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Direitos dos agricultores, agrobiodiversidade e soberania alimentar: ameaças no Congresso Nacional


Semente crioulaTramitam no Congresso Nacional projetos de lei que, se aprovados, produzirão grande impacto na agricultura, especialmente na agricultura familiar. Todos estes projetos, em síntese, têm como objetivo restringir – ou mesmo impedir – que o agricultor perpetue uma técnica milenar: reservar sementes para utilizar nas safras seguintes.

Atualmente, existem duas estratégias que têm como interessadas diretas as empresas transnacionais: liberar as tecnologias capazes de gerar plantas estéreis (que não produzem sementes) e condicionar os direitos de reprodução de variedades à autorização de empresas produtoras de sementes, através da ampliação da propriedade intelectual sobre as plantas.

Algumas restrições já foram impostas na Lei de Sementes e na Lei de Proteção aos Cultivares em vigor. A atual legislação garante a todos os agricultores o direito de reservar e plantar sementes para uso próprio e, aos agricultores familiares, multiplicar sementes para doação ou troca para outros pequenos agricultores, através de programas de financiamento ou de apoio conduzidos por órgãos públicos ou organizações não-governamentais. Além disso, a legislação garante que não serão estabelecidas restrições à comercialização ou utilização como alimento do produto do plantio.

A Terra de Direitos e o Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA, com apoio do PDA, monitoram a tramitação destes Projetos de Lei no Congresso Nacional.

Conheça os projetos de lei em trâmite

Lei de Proteção de Cultivares :

A Lei de Proteção aos Cultivares regulamenta os direitos do obtentor (ou melhorista) sobre as variedades que produz, através de restrições sobre livre uso destas variedades. Para justificar a “proteção” – através dos mecanismos da Lei de Proteção aos Cultivares, a variedade deve ser nova (não ser comercializada ou utilizada), distinta (ter características diferentes das variedades já utilizadas) e estável (capaz de preservar suas características por muitas gerações).

A atual lei permite que, mesmo no caso das variedades protegidas, todos os agricultores tenham respeitado o “direito de uso próprio” (produzir suas próprias sementes a partir das variedades “protegidas”, para uso nas safras seguintes) ou, se for pequeno agricultor, além do uso próprio, possa produzir sementes para doação ou troca com outros pequenos agricultores.

Atualmente, existem 02 iniciativas que buscam alterar a lei em trâmite na Câmara dos Deputados, sendo que ambos estão na Comissão de Agricultura. Há também um Anteprojeto de Lei proposto pelo Ministério da Agricultura parado na Casa Civil. Em síntese, todos os projetos de lei visam restringir a prática do “uso próprio” de sementes. Pelas propostas, o uso próprio poderia ser praticado somente para produção de alimentos para consumo do agricultor e sua família, sendo vedada a comercialização do produto da colheita.

O uso próprio poderia ser praticado por agricultores familiares, mas desde que inseridos “faixa de isenção” do imposto de renda. O projeto abre a possibilidade de estabelecer a cobrança de “taxa tecnológica” ou royalties, sobre o produto da colheita, no caso do agricultor ter utilizado a sementes protegida sem autorização, como acontece atualmente no caso da soja transgênica.

PL 2325/2007: Altera a lei que institui a Lei de Proteção de Cultivares

Autor: Rose de Freitas (PMDB/ES)

Apresentado em 31/10/07

Ementa: Altera a Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, que institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências. Exige a autorização do titular para a comercialização do produto da colheita, inclusive plantas inteiras ou suas partes. Recentemente, o relator da Comissão de Agricultura apresentou e retirou parecer favorável pela aprovação junto com substitutivo que traz em seu escopo pontos contidos no APL Cultivares que está parado na Casa Civil.

PL 3100/2008 Altera a Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, que "Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências

Autor: Moacir Micheletto (PMDB/PR)

Apresentado em 26/03/08

Apensado ao PL 2325/2007

Ementa: Altera a Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, que "Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências". Estabelece que não fere o direito de propriedade sobre cultivar protegida quem usa em consumo próprio, como alimento, como usuário especial, assim considerado o agricultor familiar, o assentado, o indígena, o remanescente de quilombo, o pescador, o extrativista e o aqüicultor, reserva e planta para uso próprio ou para doação ou troca com outros usuários especiais. Proposição Sujeita à Apreciação Conclusiva pelas Comissões.

Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso – Terminator:

Existem 02 projetos de lei que prevêem a liberação de Tecnologias de Restrição de Uso, ou seja, sementes transgênicas com a finalidade de produzir variedades estéreis. Atualmente, a Lei de Biossegurança proíbe a “a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso” (art. 6º, lei 11.105).

Além disso, as Tecnologias Genéticas de Restrição de Uso, conhecidas como sementes Terminator, estão sob moratória internacional, pois a Convenção sobre Diversidade Biológica recomendou a não utilização deste tipo de tecnologias, nem mesmo em testes de campo.

PL 268/2007

Autor: Eduardo Sciarra (PFL/PR)

Apresentado em 01/03/07

Ementa: Altera dispositivos da Lei de Biossegurança (11.105/05) e revoga os artigos 11 e 12 da Lei 10.814/03. Proíbe a comercialização de sementes que contenham tecnologia genética de restrição de uso de variedade, salvo quando se tratar de sementes de plantas biorreatoras, ou seja, organismos geneticamente modificados para produzirem proteínas ou substâncias destinadas, principalmente, ao uso terapêutico ou industrial.

Trâmite: Passou pelas comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável onde recebeu parecer desfavorável à aprovação do projeto. Aguarda parecer do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Após este parecer, deverá ser debatida no Plenário da Câmara e ir ao Senado.

PL 5575/2009

Autor: Cândido Vaccarezza (PT/SP)

Apresentado em 07/07/09

Ementa: Altera a Lei de Biossegurança (11.105/05), que regulamenta os incisos II, IV e V do §1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança - PNB. Possibilita a utilização de tecnologia de restrição de uso.

Trâmite: encaminhado à Comissão de Defesa do Consumidor; Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Aguarda parecer do relator da Comissão de Defesa do Consumidor. No dia 26/11/09 foi deferido o requerimento feito pelo Dep. Edson Duarte (PV) para que o projeto tramite também na Comissão de Meio Ambiente.

Através dessas sementes as empresas transnacionais ampliariam seus lucros e controle sobre o mercado agrícola nacional, pois, sendo a variedade estéril, o produtor será obrigado a adquirir novas sementes a cada um dos plantios. As liberações dessas variedades representariam o aumento do custo da produção, o endividamento de pequenos agricultores e restringiriam as práticas comuns como armazenamento, troca, venda e melhoramento de sementes.

Não obstante, ocorreria a uniformização de espécies, ocasionando a diminuição e extinção de variedades disponíveis, desencadeando o processo conhecido como ‘erosão genética’ e que ameaça a segurança e soberania alimentar dada a redução de variedades disponíveis para consumo.

Regulamentação do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura:

Em 2001, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura aprovou o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura . O Tratado tem três principais características:

a) reconhece a enorme contribuição de agricultores de todas as regiões do mundo à diversidade dos cultivos, e por isso, conceituam os “direitos dos agricultores”;

b) estabelece um sistema mundial para proporcionar o acesso facilitado aos recursos genéticos, especificamente aqueles presentes em uma lista de cultivos anexa ao tratado e;

c) prevê que os usuários de recursos genéticos repartam os benefícios que obtém do germoplasma utilizados no melhoramento genético com as regiões de onde são originários.

No Brasil, o Tratado entrou em vigor em 2005. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apresentou Anteprojeto de Lei que está na Casa Civil como proposta de regulamentação interna das normas do Tratado. Conheça os principais aspectos da proposta do Ministério da Agricultura:

* Direitos dos agricultores: O Ministério da Agricultura sintetiza a questão da seguinte forma: “Reconhecer, com a repartição de benefícios, o direito dos agricultores e comunidades indígenas e tradicionais.” Por esse entendimento, os direitos dessas comunidades seriam pensados a partir de uma relação mediada pelo capital, quando o acesso a recursos genéticos deveria ocorrer a partir do interesse voluntário dos que preservam e melhoram o patrimônio genético nacional.

* Repartição de benefícios: A previsão é de que a repartição dos benefícios que surgirem da exploração econômica dos produtos ou processos advindos dos recursos genéticos, derivados ou conhecimento tradicional associado, significa que a relação será nos termos do contrato firmado entre as partes. O Poder Público (no caso o MAPA) só receberá uma cópia do contrato sem interferir na forma como será realizado. Muitas comunidades não são regidas pelo Direito Privado, não têm relações contratuais e estarão sujeitas a imposições e clausulas abusivas.

* Competências institucionais: Ao dispor sobre competências e atribuições institucionais, o MAPA exclui competência de outros ministérios como o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Meio Ambiente, e seria o órgão competente para estabelecer normas posteriores no que atine o objeto da lei, cadastrar os interessados em acessar os recursos, bem como para autorizar a remessa para o exterior, além de ter a discricionariedade de definir em quais situações poderá dispensar empresas ou pessoas da obrigação do cadastramento e ser competente para a aplicação de sanções decorrentes de descumprimento da lei. Informações, dados e resultados de interesse público ficariam concentrados e sob gerência do MAPA.

De que forma o projeto de lei ameaça o patrimônio genético, natural e cultural do país?

O Ministério terá a competência para cadastrar os recursos genéticos, variedades ou raças, mantidos por gerações pelas comunidades tradicionais e agricultores, bem como seus mantenedores. De acordo com a proposta, o MAPA define-se como ‘a autoridade nacional competente para gestão das informações relacionadas com a remessa de recursos genéticos ou de seus derivados’.

Ao dizer que os direitos dos agricultores serão implementados a partir de políticas públicas de participação do processo de tomada de decisão sobre assuntos relacionados com a conservação e uso sustentável de variedades ou raças tradicionais, a proposta é, no mínimo, incoerente uma vez que a participação deve acontecer desde a formulação do marco jurídico.

A previsão de que a repartição dos benefícios que surgirem da exploração econômica dos produtos ou processos advindos dos recursos genéticos, derivados ou conhecimento tradicional associado, é questionável por estabelecer que serão nos termos do contrato firmado entre as partes. O Poder Público (no caso o MAPA) só receberá uma cópia do contrato sem interferir na forma como será realizado.

Para participar dos benefícios advindos do Fundo Nacional para a Conservação da Biodiversidade Agrícola (FNCBA), os agricultores ou comunidades tradicionais deverão ter as variedades, as raças crioulas e o conhecimento tradicional associado cadastrados no MAPA. Este Fundo tem o objetivo de estimular, promover e valorizar o recurso genético para alimentação e agricultura, deveres atribuídos ao Poder Público no artigo 225 da Constituição Federal para assegurar o direito difuso ao meio ambiente equilibrado.

As propostas de regulamentação dos Direitos dos Agricultores não consideram as principais diretrizes internacionais como a participação dos agricultores na tomada de decisões que dizem respeito à destinação dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar



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