Comunidades ressaltam a importância dos protocolos comunitários de consulta durante evento em Brasília
Por José Lucas com supervisão de Gisele Barbieri
A construção e a efetividade dos protocolos comunitários de consulta prévia foram debatidas em uma oficina promovida pela Instituto Socioambiental (ISA) no IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado em Brasília na última quinta-feira (12), que contou com a participação da Terra de Direitos. A Consulta Prévia é um instrumento que obriga o estado brasileiro a consultar a posição dos povos e comunidades tradicionais sobre decisões administrativas e legislativas que afetem suas vidas. Por meio da consulta prévia é possível garantir o direito de escolha, participação e avaliação sobre projetos, empreendimentos, propostas legislativas, pesquisas acadêmicas e quaisquer intervenções que afetem seu modo de vida, seus direitos e o seu território.
A Consulta Prévia está garantida na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2002, ratificada em 2004 pelo Decreto Presidencial nº 5051. No entanto, comunidades denunciam que o direito é constantemente violado por governos sob troca de interesses ligados ao mercado econômico.
No Brasil, o povo Indígena Wajãpi foi o primeiro, em 2014, a construir um Protocolo de Consulta Prévia. As terras Wajãpi ficam na região delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no Amapá, há mais de dois séculos. O protocolo serviu, posteriormente, como base para outros povos produzirem o documento junto às suas comunidades.
Oficina
A assessora jurídica da Terra de Direitos, Camila Cecilina Martins, juntamente com representantes de povos e organizações que já participaram de processos de construção de protocolos comunitários de consulta prévia, relatou sua experiência no acompanhamento da construção dos protocolos comunitários das apanhadoras e apanhadores de flores sempre vivas da porção meridional da Serra do Espinhaço (MG).
De acordo com ela esse processo fortaleceu os territórios que sofrem frequentemente com as investidas de grandes fazendeiros e invasores, cercando as terras de uso comum da comunidade e impedindo, muitas vezes, o acesso delas aos campos de flores.
“O protocolo ajuda a fortalecer esse sentimento de coletividade, de organização e de visão do macro do que vem atacando os seus territórios, e dos direitos que elas possuem enquanto comunidades tradicionais. Os protocolos auxiliaram as apanhadoras a se prepararem também para o que pode aparecer. Na medida em que as apanhadoras/es ganham mais visibilidade, pelo seus sistemas agrícolas orgânico e agroecológico, o governo e as empresas também se interessam mais por esse conhecimento tradicional” relata a advogada popular.
Os protocolos das comunidades de apanhadores de flores foram lançados em junho deste ano, e foram elaborados pelas Comunidades, com assessoria da Terra de Direitos e da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex).
Protocolos: ferramenta de resistência
A comunidade quilombola Abacatal localizada no estado Pará foi outra comunidade que também produziu seu protocolo de consulta prévia. A presidente da Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá (AMPQUA), Vanuza Cardoso, relata que o processo, até a finalização do protocolo de sua comunidade, durou pouco mais de 9 meses. Segundo ela, o documento serve principalmente para guardar a memória cultural e ancestralidade de seu povo.
“É a história da oralidade desses povos. É toda uma história de gerações. Infelizmente, pro Estado não basta falar, tem que apresentar papel. O que é muito importante nessa construção é a linha do tempo que a gente precisa fazer para ter consciência de todas as violações de direitos que viemos sofrendo durante muito tempo”, relata a quilombola.
A representante da Articulação Pacuri, Jaqueline Evangelita Dias conta que a produção do Protocolo Comunitário Biocultural das Raizeiras do Cerrado, o primeiro Protocolo Biocultural do país, foi uma forma encontrada de assegurar o reconhecimento das Raizeiras perante o Estado e pelo Conselho Nacional da Política de Povos e comunidades Tradicionais.
“A partir do momento que você coloca essa identidade em um documento político, que vem com o respaldo de um acordo Internacional assinado pelo governo, ela começa também a criar um espaço de discussão para o reconhecimento desse segmento como comunidade tradicional”, destaca jaqueline.
Direito conquistado X Estado violador
Um dos mais importantes protocolos produzidos no Brasil, é o dos povos do xingu no estado do Mato Grosso. O documento representa, ao todo, mais de 7 mil índios de 16 povos diferentes em quatro terras indígenas: Parque Indígena do Xingu, Wawi, Batovi e Pequizal do Naruvotu, todas demarcadas pela Fundação Nacional do índio (FUNAI) e homologadas pela Presidência da República.
Segundo informações do secretário executivo da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX), Napiku Talugu Txicão, o Xingu está se transformando numa ilha de floresta rodeada por atividades econômicas e projetos de infraestrutura de alto impacto nos recursos naturais e sobre nossas comunidades.
“Os governos que se sucedem parecem decididos a fazer do Mato Grosso uma grande lavoura de soja a qualquer custo. Parecem não se importar com o desmatamento crescente, o desequilíbrio das chuvas, o assoreamento dos rios, o envenenamento por agrotóxicos, a diminuição dos peixes, o aparecimento de pragas, o aumento dos incêndios florestais e tantos outros impactos que afetam nosso modo de viver.” relata Napiku.
Napiku destaca ainda que os protocolos são constantemente violados, e que os povos precisam se manifestar e não deixarem que essas violações aconteçam. “O protocolo de consulta foi construído, mas quem irá fazer ele ser efetivo somos nós. Nós que estamos a frente disso. A gente tem de mostrar pro Governo que é preciso respeitar nossos direitos. O protocolo em si não vai falar, o povo precisa colocar o protocolo em ação”, destaca Napiku.
Segundo assessora jurídica do ISA, Biviany Rojas o protocolo é um direito das comunidades ainda em construção ainda no Brasil, mas que é importante que as comunidade se apossem desse direito.
Outro exemplo de comunidade que conquistou a produção do Protocolo de Consulta foi
“A criação de protocolos é um processo para despertar para a legitimidade de decidir sobre suas próprias vidas, mas isso é um grande desafio. Mesmo depois de ter o protocolo escrito, é importante fazer com que as comunidade se apropriem do documento. Eu percebo a grande dificuldade que as comunidades tradicionais tem de protagonizar o consulta prévia, de assumir a liderança do processo. É importante entender que são as comunidades que tem de fazer as suas regras, ninguém pode decidir por eles” explica a advogada do ISA.
Biviany destaca que o protocolo é uma forma para que o povos tradicionais brasileiros retomem o controle de seu território e de seus conhecimentos.
Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar