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Comunidade de nativos da Ilha do Mel (PR): direito à memória violado pelo avanço da maré e omissão do Estado


Mesmo com décadas de erosão do cemitério pelas marés e de reivindicação por nova área pelos moradores, poder público ainda não apresentou solução.



 

O cemitério da Ilha do Mel (PR) é um pouco conhecido por quem circula como turista pelo pequena porção de terra banhada pelo Oceano Atlântico. Localizado a beira-mar e em área de Reserva Ecológica, o local de repouso dos mortos das comunidades tradicionais pertencentes à Ilha é apenas acessível para o pedestre que ultrapassa o Mirante da Fortaleza quando a maré estiver baixa ou via mar. Não há uma trilha de acesso ativada na Ilha. Assim, quando a maré estiver alta o acesso ao cemitério é obstruído, não importa se há necessidade de um novo sepultamento ou se é do desejo, da fé e do respeito aos ancestrais a ida ao cemitério.

O acesso ao cemitério é uma das dificuldades enfrentadas pelas comunidades residentes na Ilha. Outra dificuldade, das mais grave, é que o cemitério tem sido corroído – há décadas – pela elevação do nível do mar. Diversos estudos feitos por universidades e órgãos ambientais mostram que as marés já erodiram parte significativa do cemitério. Um deles aponta que nos últimos 20 anos cerca de 25 metros do cemitério foram consumidos pelas águas. Já recuado do local original, o cemitério pode sumir em menos de dez anos, ainda diz o estudo.

É na memória da população nativa que chegam os relatos mais contendentes da permanente violação do direito à memória e de resguardo à história das comunidades. “Eu escuto desde os 10, 15 anos de idade sobre os túmulos do cemitério estarem expostos pela alta da maré”, resgata Júlio Soares Mendes. Chico, como é conhecido na Ilha, tem hoje 66 anos.

O cemitério também não possui barreiras de contenção que impeçam o avanço das cheias e a conservação do espaço. Os nativos relatam que muitas vezes precisam enterrar seus parentes debaixo d’água. “O mar está chegando”, aponta Chico.

Na limpeza do cemitério em 2018 a Associação de Nativos da Ilha do Mel levantou que 43 dos 90 túmulos não estavam identificados, frutos da erosão pela maré que destruiu as lápides. O levantamento feito pela Associação foi endereçado ao Instituto Água e Terra (IAT), órgão ambiental. É para este órgão e para a Prefeitura de Paranaguá que as comunidades tem se reportado há anos no pedido de realocação do cemitério.

Foto: Lizely Borges

Em assembleia da comunidade tradicional de Nova Brasília, em agosto deste ano, a população nativa decidiu por uma área localizada próxima à Praia do Belo. A nova área atenderia a diversas comunidades, configura-se como área protegida de erosão das marés e apresenta baixo impacto ambiental. Além disso, a participação dos nativos na escolha do local onde desejam velar seus entes está assegurada na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Como o cemitério trata-se de uma estrutura imprescindível para a habitação comunitária, os órgãos públicos podem declarar a obra como de utilidade pública ou de interesse social. Este enquadramento permite que o realocação do cemitério esteja abarcada pela legislação ambiental no que diz respeito ao que pode e que não pode ser construído nas áreas de proteção.

“Há várias análises e estudos sobre a urgência de realocação do cemitério. Se o estado tiver predisposição para cumprir seu papel como a Constituição Federal determina no que diz respeito ao direito à memória, há saídas possíveis na legislação”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade.

A Associação solicitou para os próximos dias uma nova reunião com a Prefeitura de Paranaguá, Secretaria de Meio ambiente, Secretaria de Desenvolvimento para reivindicar novamente o avanço dos trâmites administrativos para realocação do cemitério.




Eixos: Terra, território e justiça espacial