Notícias / Notícias



Após reivindicação pela Comunidade Nova Esperança, TJ-PR decide por manter as 1.200 famílias na área


Em decisão unânime, desembargadoras(es) reconhecem que imóvel público deve cumprir função social. Sentença anterior em 1º grau determinava o despejo. 

Já bem estruturada, a Comunidade Nova Esperança realiza eventos como Dia das Crianças. Foto: Juliana Barbosa/ MST-PR

Em decisão unânime, a 18º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) decidiu no último 19 de julho que as 1,2 mil famílias residentes na ocupação Nova Esperança, em Campo Magro (PR), podem permanecer na área. A decisão atende a recursos de apelação feitos pela Terra de Direitos, na representação das famílias, as quais se organizam no Movimento Popular por Moradia, e pelo Ministério Público do Paraná (MPPR), pleiteando a reforma da sentença de 1º grau que havia determinado o despejo das famílias. Cabe recurso da decisão.

A ação foi proposta pelo Estado do Paraná, porém a principal oposição é da Prefeitura de Campo Magro, município da região metropolitana de Curitiba onde se localiza a ocupação.  

Na sessão de julgamento, as desembargadoras Denise Krüger Pereira e Luciane Bortoleto, bem como o desembargador Péricles Bellusci, reconheceram que o imóvel público também deve cumprir efetivamente a função social. A área onde residem as 1,2 mil famílias trata-se de uma área pública sem função social desde 2009 pertencente à Fundação de Ação Social de Curitiba e que foi cedida em 2013 ao Governo do Paraná para que a Secretaria de Justiça, Família e Trabalho (Sejuf) realizasse projetos, o que nunca aconteceu. Com a intensificação da crise social pela pandemia, a área, conhecida como antiga Fazenda Solidariedade, foi ocupada pelas famílias. Oriundas de diversas partes da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) e da capital paranaense, centenas de famílias ficaram sem dinheiro para o aluguel em meio à crise gerada pelo coronavírus e à ausência de políticas habitacionais. 

 “Em que pese a área pública não seja passível de desapropriação, nada afasta a necessidade premente de observância, pelo Estado, dos princípios afetos à função social da terra, sendo que o Estado possui o dever de primar pelos imóveis sob sua responsabilidade, como deve garantir que seu patrimônio seja utilizado em benefício da sociedade, e consoante as disposições constitucionais aplicáveis”, aponta um dos trechos da decisão, em referência aos argumentos trazidos pela defesa dos moradores. Ainda, reconhecendo a consolidação da comunidade e o elevado número de famílias, a Desembargadora relatora, em seu voto, afirmou que “deve prevalecer o direito de moradia das diversas famílias que se encontram instaladas na área, sendo visível a desproporcionalidade da medida de desocupação, que causará consequências imprevisíveis e socialmente indesejadas.”

"Essa decisão é muito importante pois reconhece, na esteira de julgados do Superior de Justiça, que o imóvel público tem o dever de cumprir efetivamente a função social e também que é possível a manutenção das famílias no local, garantindo-se ali seu direito à moradia, visto que a ordem de despejo seria absolutamente desproporcional, com muitas consequências negativas", avalia a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. A organização assessora a comunidade.

Desde o fim do trâmite do processo judicial no âmbito do Centros Judiciais de Solução de Conflitos e Cidadania sobre questões de regularização fundiária (CEJUSC Fundiário), quando foi a julgamento, constituiu-se, pelo Tribunal de Justiça, Grupo de Trabalho com os órgãos e partes envolvidos, para busca de soluções adequadas. O Grupo de Trabalho já teve sua primeira reunião após a publicação da decisão e deve reunir novamente em setembro. O caso tem sido acompanhado Comissão de Soluções Fundiárias do TJ-PR. 

Sonho vivo
Localizada em área urbanizada, com infraestrutura e serviços públicos, tais como escolas, posto de saúde, entre outros, as famílias têm estruturado – por iniciativa própria e apoio de parceiros – as casas de alvenaria e madeira, fossas ecológicas e espaços coletivos, como bibliotecas, cozinha, padaria e horta comunitárias. Em razão do numeroso efetivo residente na área – mais de 5 mil pessoas – a Ocupação virou um bairro, o Nova Esperança 

Em estágio consolidado de estruturação, a comunidade comemorou a decisão. “A partir do momento que a reintegração foi suspensa, o sonho da moradia digna para mais de 1.200 famílias que moram no Bairro Nova Esperança ganhou vida. Agora está vivo, antes este sonho era uma possibilidade”, celebra a liderança Valdecir Ferreira, conhecido como Val.  

Val destaca que a organização popular, através do Movimento Popular por Moradia, tem sido central na reivindicação por direitos fundamentais. “A organização popular possui uma importância de trazer dignidade e forma mais justa nas nossas relações. Tanto interna, na relação dentro da comunidade, quanto externa, na relação com Ministério Público, desembargadores, juízes, etc.”, aponta Val. “Como Movimento nosso objetivo principal é o direito à moradia, para isso nos organizamos, buscamos parceiros, adequamos a nossa realidade. Isso faz com que a nossa luta seja com e por justiça”.  

Anunciada como capital social, a capital paranaense possui déficit habitacional de 57 mil moradias, de acordo com a Companhia de Habitação Popular (Cohab). O Censo de 2022 aponta que a cidade apresenta ao menos 104 mil domicílios desocupados.

 



Ações: Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial