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Estatuto da Metrópole: o que o Paraná e Curitiba têm a ver com isso?


Por  Rosa Moura, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, e Thiago Hoshino, pesquisador do Núcleo de Estudos em Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico (Própolis/PPGD-UFPR). 

No último dia 12 de janeiro foi sancionada a Lei Federal 13.089/2015, conhecida como Estatuto da Metrópole, após tramitar no Congresso Nacional por mais de 10 anos.

Esse diploma tem fundamental importância para a política urbana, pois disciplina a criação de “regiões metropolitanas” e outras categorias de unidades regionais previstas na Constituição Federal de 1988.

Não só elimina o equívoco conceitual de atribuir natureza metropolitana a qualquer tipo de aglomeração urbana, como torna claro, de uma vez por todas, que essas unidades territoriais devem ser criadas para a realização de Funções Públicas de Interesse Comum (FPIC).

Ou seja, para garantir a oferta de transporte público de abastecimento de água, de coleta de lixo, entre outros serviços essenciais que, por suas características e por sua inserção num contexto de mancha contínua de ocupação, podem ser prestados de modo muito mais inclusivo e eficiente se planejados e geridos em escala transmunicipal.

Contudo, a consecução desses objetivos demanda uma instância responsável por coordenar os diversos entes implicados. O novo Estatuto estabelece a estrutura e os princípios da governança interfederativa das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que envolve, obrigatoriamente, mecanismos de controle social e espaços de participação na organização, no planejamento e na execução das FPIC.

Pela lógica da norma, esse esforço tem como norte o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI). O IPDUI será aprovado na forma de lei complementar pela Assembleia Legislativa dos respectivos estados, contendo, entre outros elementos, o macrozoneamento do território dessas unidades.

Uma novidade é que o Ministério Público está expressamente designado para acompanhar a elaboração desse plano. Isso não significa, porém, que o PDUI seja o único instrumento para o desenvolvimento urbano integrado: planos setoriais interfederativos, zonas para aplicação compartilhada dos instrumentos urbanísticos, consórcios públicos, convênios de cooperação e a compensação por serviços ambientais são meios a serem empregados conjunta e articuladamente.

Tampouco a emergência do PDUI representa a obsolescência dos Planos Diretores municiais. Ao contrário, esses continuarão existindo e deverão ser compatibilizados, num prazo máximo de 3 anos, com as diretrizes regionais assentadas, sob pena de improbidade administrativa dos prefeitos. O governador que não elaborar o PDUI, no mesmo prazo, sofrerá igual sanção.

No Paraná, um conto de quatro metrópoles

Embora chegue com algum atraso, trata-se de uma lei aguardada, oportuna e abrangente. Mas em que ela toca tão imediatamente o Paraná?

Um fato constrangedor é termômetro do descompasso que enfrentamos: no mesmo dia da sanção do Estatuto da Metrópole pela Presidência da República, o governador do Paraná sancionou quatro leis complementares (184/2015 a 187/2015) criando novas regiões metropolitanas no Estado, nomeadamente Campo Mourão¹, Cascavel², Toledo³ e Apucarana**. Nem se preocupou em conferir se as unidades se enquadravam nos critérios definidos na lei federal.

Com isso, institui mais quatro regiões sem real natureza metropolitana, inclusive fragmentando aglomerações urbanas nitidamente identificadas como contínuas, como no caso das “RMs” de Cascavel e de Toledo, que configuram entre si uma unidade, como comprovam inúmeros estudos. Em vez de criar unidades fictícias, não estaria o Estado carente, sim, de medidas pautadas em estratégias de desenvolvimento regional?

Essas, de fato, estariam adequadas às necessidades de Campo Mourão, Umuarama e tantos outros centros sub-regionais do Paraná e poderiam dar conta do imenso conjunto de municípios tipicamente rurais tornados, da noite para o dia, “metropolitanos”. Da maneira como foram implementadas, essas medidas antes escamoteiam do que solucionam os problemas de nossas cidades e perpetuam um modus operandi já comprovadamente ineficaz do Poder Público.

Sob esta ótica, o Estatuto da Metrópole é paradigmático, até porque nos obriga a refletir sobre as tantas lacunas no que se refere à regulação em âmbito urbano-regional. Sobretudo, volta a salientar o papel da esfera estadual no planejamento e na gestão de funções públicas de interesse comum nos espaços aglomerados, uma ausência bastante sentida.

Ademais, recoloca na agenda as estratégias de regionalização, pois entre a grande maioria das regiões metropolitanas criadas, poucas cumprem com os critérios técnicos para essa categorização, mas todas buscam o desenvolvimento regional – este ainda fora dos planos dos governos do estado o da União.

E o Plano Diretor de Curitiba?

Por sua vez, num momento em que muitos dos municípios da Região Metropolitana de Curitiba estão em fase de revisão de seus planos diretores, há que se questionar o que foi feito do Plano de Desenvolvimento Integrado que a COMEC disponibilizou publicamente em 2006. Qual a perspectiva de que as legislações municipais se adequem a ele? Que propõe, hoje, a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC) para orientar o planejamento municipal de 29 unidades que compõem a RMC?

A cobrança não se dirige apenas ao Estado, que tem se demonstrado claudicante não só em face do desenvolvimento metropolitano, como para com os órgãos responsáveis por impulsioná-lo. Os municípios deveriam, desde logo, unirem-se para reivindicar do Estado a tomada de providências que viabilizem a governança interfederativa.

Afinal, sem implantar a gestão plena, o novo Estatuto preceitua que nenhuma unidade criada receberá apoio da União. Também nos processos revisores, bem que os municípios poderiam começar a levar a sério a harmonização de seus planos, ao menos com seus vizinhos político-administrativos.

Nota Técnica desenvolvida pelo Projeto Cidade em Debate ilustra bem essa defasagem. O documento, apresentado em seminário realizado na Universidade Federal do Paraná no final de 2014, justapõe o zoneamento de diversos municípios limítrofes a Curitiba, diagnosticando sua total esquizofrenia.

Quanto ao recém-publicado Anteprojeto de Lei do Plano Diretor de Curitiba, alguns comentários merecem ser tecidos. O primeiro deles é que, ao menos em suas boas intenções, ele incorpora não só a perspectiva metropolitana como a própria terminologia do Estatuto. O art. 4º, II alude ao Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, o qual o PD deverá observar.

E o art. 13, IX menciona a governança interfederativa como um dos princípios da política de desenvolvimento urbano municipal. É verdade que palavra “metropolitano/a” aparece 36 (trinta e seis vezes) no documento, porém sem grandes avanços, do ponto de vista pragmático.

Na prática, a teoria é outra, e o impasse atual entre Município e Estado em torno do transporte coletivo metropolitano ilustra bem isso. No caso da RMC, conquanto a Lei Complementar 14/1973 que a institui, em seu art. 5º, IV já declarasse o transporte como serviço comum de interesse metropolitano, sua Rede Integrada de Transportes (RIT) segue mambembe.

Com pouquíssima ingerência dos demais municípios que integram a unidade territorial em sua gestão, ela agora se acha sob séria ameaça, especialmente após os últimos prognósticos sobre a desintegração financeira. Isso, apesar de o anteprojeto do novo Plano Diretor prever o fortalecimento da Rede Integrada de Transporte como diretriz da política municipal de transporte público coletivo de passageiros (art. 31, I).

Se, por um lado, a crise chama atenção para a lição de casa que o Estado do Paraná tem de cumprir, por outro evidencia a fragilidade da gestão compartilhada e a extensão do desafio que nos espera rumo a uma efetiva cidadania metropolitana.


Composta por Campo Mourão, Altamira do Paraná, Araruna, Barbosa Ferraz, Boa Esperança, Campina da Lagoa, Corumbataí do Sul, Engenheiro Beltrão, Farol, Fênix, Goioerê, Iretama, Janiópolis, Juranda, Luiziana, Mamborê, Moreira Sales, Nova Cantu, Peabiru, Quarto Centenário, Quinta do Sol, Rancho Alegre d'Oeste, Roncador, Terra Boa e Ubiratã.

² Boa Vista da Aparecida, Braganey, Jesuítas, Iracema do Oeste, Nova Aurora, Anahy, Iguatu, Cafelândia, Campo Bonito, Catanduvas, Céu Azul, Ibema, Guaraniaçu, Diamante do Sul, Corbélia, Lindoeste, Santa Lúcia, Santa Tereza do Oeste, Matelândia, Capitão Leônidas Marques, Três Barras do Paraná e Vera Cruz do Oeste.

³Formada por Toledo, Assis Chateaubriand, Diamante do Oeste, Entre Rios do Oeste, Guaíra, Marechal Cândido Rondon, Maripá, Mercedes, Nova Santa Rosa, Ouro Verde do Oeste, Palotina, Pato Bragado, Quatro Pontes, Santa Helena, São José das Palmeiras, São Pedro do Iguaçu, Terra Roxa e Tupãssi.

**Arapuã, Ariranha do Ivaí, Borrazópolis, Califórnia, Cruzmaltina, Faxinal, Godoy Moreira, Grandes Rios, Ivaiporã, Jardim Alegre, Kaloré, Lidianópolis, Lunardelli, Marilândia do Sul, Marumbi, Mauá da Serra, Novo Itacolomi, Rio Bom, Rio Branco do Ivaí, Rosário do Ivaí, São João do Ivaí e São Pedro do Ivaí integram a região, além da cidade-sede.



Ações: Direito à Cidade
Eixos: Terra, território e justiça espacial