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Em razão da pandemia, STF estende a suspensão de despejos e remoções até março de 2022

09/12/2021 Comunicação Despejo Zero

Decisão traz proteção às mais de 123 mil famílias que correm risco de despejo ou remoção, de acordo com Campanha Despejo Zero

Ocupação Cidade de Deus, em Sete Lagoas (MG), sofre com ameaça de despejo. Foto: Nivea Magno/Mídia Ninja

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta quarta-feira (08), em julgamento virtual, a extensão até março da decisão que impedia despejos e remoções urbanos e rurais em razão da pandemia. Acompanhando o voto do ministro relator da ação, Luis Roberto Barroso, os ministros compreenderam que a crise sanitária não foi plenamente sanada. A decisão traz proteção às mais de 123 famílias distribuídas por todo país que correm risco de despejos ou remoções, aponta a Campanha Despejo Zero. 

Em junho, Barroso havia decidido favoravelmente à suspensão dos despejos e remoções por seis meses, ou seja até dezembro deste ano, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, de autoria do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em parceria com movimentos e entidades da Campanha Nacional Despejo Zero. Em novo pedido, as organizações pediram a suspensão por um ano, entretanto, o ministro prorrogou por três meses, com validade então até março de 2022.

"Com a chegada do mês de dezembro, constata-se que a pandemia ainda não chegou ao fim e o contexto internacional - notadamente com a nova onda na Europa e o surgimento de uma nova variante na África - recomenda especial cautela por parte das autoridades públicas”, declarou Barroso em seu voto.

Kelli Mafort, da direção nacional do MST - organização que integra a Despejo Zero, concorda que a decisão é uma vitória importante, mas parcial, pois o prazo de março é bem curto. “A vida precisa estar acima da propriedade e a luta por teto, terra e trabalho é justa e necessária pois estamos diante de duas pandemias, a do vírus e a da fome. A decisão do STF é fundamental para salvar vidas e corrige um erro brutal por parte do Congresso, que aprovou a lei do Despejo Zero, excluindo o campo. Para o STF, não é razoável a distinção prevista na lei entre urbanos e rurais, e por isso, a decisão não somente suspende os despejos até março, como também estende os plenos direitos da Lei do Despejo Zero, para os rurais”, afirmou. 

Para Benedito Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e Central dos Movimentos Populares (CMP) e também integrante da Campanha, a decisão do STF é extremamente importante. “O impacto da decisão é enorme do ponto de vista social e da vida das comunidades urbanas e rurais que estão ameaçadas de reintegração de posse e despejos. É um marco histórico na luta pela reforma agrária e urbana e na luta pela terra. A gente espera que no ano que vem a gente avance mais. A decisão está limitada até 31 março de 2022, mas e depois, o que vamos fazer? Iremos respirar um pouco nesse período, mas não conseguimos solução definitiva para o grave problema das situações de conflito e despejos no Brasil, num país em que as terras estão concentradas nas mãos dos latifundiários e da especulação imobiliária”, afirmou. 

Para Daisy Ribeiro, assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante da Campanha Despejo Zero , a decisão do STF é muito importante para proteção da moradia e da saúde, pilares de uma vida digna, sobretudo em cenário de grave crise social, ausência de políticas públicas e uma pandemia que ainda não acabou. “O risco permanente de remoção é um terror psicológico para as mais de 123 mil famílias ameaçadas de despejo. É o risco de se perder o pouco que tem, o acesso à escola, a possibilidade de ir ao trabalho. Além disso, há sempre uma marca da violência, pois despejos ocorrem com grandes operações policiais. A Campanha Despejo Zero tem denunciado esse cenário e a importância de o Estado viabilizar soluções dignas às famílias, baseadas no que já determinam normas de direitos humanos nacionais e internacionais.”

Em meio ao julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski abriu divergência, mas tão somente para ampliar ainda mais o prazo suspensivo, entendendo que deveria ser estendido, nos termos da Lei 14.216/2021, enquanto perdurarem os efeitos da pandemia da Covid-19. O ministro Nunes Marques acompanhou a divergência.

Na avaliação da Campanha, a suspensão dos despejos e remoções precisa ser acompanhada da retomada de políticas públicas para moradia voltada para população de baixa renda, para além da pandemia. “Os efeitos do coronavírus expõem e agravam uma verdadeira crise de moradia no Brasil. A cada dia, tem mais gente sem conseguir colocar comida na mesa, convivendo com o desemprego, a miséria e a fome, precisando escolher entre se alimentar ou ter uma casa. Imagina as condições de moradia dessas famílias e como elas vão arrumar onde morar se perderem suas casas? Suspender os despejos e remoções forçadas é o mínimo que o Estado brasileiro deve fazer”, defende Raquel Ludemir, coordenadora de incidência política da Habitat para a Humanidade Brasil, organização integrante da Campanha Despejo Zero.

Despejos rurais 
Na decisão, o ministro Barroso ainda solicita que a Câmara dos Deputados também prorrogue a Lei Nacional Despejo Zero que vence no dia 31 de dezembro de 2021.: "Faço apelo ao legislador, a fim de que prorrogue a vigência do prazo de suspensão das ordens de desocupação e despejo", sublinhou o ministro.

Como a lei aprovada pelo Congresso não inclui a suspensão de despejos de áreas rurais, o ministro destacou a necessidade do Legislativo observar a inclusão desta população na lei. "Não há justificativa razoável para se proteger pessoas em situação de vulnerabilidade nas cidades e não no campo, ainda mais quando noticiados casos de desocupações violentas em áreas rurais. A Lei nº 14.216/2021, nessa parte, cria uma distinção desproporcional e protege de forma insuficiente pessoas que habitam áreas rurais, distorção que deve ser corrigida na via judicial”, apontou Barroso.

Entenda o caso
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, estendeu até 31 de março de 2022 a suspensão de despejos, remoções forçadas e reintegrações de posse durante a crise da Covid-19. Na decisão, Barroso considerou que a crise sanitária ainda não foi superada, o que justifica a prorrogação da suspensão.

Em junho, Barroso havia decidido favoravelmente à suspensão dos despejos por seis meses na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, de autoria do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em parceria com movimentos e entidades da Campanha Nacional Despejo Zero. Em novo pedido, as organizações pediram a suspensão por um ano, entretanto, o Ministro prorrogou por três meses.

A Campanha Nacional Despejo Zero é uma articulação que reúne mais de 100 organizações sociais, movimentos sociais e coletivos rurais e urbanos para atuar contra os despejos e remoções de famílias do seu local de moradia. A iniciativa foi lançada em julho de 2020, em razão da pandemia da Covid-19, e aborda um problema estrutural das cidades e do campo brasileiros: a falta de moradia adequada para todos, resultado da ausência de políticas de reforma agrária, reforma urbana e de titulação de territórios.

Segundo o último levantamento da Campanha Nacional Despejo Zero, mais de 120 mil famílias estão sob ameaça de despejo ou remoção no país. O número é 554% maior do que o registrado no início da pandemia. São 123.153 famílias ameaçadas de remoção durante a pandemia no Brasil frente a 18.840 famílias ameaçadas em agosto de 2020.  

Os estados de São Paulo, Amazonas e Pernambuco seguem sendo os estados onde mais famílias estão ameaçadas de perder sua moradia: SP 39.295; AM 29.195; PE 14.818 famílias. Mas o número de famílias ameaçadas na Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e Ceará também chamam atenção com números preocupantes.



Ações: Direito à Cidade

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos