Tutelar para explorar: Projeto de Lei 191 deve impactar intensamente povos indígenas amazônicos
No último ano de mandato presidencial, Jair Bolsonaro (PL) mira de todas as formas contra os direitos originários dos povos indígenas para alimentar o setor do agro-hidro-minero-negócio. Uma das recentes frentes de ataque é a ofensiva pela aprovação do Projeto de Lei 191/2020, de origem no Poder Executivo, que prevê regulamentar os artigos 176 e 231 da Constituição Federal para permitir a exploração de terras indígenas por projetos de aproveitamento elétrico – a exemplo das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) que se avolumam nos rios da Amazônia – e de exploração de minérios como o potássio, substância muito utilizada pelo agronegócio no preparo do solo, que necessita de autorização de lavra mineral.
O Projeto de Lei 191 integra a pauta prioritária do governo e voltou a ser exaltado, por meio de um tuíte do presidente Bolsonaro, no dia 2 de março, como uma alternativa à possível falta de fertilizantes no país em razão da guerra entre Rússia e Ucrânia. No dia seguinte, o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (Progressistas), começou a coleta de assinaturas para um requerimento que permita a tramitação da proposta em regime de urgência pelo plenário da Casa.
Autonomia indígena
O fato é que a aprovação da regulamentação proposta pelo PL 191 significaria um forte retrocesso para os direitos originários indígenas por instituir formas de exploração dos territórios sem autonomia dos povos indígenas, ou seja, reforçando a tutela do Estado, principalmente por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai) na gestão dos territórios. Com isso, o direito ao território e a autonomia indígena sobre as terras serão profundamente impactados com as mudanças previstas.
Um exemplo é que o PL institui um processo de “oitiva aos povos indígenas”. Afastada do conteúdo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e das mais recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, a ideia de “oitiva” contida no PL 191 não passaria de mera ferramenta burocrática de implementação dos empreendimentos. O projeto também pretende instituir o “Conselho Curador”, composto por indígenas para gestão de recursos advindos da repartição de benefícios – medida que também seria imposta como forma organizativa para os povos indígenas.
O caso da região de Tapajós, no Pará
Na prática, o contexto de violações dos direitos indígenas, que já é crítico, deve se intensificar ainda mais. Por exemplo, na região do Tapajós, no Oeste do estado do Pará, as terras indígenas têm sido invadidas, cercadas e ameaçadas por projetos minerários, hidrelétricos e monoculturas de soja e milho. Um exemplo é a autorização, em janeiro, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para retomada de estudos para a instalação de três megahidrelétricas no Rio Tapajós, projetos que tinham sido barrados por ameaçarem territórios indígenas na região.
A região do Tapajós ainda inclui o contexto de exploração ilegal de minérios no município de Jacareacanga, já denunciada por lideranças do povo indígena Munduruku. A exploração ilegal de ouro ocorre em terras indígenas já homologadas, como a Terra Indígena Munduruku e a Terra Indígena Sai Cinza. Nesses casos, o PL 191/2020 abriria portas para o aprofundamento da exploração do solo devastado no Alto Rio Tapajós.
Terras indígenas não homologadas
Além disso, ainda que o Projeto de Lei 191 preveja liberação da exploração somente em territórios indígenas homologados, terras não homologadas também podem ser impactadas. No Baixo Tapajós, no município de Santarém, as Terras Indígenas Maró e Cobra Grande estão cercadas por tentativas de exploração de bauxita e fosfato e, ainda que não homologadas – e, portanto, aparentemente não atingidas pelo PL 191 –, teriam seu futuro ameaçado.
Outros projetos nocivos
É importante destacar que o PL 191 não é o único projeto do governo, que representa uma grave violação aos direitos dos povos originários. Nas propostas listadas na agenda de Bolsonaro, destaca-se o PL que altera o marco temporal para demarcação de terras indígenas (PL 490/2007); o PL que cria a lei geral do licenciamento ambiental (PL 2159/2021) e o que propõe alterações para regularização fundiária de terras públicas (PL 2633/2020 e PL 510/2021) como mais um incentivo à grilagem de terras.
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A persistência e as articulações do governo e de seus aliados na aprovação de projetos anti-indígenas apontam para um aprofundamento das violações de direitos humanos neste último ano de gestão.
A agenda de Bolsonaro, que visa ao avanço da destruição de direitos e do meio ambiente, em um momento em que tanto tem se discutido sobre o combate à crise climática, colocam a sociedade civil novamente sob alerta.
*Gisele Barbieri é coordenadora de incidência política da Terra de Direitos.
**Pedro Martins é coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos.
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos
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