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Soberania dos Povos: carta política cobra mudanças em medidas do estado de Minas Gerais


Carta Política do Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais

Entre os dias 1 9 e 21 de maio de 2023, representantes de muitos dos Povos indígenas, quilombolas, vazanteiros, pescadores, vacarianos, geraizeiros, ciganos, carroceiros, congadeiros, reinadeiros,  povos de terreiros, apanhadoras de flores, veredeiros, chapadeiros, faiscadores tradicionais, além de organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pastorais sociais, pesquisadores e pesquisadoras, parlamentares e representantes das instituições de justiça que os apoiam, estiveram reunidos no Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais em defesa dos Territórios e do Direito de Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé. Esse encontro reuniu mais de 100 lideranças populares, iniciando-se com um ato público nas escadarias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da ALMG, no dia 19, seguindo com dois dias de encontro em Ribeirão das Neves, MG.

Nesses dias ricos de debate e articulação, permeado de mística e espiritualidade libertadora ancestral, reafirmamos o direito aos territórios tradicionais e ao bem viver. A cultura, a forma de organização social e política, a natureza, as práticas sociais, a história, a memória e o território de cada um dos Povos e Comunidades Tradicionais são patrimônios que devem ser preservados pelo Estado brasileiro e pelo estado de Minas Gerais. A tradicionalidade e os direitos que decorrem delas devem ser garantidos.

Além disso, são os Povos e Comunidades Tradicionais os maiores responsáveis pela preservação da Mãe Terra, das águas, das florestas e das matas. Preservar esses territórios é também preservar as condições objetivas de vida de toda a humanidade e garantir os direitos da natureza e de toda a sociobiodiversidade.

Entretanto, denunciamos que o estado de Minas Gerais viola sistematicamente os direitos dos Povos e das Comunidades Tradicionais. Sob o manto de um falso projeto de desenvolvimento, empreendimentos minerários do grande capital têm devastado comunidades inteiras, contaminado as águas e exposto as pessoas a problemas graves de saúde. Muitas pessoas foram mortas pelas consequências dos crimes da mineradora Vale nas bacias do Rios Doce e Paraopeba, seguem morrendo sem ter como trabalhar, sem suas casas e sem a reparação integral, apesar do passar dos anos.

Mesmo com a lembrança vivida desses crimes, o estado de Minas Gerais, com o desgoverno de Zema, continua insistindo nesse modelo de exploração, prometendo territórios tradicionais como o Vale do Jequitinhonha às mineradoras estrangeiras, desconsiderando a existência dos Povos que vivem há séculos nesses territórios.

Além das mineradoras, a monocultura do eucalipto e o agronegócio também têm sido responsáveis pela desterritorialização de muitas comunidades. As comunidades sofrem ainda com processos de grilagem de terras devolutas promovidos por grandes latifundiários e empresas. Faltam políticas públicas que assegurem direitos aos Povos, enquanto sobram recursos e incentivos para grandes latifundiários destruírem o meio ambiente e o nosso bem viver. Em Minas Gerais está mais da metade da monocultura de eucalipto do Brasil, e nosso estado segue, nos últimos dez anos, registrando o maior número de trabalhadores em situação de  escravidão. Não é possível tolerar mais tanta atrocidade cometida pelo governo do estado de Minas Gerais, Romeu Zema, em conluio com grandes empresas e com conivência do Poder Judiciário.

Em mais uma afronta aos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, em abril de 2022, foi publicada a Resolução Conjunta n° 01/2022 da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE), que aniquila o direito à consulta e ao consentimento prévios, livres e informados, bem como o direito ao autorreconhecimento de Povos e Comunidades Tradicionais. Por isso, exigimos que essa Resolução seja revogada imediatamente!

Reafirmamos, através dessa Carta Política, a existência de diversos segmentos de Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais, cada uma com sua cultura, com sua organização social e política, com seu território e seus saberes, que devem ser respeitados e valorizados como sendo o maior patrimônio do estado. 

Infelizmente, possuímos em comum diversas violações à nossa soberania, ameaças aos nossos territórios e revolta por perceber que o estado de Minas Gerais não exerce seu papel protetivo em garantir nossos direitos. Apesar disso, nós também temos em comum a força de nossos ancestrais, de nossas lideranças, das nossas tradições, e da espiritualidade que nos alimenta dia após dia e não nos deixa parar de lutar. Existimos e resistiremos sempre na defesa intransigente dos nossos saberes, territórios tradicionais, costumes e modos de vida, com direitos e dignidade.

Por tudo isso, nós exigimos que:

  • O nosso direito à Consulta e ao Consentimento Prévios, Livres, Informados,  e de Boa-fé sejam efetivados, e os nossos Protocolos de Consulta sejam respeitados. Temos o direito de dizer não;

  • A  Resolução Conjunta n° 01/2022 da SEDESE/SEMAD seja imediatamente revogada;

  • A Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT) seja empossada e tenha orçamento próprio e condições de funcionamento, para que tenhamos no estado de Minas Gerais um espaço de defesa dos nossos direitos;

  • O Programa de Proteção de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos do estado de Minas Gerais seja fortalecido, para que ele de fato cumpra seu papel de proteger lideranças ameaçadas e comunidades em situação de risco e vulnerabilidade;

  • O governo do estado através da CEPCT, cumpra com a Lei estadual n° 21.147/14 que instituiu a Política Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, em sua integralidade, especialmente, para que seja retomada a emissão de certidões de autorreconhecimento às comunidades, promova o mapeamento desses Povos e regularize, com celeridade, os seus territórios tradicionais. Ressaltamos, ainda, que o Governo de Minas Gerais deve respeitar a autodeterminação dos Povos e Comunidades Tradicionais, independente de emissão de certidão;

  • O Supremo Tribunal Federal reconheça o direito originário dos povos indígenas aos seus territórios, independentemente de qualquer marco temporal;

  • As comunidades atingidas pelos brutais crimes socioambientais ocorridos no estado de Minas Gerais tenham garantida a reparação integral dos danos sofridos;

  • A imediata suspensão de todos os licenciamentos ambientais que atingem Povos e Comunidades Tradicionais até que nossos direitos, incluindo o direito territorial e à Consulta e Consentimento Prévios, Livres, Informados  e de Boa-fé, sejam efetivados;

  • A investigação séria das relações entre o Ministério Público de Minas Gerais com grandes empresas, sobretudo mineradoras, que dificultam nossas (r)existências, com punição adequada a quem delas indevidamente se beneficia;

  • As Secretarias Municipais de Assistência Social estruturem  equipes volantes para fazer uma busca ativa, viabilizando o Cadastro Único dos Povos e das Comunidades Tradicionais para possibilitar a identificação da diversidade social brasileira, dando suporte ao reconhecimento de grupos populacionais em respeito aos seus modos de vida, e possibilitar o acesso adequado às políticas públicas;

  • O acesso à informação e à formação referente a leis de fomento à cultura e patrimônio para acesso dos Povos e Comunidades Tradicionais;

  • O respeito à Comunidade Tradicional Carroceira de Belo Horizonte e da Região Metropolitana de Belo Horizonte, cujos direitos têm sido violados por meio de proposição de leis.  Assim como todos os Povos e Comunidades Tradicionais, carroceiros e carroceiras, têm em seus animais companheiros de vida e trabalho. O racismo ambiental, que na falsa ideia de separação entre humanos e natureza, nega os direitos à vida e ao território, viola não apenas a Convenção 169 da OIT, mas a nossa tradicionalidade dessas comunidades;

  • O governo Lula reconheça por meio de decreto a Emergência Climática em nosso país, conforme reivindicação apresentada pelos Povos Indígenas no Acampamento Terra Livre (ATL);

  • O respeito aos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Rio Pardo, fortemente afetados pelas investidas do governo Zema com projetos como o  “Projeto Vale do Lítio”, que envolve a venda de nossos territórios, reduzindo-os a “riquezas minerais”, para o capital estrangeiro. Não somos Vale do Lítio, somos Vale do Jequitinhonha! 

Somos também o Rio São Francisco, o Rio Doce, o Rio Paraopeba,  a Serra do Brigadeiro, a Serra do Curral, a Serra do Rola Moça, a Serra da Moeda, a Serra da Canastra, a Serra da Serpentina, a Serra do Caparaó, a Serra do Espinhaço e tantas outras serras, grotas, chapadas, águas, matas, florestas e cidades, em uma infinidade de territórios. Existimos, somos a verdadeira riqueza desse estado de Minas e dos Gerais e não descansaremos até que os nossos direitos, modos de vida e territórios tradicionais sejam respeitados.

Ribeirão das Neves, MG, 21 de maio de 2023.

Baixe a Carta com a lista completa de assinaturas: Carta Política do Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais



Ações: Conflitos Fundiários, Quilombolas, Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos, Terra, território e justiça espacial