A criminalização do protesto social em Belo Monte
A luta dos atingidos por barragens no Brasil em contraponto ao padrão vigente de implantação de barragens que resulta em graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, são o fio condutor do artigo "A criminalização do protesto social em Belo Monte".
No texto, os autores Fabiano Oliveira Vitoriano e Iury Paulino, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), discutem sobre como essas situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual que sofrem as defensores e defensores de direitos humanos são ferramentas de criminalização de movimentos sociais.
Ainda, a publicação oriunda da segunda edição do caderno “Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil" traz o perfil do defensor de direitos humanos Vitor Lira.
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Confira o artigo na íntegra:
A criminalização do protesto social em Belo Monte
Em 2011, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), aprovou relatório da Comissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no Brasil. O documento só vinha a constatar o que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) já denunciava há duas décadas: “que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.
A luta dos atingidos por barragens em qualquer parte do Brasil é, principalmente, a luta pela vida. Isso significa dizer que a organização das populações atingidas está pautada na garantia de direitos fundamentais para se viver dignamente. Essa organização se dá em vários momentos - desde a luta contra a construção das hidrelétricas, luta por um plano nacional de atendimento aos atingidos por barragens, até a garantia de um reassentamento digno para os realocados pelas obras em andamento.
Nesse último caso, o embate é diretamente com consórcio dono da hidrelétrica. Esse é o momento em que se acirram os conflitos entre empresas e Movimento dos Atingidos, pois são nas ações socioambientais que as empresas proprietárias das barragens fazem de tudo para diminuir os gastos. E para impedir que as comunidades atingidas tenham força o suficiente para reivindicar seus direitos, as empresas têm usado de artifícios extremamente retrógrados - o instrumento mais utilizado tem sido o interdito proibitório.
O interdito proibitório está disposto no artigo 932 do Código de Processo Civil de 1973, período da ditadura militar brasileira. Assim como esta lei, quase toda a base legal que ampara as empresas do setor elétrico nacional- quereduz direitos ou criminaliza os atingidos - são da época do regime militar de nosso país.
O Movimento estar sob interdito proibitório significa dizer que não se pode reclamar a pauta e criar cenário para que ela avance para melhoria das comunidades afetadas. Recentemente há pelo menos três regiões em que o MAB foi notificado com um interdito proibitório: Baixo Iguaçu, oeste do Paraná, Garabí/Pananbi/RS e Altamira/PA.
O Baixo Iguaçu foi a única região que conseguiu derrubar a ação do interdito. Em Garabi/Panambi a situação tem sido de perseguição: na hora de entregar as notificações de interdito para os militantes do Movimento, intimidam a comunidade para entregar às lideranças. Em Altamira, oficiais de justiça foram entregar a notificação durante uma reunião entre Norte Energia e MAB, deixando claro que empresa e justiça se ajudam para encaminhar seus trabalhos.
O Interdito Proibitório é uma ferramenta de criminalizar os lutadores dos movimentos sociais. É a negação do direito de livre expressão. E também é contradição, pois no interdito consta que os notificados não podem ter acesso ànenhuma propriedade da empresa.
No caso de Belo Monte (Altamira), essa ferramenta vem sendo usada de forma recorrente, numa tentativa descarada de criminalização dos movimentos sociais que organizam a população atingida e tem a luta popular como instrumento de resistência e denúncia. Em Altamira, chega a ser repudiante a forma desrespeitosa da Norte Energia com as/os atingidas/os. No último interdito, uma das notificadas é moradora do Reassentamento Coletivo Urbano (RUC) Jatobá, que ainda está sob responsabilidade da Norte Energia. Assim, a militante não poderia ir para sua casa, já que está dentro de uma área de domínio da empresa.
Fica cada vez mais clara a necessidade de se instituir uma política de tratamento das populações atingidas por grandes projetos no Brasil e, ao mesmo tempo, mudar a política energética. Belo Monte evidencia mais uma vez que esse modelo atual não serve para a população brasileira: prejudica os atingidos e, de modo geral, viola os direitos de toda população do país.
O tratamento dado pela Norte Energia à grande parcela da população atingida pela construção da hidrelétrica é desumano.Várias famílias vão ficar sem moradias, sem terra, sem saúde de qualidade - pior ainda é ter negado o direito de protestar e denunciar essas violações. Os conflitos em áreas onde foram ou estão sendo construídas barragens sempre será constante enquanto imperar esse modelo energético que por sua natureza é excludente e voraz. Água e energia com soberania, distribuição de riquezas e controle popular!
Vitor Lira
Morador do pico do Morro Santa Marta, histórica favela do Rio de Janeiro, Vitor Lira é líder comunitário e luta contra o plano de remoção de 150 famílias do local, por ordem do governo do Estado.
O governo argumenta que o pico do Santa Marta - que possui uma das vistas mais privilegiadas da cidade, aos pés do Cristo Redentor - está em área de risco. No entanto, até o momento nenhum incidente no local foi registrado. Desde que compõe a Comissão de Moradores do Pico do Santa Marta (grupo que questiona as ações da polícia e do governo) Vitor tem sofrido retaliações e intimidações constantes por parte do Estado.
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos