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Omissão do Estado brasileiro marca reunião internacional sobre violações de direitos quilombolas


Apesar dos poucos compromissos assumidos pela delegação do Brasil, reunião avançou na proposição dos locais a serem visitados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em novembro.

A reunião de trabalho sobre o tema dos quilombolas brasileiros em Boulder, nos EUA, por ocasião do 169ª Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), voltou a expor o Estado brasileiro em relação à crescente violação de direitos de quilombolas no país, além de antecipar elementos para a visita da Comissão ao Brasil – prevista para a primeira quinzena de novembro.

Pela Comissão, participaram da reunião os comissionários Margarette May Macaulay, Antonia Urrejola Noguera e Paulo Abrão. Representando o Brasil, estiveram Fernando Sena (Itamaraty), Herbert Borges Paes de Barros, Secretário Nacional de Cidadania, Pedro Helena Pontual Machado, Diretor do Departamento de Promoção de Igualdade Racial para Povos e Comunidades Tradicionais Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e Juliana Mendes Ribeiro, Coordenadora de questões da CIDH no Ministério dos Direitos Humanos. Também integraram a delegação Demerval Farias Gomes Filho e Antonio Suxberger, do Conselho Nacional do Ministério Público, além de um representante do CNJ. Fernando Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos, representou as organizações da sociedade civil Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), Centro de Cultura Negra do Maranhão, Clínica de Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação de Direito da Universidade Federal do Pará, Comissão Pastoral da Terra, a Comissão Pró Índio de São Paulo, Instituto Socioambiental, Justiça Global, Mariana Crioula - Centro de Assessoria Jurídica Popular e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

Em sua apresentação, o representante das entidades mencionou a existência de 1.700 processos de titulação de terras abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – com apenas 116 titulações, muitas delas parciais –, processos em que a área é diminuída de forma arbitrária (como é o caso do Quilombo Quingoma, na Bahia, com redução de 80% do território), além de 31 decretos parados na casa civil. Citou, ainda, a falta de orçamento para obtenção de imóveis, a diminuição do orçamento atividade meio e fim e o crescimento da violência contra quilombos e sua população nos últimos dez anos, objeto de estudo de publicação recém lançada por movimentos sociais brasileiros. “Esperamos que essas ações da CIDH continuem e frutifiquem até que as comunidades quilombolas tenham efetivados seus direitos fundamentais. Infelizmente, a situação vem piorando, sem sinais de possíveis melhoras”, afirmou.

Compromissos
Entre os principais compromissos propostos pela sociedade civil ao Estado brasileiro, estiveram a não alteração do Decreto Federal 4887/03 ou a Portaria nº 98 da Fundação Cultural Palmares (sobre os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos), a assinatura dos 31 decretos de desapropriação paralisado na Casa Civil, a titulação de áreas da União, a não diminuição de territórios e a recomposição do orçamento e estrutura do Incra, além de políticas públicas em geral para quilombos.

Por parte da delegação do Brasil, houve a sinalização da possibilidade de repasses financeiros para que o Incra elabore Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs) e consolide algumas titulações. Com relação aos decretos que não foram assinados, foi explicitada uma divergência interna no governo sobre assinar ou não os decretos sem que o orçamento exista.

Quanto às medidas do governo para mudança do Decreto 4887/03 e da Portaria 98 da FCP, o representante da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial assegurou que não haverá alterações. “Na Secretaria de Direitos Humanos pode não haver, mas é difícil obter informações sobre como a casa Civil estaria tratando da questão”, rebateu Prioste.

Em discordância aos dados apresentados pelo governo brasileiro, que afirmou que o passivo de processos do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos está diminuindo, Fernando Prioste apresentou os dados crescentes de mortes e impunidades, sobretudo contra negros e negras, sistematizadas por organizações brasileiras.

Ao final, os representantes da CIDH ressaltaram as divergências de análise e de dados apresentados, e solicitaram que até a realização das visitas em novembro sejam explicitadas as divergências.

Visita ao Brasil
Na primeira quinzena de novembro, a CIDH visitará locais e territórios para a verificação da situação dos direitos humanos no Brasil. Durante a reunião em Boulder, o representante da sociedade civil apresentou e sugeriu visitas às comunidades quilombolas de Alcântara (MA), cuja ação da base espacial avança sobre os territórios; Rio dos Macacos (BA), comunidade afetada pela invasão do território pela Marinha do Brasil; Quilombo Pitanga de Palmares (BA), comunidade em que ocorreu o assassinato da liderança Flávio Gabriel Pacífico dos Santos em 2017 e permanece sem respostas do sistema de justiça brasileiro, e Mesquita (GO) – que vivencia um contexto de graves violações, tanto pela ameaça a lideranças, como pelas ameaças de retrocessos na titulação do território e especulação imobiliária.

“A reunião foi mais um passo nessa nossa estratégia internacional, de médio/longo prazo, para pressionar o Estado brasileiro nesses temas. Não tivemos nenhum grande compromisso do Estado, o que configura, para as entidades denunciantes, um caso de omissão racista”, avalia Prioste.



Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial