Folha de S. Paulo | O Dia dos Direitos Humanos e a pobreza
Terra de Direitos
Fonte: Folha de S. Paulo
Por Louise Arbour, formada em direito na Universidade de Montreal (Canadá), doutora honoris causa de 27 universidades e a alta comissária para os Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).
Todos os direitos humanos são importantes para os pobres porque a miséria e a exclusão estão ligadas à discriminação, a um acesso desigual aos recursos e às oportunidades e à estigma social e cultural.O fato de os direitos dos pobres lhes serem negados faz com que lhes seja mais difícil participar do mercado de trabalho e ter acesso a serviços básicos e recursos.
Em muitas sociedades, são impedidos de gozar os seus direitos à educação, à saúde e à habitação simplesmente porque os recursos de que dispõem não permitem. Isso dificulta a sua participação na vida pública, a sua capacidade de influenciar as políticas que os afetam e de obter reparação das injustiças de que são alvo. A pobreza significa não só rendimento e bens materiais insuficientes mas também uma falta de recursos, oportunidades e segurança que mina a dignidade e exacerba a vulnerabilidade dos pobres. A pobreza também tem a ver com poder: quem o detém e quem não o detém, tanto na vida pública como no seio da família.
Para compreender e atacar mais eficazmente padrões enraizados de discriminação, desigualdade e exclusão que condenam indivíduos, comunidades e povos a gerações sucessivas de pobreza, é indispensável chegar ao âmago das redes complexas de relações de poder nas esferas política, econômica e social. Contudo, a pobreza é, com freqüência, vista como uma situação lamentável, mas acidental; ou como uma conseqüência inevitável de decisões e acontecimentos ocorridos noutros lugares; ou como sendo da exclusiva responsabilidade de quem a sofre. Uma abordagem global dos direitos humanos não se limita a abordar as idéias erradas e os mitos em torno dos pobres, ajudando antes -o que é ainda mais importante- a encontrar vias sustentáveis e eqüitativas para sair da pobreza.
Ao reconhecer que recai sobre os Estados a obrigação de proteger as suas populações da pobreza e da exclusão, essa abordagem faz ressaltar a responsabilidade dos governos pela criação de um ambiente que fomente o bem-estar público. Também permite que os pobres ajudem a formular políticas para a realização dos seus direitos e tentem obter reparação quando ocorrem abusos. Essa abordagem tem sólidos fundamentos jurídicos. Todos os Estados ratificaram pelo menos 1 dos 7 principais tratados sobre direitos humanos e 80% ratificaram quatro deles ou mais.
Além disso, a comunidade mundial aprovou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que fixam metas para esforços internacionais destinados a resolver o problema da pobreza e da marginalização. Independentemente das limitações de recursos, os Estados podem tomar medidas para combater a pobreza. E os Estados que estão em condições de prestar assistência deveriam tomar a iniciativa de ajudar. A indiferença e uma visão estreita dos interesses nacionais podem ter efeitos tão negativos sobre os direitos humanos e o desenvolvimento quanto a discriminação. No ano passado, o presidente do Banco Mundial, Paul Wolfowitz, afirmou que "não é moralmente justificável que os países ricos gastem 280 bilhões de dólares -quase o PIB total da África e o equivalente ao quádruplo do total da ajuda externa- para apoiar os produtores agrícolas".
Num de seus últimos discursos como secretário-geral da ONU, Kofi Annan afirmou que considerava a ênfase dada à luta contra a pobreza uma das maiores realizações de seus mandatos. Sublinhou a profunda vulnerabilidade e os ataques à dignidade humana que acompanham a pobreza. E, mais importante, identificou os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento como elementos indispensáveis de um mundo em que todos possam viver em maior liberdade. Dado que 1 em cada 7 habitantes do planeta passa fome, essa liberdade depende da nossa capacidade de vencer a pobreza como um dos problemas de direitos humanos mais graves do nosso tempo.
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos