Varrida das ruas e das marquises


Na noite de 23 de setembro, a população em situação de rua que se preparava para dormir nas marquises do Mercado Municipal de Curitiba foi surpreendida por uma ação da prefeitura do município. Naquela hora, uma empresa terceirizada iniciou o procedimento de implantação de grades nos arredores do mercado, impossibilitando que a população ali permanecesse. Este procedimento, a princípio, não causa nenhum espanto social, o que por si só já demonstra o grau de invisibilização e criminalização imputado pelo olhar social a esta população em situação de vulnerabilidade.

Em 2016, estudos apontaram a existência de 1.715 pessoas em situação de rua. Esse dado já se tornou visivelmente muito maior, como se observa nas ruas, nas praças, principalmente nas áreas do Centro da cidade. O que espanta, mais que o número de pessoas nessa situação, é a ausência de políticas públicas reais para atender às demandas e garantir direitos a esta população.

De acordo com a Fundação de Ação Social (FAS), 1,2 mil vagas em acolhimentos foram disponibilizadas para pessoas em situação de rua durante a Operação Inverno de 2018, que tenta evitar o risco de mortes ocasionadas pela exposição às baixas temperaturas. Se considerarmos as estimativas de 2016, ao menos 500 pessoas ficaram sem o devido acolhimento.

Há, ainda, uma omissão substancial no argumento da prefeitura: as unidades de atendimento e acolhimento institucional atendem apenas durante o pernoite e, após este acolhimento noturno, a maior parte das pessoas, ao amanhecer, não tem para onde ir – elas voltam, logo cedo, para as ruas e praças da cidade.

E mais: omite-se também, conforme divulgado em carta aberta do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, que “o prazo de estadia nos acolhimentos é curto e não possibilita a reorganização da vida das pessoas para uma situação de domicílio permanente, que estes espaços destinados a pessoas adultas são disciplinares, autoritários, coletivos e sem qualquer possibilidade de as pessoas exercerem qualquer tipo de privacidade”.


É necessário reforçar que, para a população em situação de rua, o espaço público se tornou a última e única alternativa para sua sobrevivência. Trata-se de pessoas que, pelos mais diversos motivos, perderam as condições de realizar a manutenção de suas vidas em domicílios permanentes.

Nesse sentido, a crescente violação do direito de ir, vir e permanecer da população em situação de rua, por meio de um recrudescimento das ações dos agentes estatais e autoridades policiais, tem tornado o Paraná – e, em especial, a cidade de Curitiba – palco de constantes violações de direitos humanos.

Historicamente, as ações deste tipo, que tentam criar empecilhos para que as pessoas permaneçam no espaço público, são uma medida paliativa violadora e higienista que não resolve nem o incômodo manifestado pelos comerciantes, nem dá alguma opção ou garantia em termos de política de moradia para pessoas em situação de rua. Em contrapartida, é urgente que o município se comprometa na produção de políticas habitacionais capazes de verdadeiramente impactarem positivamente na superação da situação de rua.

Alice Correia é advogada popular da Terra de Direitos e integrante do GT Moradia Pop Rua. Tomás Melo é coordenador do Instituto Nacional de Direitos Humanos da População em Situação de Rua (INRua).

Ilustração: Robson Vilalba/Thapcom

 



Ações: Direito à Cidade
Eixos: Terra, território e justiça espacial