países da Europa, a comercialização destas variedades de milho foi proibida. Por outro lado, cresce o investimento na 2º geração de organismos vivos modificados: as plantas para produção de fármacos, em que os danos podem ser muito mais graves e um regime de responsabilidade muito mais necessário. [iii]A oposição da indústria à criação de um regime de responsabilidade deveria ser considerada pelas Partes do Protocolo, um sinal da necessidade de criação do regime: se confiassem na segurança de seus produtos, as empresas de biotecnologia não se oporiam tão fortemente ao regime de responsabilidade. A ausência de um regime de responsabilidade internacional joga aos países e, portanto, ao povo, a responsabilidade de arcar com os eventuais danos ocorridos, transformando os Estados em fiadores do desenvolvimento tecnológico irresponsável.

 

[i] O comércio internacional é a maior fonte de contaminação. Os principais casos de contaminação ocorridos até hoje originaram-se do comércio ou da exportação para fins de ajuda alimentar.[ii] Um exemplo recente é o caso do arroz LL 601, da Bayer. Em 2007, traços desta variedade de arroz transgênico, não liberados para produção comercial, foram descobertos na produção americana em 2006 e também acabaram sendo encontrados na Europa. A contaminação veio de campos experimentais do LL601 nos Estados Unidos que tinham sido encerrados em 2001[iii] Em 2002, uma variedade de milho geneticamente modificado para produzir uma vacina para porcos foi encontrado crescendo em uma plantação de soja em Iowa. Todo o silo de soja teve que ser destruído e foi determinado que a empresa deveria pagar uma multa de US$250 mil, além de outros custos de US$3,5 milhões. 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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